MANAUS – A promotora Sheyla Andrade dos Santos arquivou o inquérito do MP-AM (Ministério Público Estadual) que investigava se o ex-governador José Melo negociou apoio da facção Família do Norte durante as eleições de 2014.
A investigação tinha como fio condutor a conversa gravada entre o então subsecretário de Justiça e Direitos Humanos (Sejus), Carliomar Brandão, e o detento José Roberto Fernandes Barbosa, o “Zé Roberto”. Segundo a portaria de arquivamento, não há indício de materialidade de algum crime praticado por Melo.
Com base nas declarações de Carliomar, a promotora se diz convencida de que a conversa tratava-se somente de um acordo para que uma facção não cumprisse a promessa de atacar outra dentro do presídio, e que o subsecretário agiu a pedido do titular da Sejus, Louismar Bonates (atual secretário de Segurança), e não de Melo.
Abaixo, a íntegra da portaria de arquivamento publicada no Diário Oficial do MP-AM desta segunda-feira, 18:
DECISÃO DE ARQUIVAMENTO Nº 2019/0000039699.57PRODIHC
Inquérito Civil: nº 039.2017.000014
Investigado: José Melo de Oliveira
Interessada: Coligação Majoritária Renovação e Exeperiência
Assunto: Apurar o cometimento de ato de improbidade administrativa
por violação de princípios
Ementa: Direito Administrativo. Improbidade Administrativa.
Violação de Princípios. Inocorrência. Ausência de Elementos Indicativos
de Autoria e de Materialidade. Arquivamento.
Eminente Presidente do Conselho Superior,
Ínclito Conselheiro Relator,
Instaurou-se o presente Inquérito Civil, para apurar o possível cometimento de ato ímprobo, descrito no artigo 11, inciso II, da Lei de Improbidade Administrativa, imputado ao Investigado – por meio das informações encaminhadas pela Coligação Majoritária Renovação e Experiência e pelo Deputado Estadual Marco Antonio Souza Ribeiro da Costa – e consistente na sua suposta omissão em permitir a facilitação de benesses nas dependências do COMPAJ, com o fim de se aliançar à notória facção criminosa Família do Norte, para a prática de abuso do poder político, no pleito eleitoral de 2014.
Os autos vieram acompanhados de:
a) cópias de diversas reportagens, dentre ais quais a da Revista Veja, intitulada “Governo do Amazonas negocia apoio de traficantes para o 2º turno”, da qual se destacam trechos de suposto diálogo havido entre o então Subsecretário de Estado CARLIOMAR BARROS BRANDÃO e o detento JOSÉ ROBERTO FERNANDES BARBOSA, com o fito de “selar” o apoio da facção Família do Norte à reeleição do Investigado, nas Eleições de 2014;
b) degravações das declarações prestadas pelo Tenente-Coronel Fabiano Bó, apontando inúmeras irregularidades na administração penitenciária estadual, indicando a realização de vários acordos realizados entre facções criminosas e o Poder Público (fls. 50/55) e;
c) Termo de Declaração de CARLIOMAR BARROS BRANDÃO, junto ao GAECO (fls. 105/108).
Em sede de diligência preliminar, este Órgão de Execução procedeu à oitiva do Investigado (fl. 195), bem como solicitou informações a respeito de eventual instauração de Inquérito Policial para apurar os fatos, junto ao CAOCRIM, que, no entanto, não apresentou qualquer resposta (fl. 187).
É o relatório.
Passo a considerar.
Tendo em vista que o início das investigações foi motivado por trechos da conversa entre o Subsecretário CARLIOMAR BARROS BRANDÃO e o detento JOSÉ ROBERTO FERNANDES BARBOSA, este Órgão de Execução, diante da literalidade dos trechos em questão, acabou por afastar a suscitada iniciativa do Poder Público em “selar” apoio, com facção Família do Norte, à reeleição do Investigado, nas Eleições de 2014, vez que, pelos trechos da conversa (…vamos votar minha família toda… eu acho que de voto ele vai ter de nós mais de cem mil votos, to te falando… Porque quem leva recado pra ele é você, ou o outro secretário lá. O recado que eu quero que o senhor leve pra ele, de nós, é que nós vamos apoiar ele… Você imagina cada preso que tem família lá, se a gente der uma ordem eles vão cumprir. Não é igual aqueles caras que se der 100 reais que vai votar e não vota. O nosso vai votar no Melo porque nós mandamos), evidencia-se que a iniciativa de apoio eleitoral vem do traficante, no intuito de barganhar uma não intervenção do Governo naquela unidade prisional, enquanto o Subsecretário
CARLIOMAR se limita a dizer (“Não, ele não vai, não”, “Certo”, “O que ele quer é sempre a paz na cadeia”, “O que ele quer é isso, é a cadeia em paz”, “Certo, tô sabendo”), corroborando, portanto, com as declarações prestadas à Revista Veja pelo então Secretário de Estado, Louismar Bonates, no sentido de que o governo não negocia com bandidos e que o objetivo da conversa do seu subordinado major CARLIOMAR BARROS BRANDÃO, com o traficante ZÉ ROBERTO, teria sido o de manter a paz dentro da cadeia.
Por outro lado, por restar dúvidas quanto ao real conteúdo dessa “barganha”, no sentido de aferir em que consistiria a não intervenção do Estado, sobretudo, na parte em que o traficante exige que os presos não sejam perturbados (se prender lá fora, se botar na cadeia, eu não tô nem vendo… que ele prenda nós lá fora com droga, a polícia prendeu com droga, eu não tô nem vendo. Mas que não venha perturbar nós…), este Órgão de execução, achou por bem requisitar
informações do CAOCRIM, a fim de cotejar os eventuais elementos de prova colhidos em investigações criminais, com os indícios aferidos na presente investigação, principalmente, por conta da ameaça proferida pelo traficante interlocutor (“Ta vendo o que está acontecendo em Santa Catarina?”), referindo-se ao caos estabelecido no sistema carcerário daquela unidade federativa, por conta da relutância estatal em negociar com os detentos daquele Estado.
Ademais, analisando as declarações do Tenente-Coronel Fabiano Bó, apontando inúmeras irregularidades na administração penitenciária estadual, percebe-se que, na parte em que imputa ao então Secretário de Justiça e Direito Humanos, Cel. BONATES, a prática de realizar acordos com detentos membros de facções criminosas, o depoente se limita a relatar os fatos já noticiados pela Revista Veja, acrescentando ainda algumas exonerações inapropriadas, bem como a péssima
decisão administrativa de nomear como Subsecretário o Sr. CARLIOMAR BARROS BRANDÃO, de modo a denotar a forma genérica e abstrata com que são denunciadas as suscitadas irregularidades.
Neste sentido, as únicas narrativas comprometedoras do subsecretário
em questão seriam:
a) “A mensagem que ele mandou pra vocês, agradeceu o apoio e que
ninguém vai mexer com vocês, não” e;
b) “Então, pra próxima vocês vão ajudar, né?”
No entanto, da oitiva do Subsecretário de Justiça e Direitos Humanos CARLIOMAR BARROS BRANDÃO, foi possível circunstancializar o contexto em que foram proferidas tais assertivas. Com efeito, embora este tenha confirmado a existência de sua conversa, no COMPAJ, com o detento JOSÉ ROBERTO FERNANDES BARBOSA, no período compreendido entre o primeiro e o segundo turno das Eleições Gerais de 2014, afirmou que assim procedeu, em razão de ter recebido uma ligação do Secretário de Justiça e Direitos Humanos, CEL. LOUISMAR BONATES, para que fosse imediatamente ao COMPAJ, em razão do
serviço de inteligência haver informado que membros da Facção Família do Norte haviam decidido fazer uma rebelião no Centro de Detenção Provisória, com o objetivo de eliminar todos os membros da facção PCC. Assim, em razão da gravidade da notícia e ante a experiência vivenciada por ele, em outra rebelião, no ano de 2004, na Unidade Prisional do Puraquequara, o Sr. CARLIOMAR dirigiu-se ao COMPAJ, no intuito de conversar com o líder da FDN, ocasião em que
disse aos presos “a mensagem que ele mandou pra vocês, agradeceu o apoio e disse que ninguém vai mexer com vocês, não”, referindo-se, não ao Investigado, mas ao Secretário de Justiça e Direitos Humanos, Cel Bonates, que já havia dito ao Sr. CARLIOMAR para dizer aos presos que se eles suspendessem a referida ordem de qualquer rebelião, ele (Cel. BONATES) ficaria agradecido. Ademais, quanto ao trecho da conversa “então, pra próxima vocês vão ajudar, né?”, o Sr.
CARLIOMAR também esclareceu que estava se referindo a outro contexto da conversa, relativo a mutirões de limpeza e de pintura nos presídios, vez que os funcionários de limpeza e de pintura não queriam adentrar nos presídios, por medo de morte ou tratamento hostil. Esclarecedores, de igual modo, foram os argumentos do Sr. CARLIOMAR, quanto ao conteúdo da aludida “barganha”, no intuito de conseguir a paz nos presídios, aduzindo, categoricamente, não se tratar de benesses aos presos, mas um alerta de que, se ocorresse rebelião, todos sofreriam as consequências, por meio de medidas negativas, tais como: suspensão de visitas dos familiares; suspensão de visitas íntimas por 30 dias; exposição das esposas dos presos, que teriam que ir para frente dos
presídios; proibição de entrada de objetos pessoais, de higiene pessoal e de gênero alimentícios levados pelos familiares todas as quartasfeiras e; segundo ele, o mais importante, que seria divulgado pela imprensa que os responsáveis seriam membros da Família do Norte, o que desencadearia represálias em outros presídios dos País contra os membros desta facção, sem prejuízo de transferência dos responsáveis pela rebelião para presídios federais em outras unidades da federação.
Quanto ao conteúdo das piadas feitas por outros interlocutores, no final da conversa, “Não esquece, no 90” (atribuída ao Diretor do COMPAJ, Capitão Amilton); “Eu vou pra uma festa lá na casa xxxxx. Olha o nome: ‘Festa dos anos 90’. E vai acabar a festa ás 5horas, 55minutos da manhã”, (atribuída a outro interlocutor não identificado e em referência, respectivamente aos números 90, para governador, e 555, para Senador) e; “O Melo vai ter mais votos de nós do que das outras ” (atribuída ao traficante Zé Roberto), pessoas que ele vai comprar ai… o Sr. CARLIOMAR informou que, neste momento, já havia encerrado a conversa em questão. Por fim, informou que uma das provas de não ter havido acordo eleitoreiro com os detentos, teria sido o fato de que o candidato eleito nas urnas instaladas nos presídios de Manaus foi o opositor do Investigado, EDUARDO BRAGA.
Assim, da análise da documentação juntada aos autos, em cotejo com as afirmações do Investigado de que o objetivo das denúncias fosse atingi-lo politicamente em face de sua provável reeleição ao Cargo de Governador de Estado, bem como diante da inexistência de elementos mínimos que pudessem indicar a existência do elemento subjetivo necessário à configuração dos atos de improbidade administrativa, por violação de princípios, o arquivamento do presente Inquérito Civil é medida que se impõe.
Diante do exposto, em razão de inexistir fundamento para o ajuizamento de ação civil pública, promovo pelo ARQUIVAMENTO dos presentes autos, nos termos dos artigos 9°, § 1°, da Lei n° 7.347/85; 43, XVII, da Lei Complementar Estadual n° 011/1993; e 39, I, da Resolução n.º 006/2015-CSMP, com a adoção das seguintes providências:
I – Cientificação pessoal da parte Interessada pelos meios convencionais ou, na impossibilidade, através de publicação na imprensa oficial ou de aviso no átrio da sede do Ministério Público Estadual;
II – Após, remetam-se os autos ao Egrégio Conselho Superior do Ministério Público do Estado do Amazonas, para os devidos fins. Cumpra-se.
Gabinete da 57ª PRODIHC, em 12 de março de 2019
SHEYLA ANDRADE DOS SANTOS
Promotora de Justiça em Substituição Legal
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