MANAUS – Ao mandar soltar o prefeito de Coari Adail Filho (PP), o ministro do STJ (Superior Tribunal de Justiça) Rogério Schietti Cruz disse que não há mais razões para manter o político preso. Ele considerou informações de que o prefeito já foi ouvido pelo Ministério Público Estadual (MP-AM) e que o material apreendido na casa de Adail já foi devolvido aos seus advogados.
Para o ministro, não há elementos suficientes na decisão da desembargadora Carla Reis que justifiquem a continuidade da prisão temporária do prefeito.
Leia abaixo a decisão:
HABEAS CORPUS Nº 537.205 – AM (2019/0296518-6)
RELATOR : MINISTRO ROGERIO SCHIETTI CRUZ
IMPETRANTE : RAVIK DE BARROS BELLO RIBEIRO E OUTRO
ADVOGADOS : RAVIK DE BARROS BELLO RIBEIRO – DF033192
LARISSA LOPES BEZERRA – DF044550
IMPETRADO : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO AMAZONAS
PACIENTE : ADAIL JOSE FIGUEIREDO PINHEIRO (PRESO)
INTERES. : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO AMAZONAS
DECISÃO
ADAIL JOSÉ FIGUEIREDO PINHEIRO alega sofrer coação
ilegal em decorrência de decisão de Desembargador do Tribunal de Justiça do
Estado do Amazonas, que decretou sua prisão temporária, em investigação
que apura “provável organização criminosa atuante no âmbito dos Poderes
Executivo e Legislativo do Município de Coari, formada pelo Prefeito Municipal
[o insurgente], Vereadores locais, empresários e outros”, voltada, em tese, ao
cometimento de diversos crimes contra a Administração Pública (fl. 77), dentre
os quais peculato, corrupção ativa, fraude em licitação, falsificação de
documento particular etc.
Narra a exordial que o investigado, prefeito municipal, é
primário, de bons antecedentes e está segregado desde 26/9/2019. Sua oitiva
para prestar esclarecimentos ocorreu no dia 30/9/2019 e, na mesma data,
“foi feita a análise do material apreendido [em sua residência] e inclusive
restituído aos defensores”, mas houve pedido de prorrogação da prisão
temporária, sob a assertiva de que havia necessidade de mais tempo para
realização de diligências investigativas (fl. 5).
Para os impetrantes, é flagrante a ilegalidade da prorrogação
da segregação cautelar, para investigar fatos que datam todos do ano de
2017, fundamentada exclusivamente na ausência de oitiva dos investigados e na
necessidade de análise do material apreendido. Ademais, há excesso nas
acusações que são apresentadas e alguns fatos já foram arquivados pelo Poder
Judiciário.
Buscam, em liminar e no mérito, a revogação do ato judicial
impugnado.
Decido.
A jurisprudência desta Corte Superior é firme em salientar que o
encarceramento provisório do indiciado, como medida excepcional, deve
estar amparado nas hipóteses taxativamente previstas na legislação
de regência e em decisão judicial devidamente fundamentada.
O art. 1º da Lei n. 7.960/1989, por sua vez, evidencia
que o objetivo primordial da prisão temporária é o de acautelar
o inquérito policial, procedimento administrativo voltado a esclarecer o
fato criminoso, a reunir meios informativos que possam habilitar o
titular da ação penal a formar sua opinio delicti e, por outra angulação,
a servir de lastro à acusação.
A um olhar inicial, vejo que, na decisão que determinou a
prorrogação da prisão temporária, o Desembargador do Tribunal de Justiça do
Estado do Amazonas não observou, no ponto, o comando legal, ao deixar de
indicar dados concretos aptos a evidenciarem a imprescindibilidade da
prisão temporária para a tutela da investigação, ou mesmo idôneos a justificar a
imperiosidade de manter preso o suspeito enquanto se aguarda a oitiva dos
outros investigados e o exame do material reunido pelas autoridades.
Consoante consta dos autos, o postulante foi preso em
26/9/2019. Os advogados noticiam que já ocorreu a oitiva do suspeito e o
exame do material apreendido em sua residência. O Desembargador verificou
a necessidade de prorrogação da custódia ao singelo argumento de que:
Como bem se observa, a coleta de prova oral ainda não se
encerrou, existindo ainda uma programação extensa a ser
cumprida, sendo imprescindíveis, por ora, os interrogatórios dos
representados, a fim de até mesmo contrapor com os objetos da
busca e apreensão ocorrida na mesma data e as demais provas
colhidas, garantindo uma defesa justa e plena à todos os
envolvidos.
Trata-se de oportunidade concedida aos investigados de expor
sua versão sobre os fatos apurados até o instante, respeitando-se
sobretudo os direitos e garantias constitucionais.
[…]
Ressalta-se que entendimento contrário, qual seja, pela soltura
dos enclausurados, neste momento, poderia obstaculizar o êxito
das investigações criminais, seja pelas razões supracitadas, ou
pelos possíveis contatos entre aqueles, objetivando ajustar
versões sobre os fatos.
Portanto, a prorrogação da medida é primordial.
A uma; para propiciar e facilitar a averiguação dos fatos, por
Superior Tribunal de Justiça
HC 537205 C5425065510;0128344740@ C584461542494032560164@ 03/10/2019 10:55
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consequência, coibir qualquer ação que objetive atravancar a
apuração dos possíveis atos delituosos de natureza grave.
A duas; tal pleito encontra-se devidamente embasado,
descrevendo o papel relevante dos representados na dinâmica
dos fatos, havendo subsistência de lacunas investigativas que
ainda necessitam ser aclaradas quanto à delimitação de suas
condutas e de outros, bem como a extensão da participação
delitiva de cada um dos investigados (fls. 26-27).
Em análise perfunctória, vê-se que o Desembargador deixou de
evidenciar situação concreta que ponha em risco o êxito da atividade
investigatória, a ensejar o sacrifício temporário da liberdade do suspeito,
principalmente quando considerado que ele já prestou declarações, em
30/9/2019, e o material apreendido em sua residência foi devolvido aos
defensores. A possibilidade de contato ou conluio com os demais averiguados,
para ajustar suas versões ou nelas interferir, parece ser meramente conjectura,
porquanto não demarcada, na decisão judicial, dados concretos ou
comportamento externado pelo postulante que possa assim ser realizado.
Em recentíssima decisão, a Sexta Turma deste Superior Tribunal
de Justiça, em feito de minha relatoria, assim decidiu:
EMENTA. HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO DOLOSO. PRISÃO
TEMPORÁRIA. PRESSUPOSTOS DO ART. 1º DA LEI N.
7.960/1989. FUNDAMENTAÇÃO INIDÔNEA. WRIT CONCEDIDO.
1. A jurisprudência do STJ é firme em salientar que o
encarceramento provisório do indiciado, como medida excepcional,
deve estar amparado nas hipóteses taxativamente previstas na
legislação de regência e em decisão judicial devidamente
fundamentada.
2. O art. 1º da Lei n. 7.960/1989 evidencia que o objetivo
primordial da prisão temporária é o de acautelar o inquérito
policial, procedimento administrativo voltado a esclarecer o fato
criminoso, a reunir meios informativos que possam habilitar o
titular da ação penal a formar sua opinio delicti e, por outra
angulação, a servir de lastro à acusação.
2. O Juiz de primeira instância não indicou motivação suficiente
para decretar a prisão temporária, cingindo-se a afirmar que “as
diligências até o momento realizadas demonstram pertinentes a
Superior Tribunal de Justiça
HC 537205 C5425065510;0128344740@ C584461542494032560164@ 03/10/2019 10:55
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persecução penal e a prisão temporária se mostra imprescindível
para a viabilização das diligências finais destinadas à delimitação
da participação no crime de homicídio que se aparenta, à princípio,
doloso”.
3. Habeas corpus concedido, confirmada a liminar, para cassar a
prisão temporária imposta à paciente, sem prejuízo de que seja
decretada outra providência cautelar em desfavor da paciente,
desde que por decisão devidamente fundamentada, com
demonstração de sua efetiva necessidade, adequação e
proporcionalidade de tal providência em relação aos fins
perseguidos.
HABEAS CORPUS Nº 498.557 – MT (2019/0072993-4), julgado em
24/9/2019. Decisão unânime.
É sabido que a palavra-chave para o uso e a manutenção de
qualquer prisão cautelar é a sua necessidade, sem a qual não se justifica tal
medida excepcional. Não se decreta custódia ante tempus por mera conveniência
da investigação, mas por absoluta necessidade, visto que, no processo penal, a
regra é a liberdade e a prisão, a exceção.
Desse modo, não satisfaz o comando legal a custódia temporária
“para a complementação do conteúdo investigatório, ou seja, para o surgimento
de novos lastros probatórios com propósito de colaborar com a verdade real dos
fatos” (fls. 25), sem aduzir quais seriam as diligências a reclamarem a presença
do investigado sob a guarda estatal.
Ademais, a par da necessidade, a intervenção estatal na esfera da
liberdade do indivíduo se condiciona também à idoneidade da medida (em
relação de meio ao fim que visa a atingir) e à sua proporcionalidade stricto
sensu, entendida como a própria razoabilidade do sacrifício do interesse
individual em nome do interesse coletivo.
Se a decretação da prisão temporária se mostrar necessária e
idônea para o sucesso das investigações policiais, e justificável, em nome do
interesse coletivo, a custódia cautelar do indiciado pela prática de um dos crimes
elencados no inc. III do § 1°. da Lei 7.960/89, a sua manutenção se
condicionará à contínua presença daqueles requisitos legais já
mencionados.
Superior Tribunal de Justiça
HC 537205 C5425065510;0128344740@ C584461542494032560164@ 03/10/2019 10:55
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Logo, se a prisão do indiciado fez-se necessária para que, v.g.,
fosse ele interrogado e para que a documentação e bens apreendidos fosse
examinados, não mais se justifica sua custódia – ao menos sob o título de prisão
temporária – se tais atos já foram realizados.
Em verdade, ainda que subsistam atos investigatórios
remanescentes, a serem complementados oportunamente, não houve
explicitação, no decisum impugnado, de que somente com a presença do
investigado recolhido ao cárcere tais atos poderiam ser ultimados.
Nesse cenário, constato, a um primeiro olhar, a ilegalidade da
prorrogação da medida cautelar, o que autoriza a concessão do pleito de
urgência.
À vista do exposto, concedo a liminar para, até o julgamento
de mérito deste habeas corpus, suspender a ordem de prisão temporária do
paciente, com a determinação de sua soltura, se por outro motivo não
estiver preso.
Comunique-se com urgência.
Solicitem-se informações à autoridade apontada como coatora.
Depois da resposta, encaminhem-se os autos ao Ministério Público Federal.
Publique-se e intimem-se.
Brasília (DF), 02 de outubro de 2019.
Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ