MANAUS – O relatório da comissão de transição de governo da Prefeitura de Manaus confirma o “cenário de caos” no setor de saúde da atenção primária da capital em janeiro deste ano descrito pela secretária de Gestão do Trabalho e da Educação do Ministério da Saúde, Mayra Pinheiro, em depoimento na CPI da Pandemia do Senado, no último dia 25.
De acordo com o relatório, a gestão de David Almeida (Avante) recebeu de Arthur Neto (PSDB) o setor de saúde com estoque baixo ou zerado de medicamentos e de produtos para saúde, incluindo os utilizados no atendimento de pacientes com Covid-19. Trecho do documento descreve a situação como crítica, principalmente diante do cenário de crise sanitária provocada pela pandemia do novo coronavírus.
“Vimos que em relação à crise sanitária, estabelecida pela COVID-19, há um problema crítico, que é o baixo estoque de medicamentos e de produtos para saúde, inclusive EPIs”, aponta a comissão de transição.
“Verificou-se que os Produtos para Saúde-PPS e medicamentos da Atenção Básica estavam com diversos itens em estoque zero, a maioria em processo licitatório, revelando demora para aquisição e eventual retenção no atendimento da assistência farmacêutica”, segue o relatório.
Conforme o depoimento de Mayra Pinheiro, em janeiro de 2021, em plena segunda onda da pandemia, a Prefeitura de Manaus tinha medicamentos para Covid-19 com itens em estoque zero.
“Observou-se que dos medicamentos para COVID-19 continham itens em estoque zero, ou críticos, a maioria em processo licitatório, revelando demora para aquisição e eventual retenção no atendimento da assistência farmacêutica”, informa a comissão de transição no relatório.
O relatório, nos termos acima, foi assinado e enviado ao Tribunal de Contas do Estado do Amazonas (TCE-AM) no dia 29 de janeiro. Assinam o documento os procuradores Rafael Albuquerque, coordenador da equipe de transição da gestão de Arthur Neto, e Tadeu de Souza, coordenador da equipe de transição de David Almeida.
Cenário crítico e ‘recursos consumidos’
A comissão de transição aponta que àquela altura, na virada de 2020 para 2021, além do cenário crítico no setor de saúde, todo o recurso que o município dispunha para aplicar no combate à pandemia havia sido consumido, sem planejamento para continuidade das ações. “Os Recursos destinados para COVID-19 foram totalmente consumidos,
sem um lastro para continuidade para ações”, aponta o documento.
O relatório registra ainda que a gestão que estava de saída da Secretaria Municipal de Saúde (Semsa) não forneceu informações importantes à comissão de transição. Entre elas as relacionadas a indicadores de saúde com demonstrativo de resultado e as relativas ao modelo de financiamento das ações realizadas até então.
Na ocasião, a comissão de transição ressalta que as informações não repassadas seriam listadas e informadas aos órgãos de controle para que a gestão de David Almeida não venha a ser cobrada posteriormente.
“Consideramos que eventualmente, a ausência de informações, ou das informações parciais, possam ser decorrentes da crise sanitária, porém, ao assumirmos a gestão, registraremos as informações não apresentadas, junto aos órgãos de controle, e de defesa do cidadão, para que não sejamos responsabilizados por elementos não programados, não planejados, embora para isso, já se esteja desenhando um plano emergencial, incluindo a vacinação”, lê-se no relatório.
Veja abaixo trechos do relatório de transição sobre o situação em que a gestão de David Almeida recebeu a Semsa:
‘Desassistência e caos na atenção básica’
A secretária do Ministério da Saúde, conhecida como “capitã cloroquina”, disse na manhã de terça-feira, 25, que viu em Manaus, na assistência primária de saúde, de responsabilidade da prefeitura, “desassistência e caos”, em janeiro deste ano, durante visita de sua equipe para orientar as gestões do município e do estado no combate à Covid-19.
Na sua fala, Mayra disse ter encontrado Unidades Básicas de Saúde (UBS) “fechadas com cadeados, unidades sem médico e farmácias sem remédio”. “O que eu assisti em unidades básicas de saúde em Manaus é desassistência e caos”, disse a secretária.
Indagada pelos senadores Eduardo Braga (MDB) e Omar Aziz (PSD) a dar mais detalhes sobre o que viu da gestão da Prefeitura de Manaus durante a segunda onda da pandemia, Mayra completou: “O cenário que eu posso dizer ao senhor, isso está presente no relatório que foi encaminhado, era de caos. Nós encontramos unidades fechadas, literalmente, com cadeado e corrente. Encontramos unidades que não estavam atendendo, que não tinham médicos, que não tinham medicamentos nas suas farmácias básicas. Não encontramos triagem organizada para Covid-19, que é uma recomendação do Ministério da Saúde. Nós produzimos diversos manuais para a atenção primária. E não encontramos isso em Manaus. Então chama a atenção porque é a atenção primária a porta de entrada no serviço de saúde”.
Para a secretária, uma das razões dos hospitais e prontos-socorros do Estado colapsarem em Manaus foi exatamente a ausência da atenção primária. “E uma parte da resposta é a atenção primária não está funcionando”, disse a secretária.
Veja abaixo o trecho em que Mayra fala sobre o assunto:
Mesmo contradizendo o que a comissão de transição de governo constatou e registrou em relatório, tanto a secretária município de Saúde de David Almeida, Shádia Fraxe, quanto o ex-prefeito Arthur Neto, acusaram Mayra Pinheiro de mentir na CPI da Pandemia.
A titular da Semsa contestou a declaração da secretária do Ministério da Saúde de que “encontrou nas unidades básicas de saúde de Manaus desassistência e caos e que havia unidades que estavam fechadas, enquanto a população morria, algumas sem medicamentos”. “Quanto ao caos, essa é uma visão equivocada da doutora Mayra. Nossas unidades nunca interromperam o atendimento. Infelizmente, ninguém no Brasil estava preparado para uma demanda quadruplicada como ocorreu nos picos da pandemia”, ressaltou Shádia.
Sobre unidades fechadas, a secretária lembrou que tão logo assumiu, o prefeito David Almeida ampliou para 22 o número de unidades preferenciais para atendimentos a casos suspeitos de Covid-19, expandindo uma área na UBS Nilton Lins, zona Centro-Sul, e restabelecendo o funcionamento de três Unidades Básicas de Saúde móveis, também exclusivas para assistência em Covid-19.
“Além disso, embora as demais unidades não fossem preferenciais para Covid-19, também acolhiam e orientavam as pessoas que buscassem atendimento, encaminhando-as para as unidades preferenciais ou para a rede hospitalar”, informou a titular da Semsa.
‘Festival de mentiras’
Arthur, que deixou a prefeitura em 31 de dezembro de 2020, classificou as declarações como um “festival de mentiras”.
“É um ato grave e com séria punição. Ela [Mayra Pinheiro] está claramente mentindo na CPI da Pandemia”, afirmou o tucano, em nota.
“É um festival de mentiras. Nem eu e nem o atual prefeito, David Almeida, deixamos as Unidade Básicas de Saúde desassistidas. Prova disso é que entreguei minha gestão com 67,28% de cobertura em Atenção Básica, o melhor dos últimos 13 anos, conforme dados do Ministério da Saúde. Além disso, criamos toda uma estrutura para atendimento preferencial aos casos suspeitos de Covid-19, com testagem, inclusive, em comunidades indígenas e áreas ribeirinhas. Todos os serviços não só foram mantidos, como ampliados pela atual gestão da Prefeitura de Manaus”, afirmou.
Arthur ressaltou que, em março de 2020, antes mesmo da confirmação do primeiro caso do novo coronavírus em Manaus, determinou a criação de um Plano Municipal de Enfrentamento à Covid-19 e a ativação da Sala de Situação da Secretaria Municipal de Saúde (Semsa) para monitoramento e controle da doença.
Inicialmente, frisou o tucano, todas as dez Unidades Básicas de Saúde (UBSs) que atendiam em horário ampliado foram designadas para triagem e atendimento de casos suspeitos de Covid-19. “Em setembro do ano passado o número de unidades preferenciais para Covid-19 e Síndromes Respiratórias foi ampliado para 18, sendo novamente ampliado para 22 unidades em janeiro deste ano, já na gestão de David Almeida (Avante)”, destaca a nota.
Comitê pede providências do MP-AM
O Comitê Amazonas de Combate à Corrupção, encaminhou, nesta quinta-feira, 27, ao Ministério Público do Amazonas (MP-AM) uma cópia do Relatório Conclusivo elaborado pela Comissão de Transição de Governo do Município de Manaus, constituída ainda na gestão do prefeito anterior, Arthur Neto, com a obrigação do atual, David Almeida encaminhá-lo à Corte de Contas, com pedido de providências nas áreas de dívida pública, de publicidade, de saúde e de previdência.
As observações do Comitê foram:
a) Endividamento do Município – Os recursos captados pela Prefeitura de Manaus, na gestão de Arthur Neto no período de 2013/2020 para Investimentos tiveram um crescimento grande, saltando de R$ 378,4 milhões em 2012, para R$ 3,2 bilhões, em 2020.
b) Déficit Previdenciário – O sistema previdenciário do Município é uma preocupação que exigirá da atual gestão uma reforma urgente visando sanear e fazer o equilíbrio econômico da finança previdenciária;
c) Gastos com Publicidade – Gasto excessivo com essa rubrica. Saímos de um gasto de 1,38% da Receita Liquida do Município em 2012, para 3,33% da Receita Liquida do Município em 2020, em valores: R$ 2,8 bilhões (já considerado um excesso) em 2012, para R$ 5,368 bilhões, em 2020.
d) Situação crítica na área de Saúde – Muitas informações, mais as que chegaram, demonstraram que a Prefeitura foi irresponsável na atenção das necessidades básicas da população de Manaus, as UBSF (Unidades Básicas de Saúde da Família) sem equipes completas e estoque de medicamentos básicos, Epis e materiais de consumo zerados, em plena pandemia. Além de vários contratos sem licitações.
No final do expediente, a entidade pede providências cabíveis ao MPE/AM, dentro das possíveis irregularidades.
O ESTADO POLÍTICO entrou em contato com a Secretaria Municipal de Comunicação (Semcom) e com a assessoria de Arthur Neto. A matéria será atualizada em caso de retorno.
Foto: Leopoldo Silva/Agência Senado
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