MANAUS – Em depoimento ao Ministério Público Federal no Amazonas (MPF-AM), a secretária de Gestão do Trabalho do Ministério da Saúde, Mayra Pinheiro, confirmou que foi a responsável pelo planejamento de uma comitiva de médicos que difundiu em Manaus o uso de medicamentos sem eficácia comprovada contra a Covid-19, entre eles a cloroquina, em janeiro deste ano, dias antes do colapso da segunda onda da pandemia.
Mayra, conhecida como “Capitã Cloroquina”, é uma das seis pessoas que respondem a uma ação por improbidade administrativa movida pelo MPF-AM por conta da ação dos governos durante a crise no sistema de saúde do Estado. Outro processado é o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello. Trechos do depoimento dela foram publicados nesta quinta-feira (6) pelo jornal O Globo.
O colapso em Manaus e a promoção do uso de remédios sem eficácia também estão no escopo de investigação da CPI da Covid no Senado.Há um requerimento para ele testemunhar na comissão e seu nome já foi, inclusive, citado ao longo desta semana.
No depoimento ao MP-AM, Mayra admite que, por delegação de Pazuello, foi a responsável por planejar o ciclo de visitas de médicos a unidades básicas de saúde de Manaus nos dias que antecederam o caos no sistema. Na ocasião, reportagem do UOL revelou que a comitiva do Ministério da Saúde estava pressionando, por meio de ofício, médicos de unidades básica para prescreverem o chamado “tratamento precoce”.
Questionada, Mayra confirmou que o ofício em que cobrava a adesão dos médicos ao tratamento precoce incluía a orientação ao uso de medicamentos como cloroquina, hidroxicloroquina e azitromicina, drogas sem comprovação científica contra a Covid-19.
“O ministério disponibilizou uma orientação para os médicos brasileiros para, que de acordo com a autonomia que foi dada a eles pelo Conselho Federal de Medicina e a sua autonomia de prescrever e a autonomia do paciente de querer, que eles pudessem orientar medicamentos com doses seguras (de remédios) como cloroquina, hidroxicloroquina, azitromicina, que naquela época só tinham comprovação in vitro, e que hoje têm mais de 250 referências”, respondeu Mayra Pinheiro.
Em outro trecho, a médica volta a defender o uso de cloroquina e hidroxicloroquina alegando que as duas teriam ficado estigmatizadas por conta da “politização” da doença.
“E aí, como médica, é preciso que a gente tenha um discurso que não seja cansativo mais para população, a gente, numa pandemia, tem que dispor de todo um arsenal para salvar vidas (…) não só mais a cloroquina e a hidroxicloroquina… essas duas ficaram estigmatizadas por conta da politização da pandemia, que é ruim para o debate científico”, declarou.
Aos procuradores, Mayra também defendeu a ivermectina, outra droga sem comprovação científica contra a Covid-19.
Confira a reportagem na íntegra: https://oglobo.globo.com/brasil/conhecida-como-capita-cloroquina-assessora-da-saude-confessa-que-organizou-missao-para-difundir-droga-no-am-25005151
As visitas
Mayra
No dia 4 de janeiro, Mayra Pinheiro esteve na capital amazonense e defendeu o uso da cloroquina. Ela “falou em códigos”, sem citar expressamente o nome do medicamento, conforme observou o ESTADO POLÍTICO.
“E aí você que está nos assistindo e que tem medo, porque a gente ouve na imprensa, a gente ouve em alguns veículos, que prestam mais desinformação do que informação séria, dizendo que essas medicações não funcionam e hoje a gente já tem evidências científicas suficientes, inclusive avaliadas pelo Conselho Regional de Medicina do Estado do Amazonas, fazendo com que a gente possa ter muita tranquilidade que você possa receber medicamentos que vocês aqui no Amazonas já usam há muito tempo para tratamento da malária, com baixíssimo risco de causar efeitos colaterais”, declarou.
Pazuello
No dia 13 de janeiro, um dia antes do sistema de saúde em Manaus entrar em colapso, Eduardo Pazuello estava na capital amazonense e declarou que a vacinação era apenas uma estratégia auxiliar e que a prioridade para a cidade seria o “tratamento precoce” defendido pelo presidente Jair Bolsonaro.
“A vacina faz parte de uma estratégia, mas a estratégia principal é a que eu estou fazendo aqui, é o tratamento… é o tratamento na Unidade Básica de Saúde. É o diagnóstico clínico feito pelo médico. O médico não pode se furtar a fazer o seu diagnóstico clínico. Ele não pode se furtar. É sua obrigação”, disse Pazuello.
“Manaus é a prioridade nacional neste momento. Vocês estão ouvindo do ministro da Saúde. Neste momento é a prioridade nacional, não poderia deixar de ser. E eu ressalto: não temos como resolver essa situação se nós não transformarmos o tratamento precoce em prioridade da Prefeitura de Manaus. Que, aliás, já é a prioridade do prefeito atual“, afirmou.
“Senhores, senhoras, não existe outra saída! Avisei ontem o Wilson (Lima, governador do Amazonas pelo PSC) que hoje eu seria mais incisivo em algumas palavras. Nós não estamos mais discutindo se esse profissional ou aquele concorda ou não concorda”, disse Pazuello.
Para justificar a defesa ao chamado tratamento precoce, o ministro citou orientações dos Conselhos Regionais de Medicina favoráveis à prescrição de medicamentos.
“Os conselhos federais e regionais (de medicina) já se posicionaram, os conselhos são a favor do tratamento precoce, do diagnóstico clínico”, emendou.
“A orientação é precoce. Então, os diretores dos hospitais devem cobrar na ponta da linha da UBS como o médico está se portando. O cara tem que sair com um diagnóstico, até porque a medicação pode e deve começar antes dos exames complementares. Caso o teste depois der negativo por alguma razão, reduz a medicação e tá ótimo, não vai matar ninguém, agora salvará no caso da Covid”, prosseguiu.
“Existe a liberdade e a necessidade do tratamento individualizado, cada paciente e médico tem um nível de conhecimento e cuidado que pode mudar o tratamento, mas o tratamento tem que ser imediato e os medicamentos têm que ser disponibilizados imediatamente. O paciente precisa se medicar e ser acompanhado pelo médico, essa dúvida não existe”, disse Pazuello.