MANAUS – Laudo da Polícia Federal divulgado nesta quarta-feira (15) detectou elevados índices de contaminação por mercúrio na água, no leito do rio, na vegetação e na população que habita as margens do rio Madeira na região que foi tomada por uma invasão de centenas garimpeiros ilegais no mês passado, nas proximidades da comunidade Rosarinho, em Autazes (AM).
Conforme o laudo, mostras de cabelo de moradores da região possuem contaminação por mercúrio até três vezes superior ao limite máximo considerado como “admissível” pela Organização Mundial da Saúde (OMS).
A perícia ambiental da PF também coletou material das balsas, da água do Madeira naquele trecho do rio e folhas.
Além da alta contaminação da população ribeirinha, o nível de mercúrio na água é de 15 a 95 vezes superior ao aceitável como máximo para consumo.
Do total de materiais analisados pela PF, 85% apresentaram indícios de contaminação pelo mercúrio, que é um metal pesado usado pelos garimpeiros no processo de separar e extrair o ouro de rochas ou da areia porque adere ao ouro formando um amálgama, que posteriormente é aquecido. Com o calor, o mercúrio evapora, restando o ouro. Nesse processo, o metal é espalhado pelo ambiente ao redor e, às vezes, chega a ser despejado diretamente nas águas.
Consumido a longo prazo, o mercúrio provoca danos neurológicos e lesões nos órgãos.
“As amostras de água e sedimento demonstram fortes indícios de contaminação ambiental e confirmam o lançamento dos contaminantes a partir das balsas, carreados para o meio ambiente mediante os materiais utilizados no processo de explotação do ouro e principalmente no rejeito da atividade. As amostras de folhas indicam que pode haver contaminação da vegetação às margens do rio Madeira; a presença de mercúrio nas folhas pode ser indicativa de que o metal está sendo dispersado pela atmosfera e se precipitando no entorno do rio, podendo alcançar inclusive pequenas lavouras. As amostras de cabelo advertem que as populações ribeirinhas estão consumindo água e/ou alimentos contaminados e concentrando nos seus tecidos o metal pesado”, diz trecho do laudo.
“Durante os exames e as coletas de material em campo, considerando os resultados obtidos em amostras de diferentes origens, mesmo amostras prospectivas indicam valores de mercúrio muito acima dos limites legais, a quantidade de balsas trabalhando, o tempo de exposição e demais fatores relacionados à atividade garimpeira, pode-se concluir que o potencial de contaminação da atividade é extremamente elevado”, conclui o documento.
As amostras analisadas foram coletadas após a invasão garimpeira e a operação federal, Uriá 1, que destruiu pelo menos 131 balsas de extração de ouro, entre os dias 27 e 29 de novembro. No trecho da comunidade Rosarinho, pelo menos 300 balsas se concentraram e só se dispersaram após os rumores de que haveria uma operação de repressão contra a atividade ilegal.
Operação Uriá, fase 2
Nesta quarta-feira, agentes da PF e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) deflagraram a segunda fase da operação.
A ação, segundo a PF em nota à imprensa, “objetiva localizar dragas de garimpo ilegal que estiveram envolvidas nas atividades de grande escala detectadas em 24/11/2021, na região de Autazes/AM, e que se evadiram para a região do município de Borba/AM, não sendo alcançadas na primeira fase”.
“A SR/PF/AM [Superintendência Regional da Polícia Federal no Amazonas] esclarece que atualmente toda a atividade de lavra de ouro no Rio Madeira é ilegal e que, portanto, as ações objetivando a desintrusão dessa importante hidrovia federal continuarão a ser realizadas, assim como serão estendidas em 2022 a outras regiões de garimpo ilegal detectadas no Estado do Amazonas. Tendo em vista as narrativas que permeiam o tema, que objetivam retirar o foco sobre a flagrante ilegalidade das atividades e desconsideram os gigantescos danos ambientais decorrentes destas, a SR/PF/AM determinou ao SETEC/SR/PF/AM (Setor Técnico Científico) a realização de estudo técnico inédito sobre a contaminação de mercúrio¹ no Rio Madeira, que teve início com a coleta de vestígios na região (água, sedimentos, fauna, flora e em cidadãos ribeirinhos)”, informou a PF.
“Tendo em vista as narrativas que permeiam o tema, que objetivam retirar o foco sobre a flagrante ilegalidade das atividades e desconsideram os gigantescos danos ambientais decorrentes destas, a SR/PF/AM determinou ao SETEC/SR/PF/AM (Setor Técnico Científico) a realização de estudo técnico inédito sobre a contaminação de mercúrio¹ no Rio Madeira, que teve início com a coleta de vestígios na região (água, sedimentos, fauna, flora e em cidadãos ribeirinhos)”, acrescenta.
“Como resultado inicial do estudo foi elaborado o LAUDO DE PERÍCIA CRIMINAL FEDERAL (MEIO AMBIENTE) N° 1357/2021-SETEC/SR/PF/AM, que detectou elevados índices de contaminação por mercúrio na água, no leito do rio, na vegetação e nos seres humanos que habitam as margens do Rio Madeira naquela região”, prossegue.
“Tais resultados científicos corroboram a necessidade das ações da Polícia Federal e demais instituições e órgãos parceiros na repressão ao garimpo ilegal no Rio Madeira, pois eventuais lucros decorrentes das atividades ilícitas são obtidos com o comprometimento direto da higidez (saúde) de milhares² de pessoas que habitam a calha do Rio Madeira, e que dependem exclusivamente da água, agricultura e pescado viabilizados por essa hidrovia federal”, conclui a nota.
Saiba mais
Em 2018, o Brasil deu passos para se tornar membro pleno da Convenção de Minamata sobre Mercúrio – acordo internacional que limita o uso do metal em razão dos danos causados ao meio ambiente e à saúde humana.
Um decreto assinado pelo então presidente Michel Temer (MDB) promulgou o texto do tratado internacional que limita o uso do metal no território brasileiro. Apesar disso, o país não possui um plano de nacional de controle mais rígido do uso e de erradicação da contaminação, apesar de existirem projetos com esse teor em tramitação no Congresso.
A localidade de Minamata, no Japão, ficou mundialmente conhecida após resíduos de mercúrio decorrentes da fabricação de acetaldeído, que eram jogados em um rio próximo à fábrica da substância, terem sido a causa comprovada de fraqueza muscular, alterações visuais, dificuldades de fala, paralisia e, em alguns casos, morte de pessoas da região.
Confira o laudo na íntegra: