MANAUS | Em pedido para o juiz Fábio Alfaia se declarar suspeito para julgar casos relacionados à administração municipal de Coari ou a qualquer membro da família do ex-prefeito Adail Pinheiro, o promotor Wesley Machado acusa o magistrado de total parcialidade em favor da família e cita informação obtida de vereadores de que Alfaia receberia “mensalinho” de R$ 80 mil do atual prefeito, Adail José Figueiredo Pinheiro (PP), conhecido como Adail Filho.
Alfaia é titular da 1ª Vara da Comarca de Coari, enquanto Wesley atua na 1ª Promotoria da Comarca. Por opiniões diferentes com relação à administração da cidade, os dois travam uma briga aberta em processos envolvendo a prefeitura. Em abril deste ano, o juiz afastou o promotor de casos relacionados a Adail Filho, por entender que a relação do membro do Ministério Público com o prefeito é de inimizade.
Após denúncias contra sua conduta serem arquivadas pelo Ministério Público, Wesley decidiu no dia 8 ingressar com um pedido de suspeição contra Alfaia. Segundo o promotor, a conduta do juiz é de “total parcialidade” em favor da gestão de Adail Filho. Cabe ao próprio magistrado decidir se acata ou não pedido de Wesley. Caso não se declare suspeito, ele deve encaminhar o caso para o TJ-AM (Tribunal de Justiça do Amazonas).
“Desde que o atual prefeito de Coari Adail José Figueiredo Pinheiro e sua irmã a vice-prefeita Mayara Monique Figueiredo Pinheiro ganharam a eleição municipal no ano de 2016, para a legislatura 2017-2020, o Juiz da 1ª Vara da Comarca de Coari Fábio Lopes Alfaia passou a adotar uma estranha postura de total parcialidade em favor da atual gestão”, escreve o promotor em um trecho do documento.
No pedido de exceção de suspeição, Wesley lista decisões tomadas por Alfaia em benefício do prefeito e da família Pinheiro que, na opinião dele, deixam clara a parcialidade do magistrado. Segundo o promotor, o juiz, por diversas vezes, em encontros institucionais na promotoria, teria tentado dissuadi-lo de apresentar ações contra a prefeitura, com frases como:
“Dr. vamos focar na criminalidade, deixe a prefeitura para lá, eles estão começando a trabalhar agora”; “Dr. pare com essa situação de investigar o pessoal da prefeitura, mude seu foco para outra coisa”, “Dr. eu não concordo com essas investigações todas contra a prefeitura, temos coisas mais importantes para fazer aqui em Coari”, “Dr. Nós temos que agir em conjunto com a prefeitura, precisamos dela para tudo”, entre outras coisas, narra o promotor.
Mensalinho
Wesley informa na peça, ainda, que, quando já estranhava a conduta do magistrado, recebeu dois vereadores de oposição na promotoria, que informaram que Alfaia estaria “totalmente comprometido” com a gestão municipal. Trata-se dos vereadores Samuel Pereira Castro e Ewerton Medeiros. Entre as acusações feitas na reunião, está um suposto pagamento mensal de R$ 80 mil ao juiz. O promotor arrolou os dois parlamentares como testemunhas.
“Aliás, por receber “propina” para decidir e ter a sua atuação voltada para a defesa dos interesses da prefeitura municipal, o excepto tem interesse no julgamento dos processos. Por todas essas razões, tem-se a plena configuração da suspeição e da parcialidade do excepto para atuar no presente feito em que envolve membro da família Pinheiro no polo passivo da relação processual”, escreve o promotor em outro trecho do documento.
Além das decisões favoráveis ao prefeito, o promotor lança suspeitas sobre uma decisão do juiz que beneficiou o pai de Adail Filho, Adail Pinheiro. Trata-se dos processos nº 690-68.2015 e nº 867-32.2015. Ambos têm como cerne a acusação de que o ex-prefeito seria o principal beneficiado de um esquema de corrupção de menores, prostituição e estupros de vulneráveis no município. O caso ficou conhecido nacionalmente após ser exibido em matérias do Fantástico (Globo).
Segundo o promotor, após Adail perder o foro privilegiado, os processos saíram do TJ-AM e foram encaminhados para a Comarca de Coari. No município, os réus ingressaram com pedidos em série para a extinção dos processos. O primeiro, de autoria de Adail Pinheiro (em janeiro de 2016), foi negado por Alfaia. Já no seguinte, em dezembro de 2016, com os filhos de Adail eleitos, o juiz aceitou e extinguiu os processos.
De acordo com Wesley, além do juiz decidir contra o próprio entendimento que tinha manifestado na primeira decisão, o que agrava a suspeita sobre o caso é que, passado mais de um ano que o Ministério Público recorreu da extinção dos processos (agosto de 2017), Alfaia ainda não remeteu o recurso para o TJ-AM.
“O Brasil tem que saber que o mais grave processo de exploração sexual contra crianças e adolescentes do Amazonas foi extinto por decisão da primeira instância do Poder Judiciário do Amazonas. E apesar dos recursos do Ministério Público desde agosto do ano passado, até hoje sequer os autos foram enviados ao Tribunal de Justiça, fato gerador de risco de impunidade em razão da prescrição”, declarou Wesley em entrevista ao site.
Camarote
Outra conduta que o promotor entende colocar em xeque a conduta do juiz foi a presença do magistrado em um camarote da prefeitura de Coari, na festa de aniversário da cidade, em agosto de 2017. Naquele ano, Alfaia negou um pedido de Weslei para impedir que o prefeito pagasse R$ 390 mil de cachê para a principal atração da festa, o cantor sertanejo Gusttavo Lima.
“E o pior, o mesmo magistrado que indeferiu o pedido de tutela de urgência, ora excepto, ganhou um camarote do prefeito e participou das festividades comendo e bebendo às custas do erário público (sic) municipal que o Ministério Público tentava preservar”, escreveu o promotor na exceção de suspeição, anexando foto de Alfaia no referido camarote.
Wesley responde pela 1ª Promotoria da Comarca de Coari, mas atualmente dá expediente em Manaus. Segundo ele, essa foi a orientação de profissionais do sistema de segurança pública que atuam na segurança dele. O promotor diz ser ameaçado de morte por conta da atuação no município.
Outro lado
Em entrevista por telefone ao ESTADO POLÍTICO, o juiz disse que não se manifestaria na imprensa sobre as acusações feitas pelo promotor.
Alfaia disse que suas decisões, como as de qualquer outro membro do Judiciário, podem ser questionadas em instâncias superiores.
O magistrado disse que o que não é legítimo é tentar reformar suas decisões por meio de pressão midiática.
“O meio processual adequado para obter a reconsideração, a reforma dessas decisões, não pode ser por mera pressão midiática”, declarou o juiz.
Abaixo, trechos da entrevista de Alfaia ao site:
ESTADO POLÍTICO – O sr. comenta o conteúdo das acusações feitas no pedido de suspeição?
Fábio Alfaia – Já tenho conhecimento sobre a exceção de suspeição, vou dar a tramitação correta a ela, no entanto, não vou comentar os fatos constantes nas exceções porque eles, inclusive, contêm matéria de segredo de Justiça. É até quebra de sigilo da minha parte comentar. Em tese, não deveriam nem ter sido suscitadas nessas exceções.
EP – Mas, em tese, como o Sr. define sua conduta nos processos em que atua e que têm como parte a atua gestão do município e membros da família Pinheiro?
Fábio Alfaia – Não tem nenhum fato a ser colocado referente à minha atuação no município de Coari. Quanto à família Pinheiro não tem qualquer decisão minha que destoe dos preceitos legais. Todas as minhas decisões seguem os preceitos legais e constitucionais de tramitação e estão sujeitos a recursos perante a instância do tribunal (TJ-AM). Quanto à minha atuação pública no município, creio que ela esteja respaldada, à medida que estamos atendendo a todas as metas determinadas pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Uma produção de 190% até a presente data, de julgar mais processos do que (o número) são ajuizados, com uma atuação bastante isenta, inclusive com o bloqueio de valores (do município) que já ultrapassaram a ordem de meio milhão de reais. Então, é uma atuação que obviamente não está isenta de críticas, mas não se pode dizer que se esteja atuando de forma desequilibrada em favor ou contra a prefeitura ou a qualquer pessoa física.
EP – O promotor relata na exceção de suspeição a sua presença em um camarote na festa de aniversário da cidade. O camarote foi cedido pelo prefeito? O sr. vê alguma ilegalidade?
Fábio Alfaia – Essa informação não é verdadeira, no entanto, vou apresentar minhas razões no momento adequado.
EP – O sr. refuta a informação de que tem relação de amizade com o prefeito ou alguém da família dele?
Fábio Alfaia – A relação que eu tenho com o prefeito é apenas o estabelecido pela relação institucional por minha condição de juiz de Coari e diretor do fórum da comarca, que me concede certa proeminência institucional. Apenas isso. Nunca estive em qualquer situação que denotasse qualquer intimidade com qualquer integrante da família do Adail Pinheiro ou do prefeito Adail Filho.
EP – Alguma previsão de quando o sr. se manifesta sobre a exceção de suspeição?
Fábio Alfaia – No momento adequado.
Em nota, o prefeito de Coari também negou as acusações feitas pelo promotor e manifesta solidariedade ao juiz.
O Prefeito Adail vem a público manifestar solidariedade à magistratura Amazonense, em especial, ao magistrado da Comarca que sofrera uma Exceção de Suspeição ajuizada pelo Exmo Sr Promotor de Piso.
Saliento que sempre me submeti à autoridade das decisões do Poder Judiciário exercendo direito de recorrer dentro do sistema judicial brasileiro quando necessário, sem qualquer quebra de compromisso ético firmado entre as instituições democráticas, não recebendo qualquer provimento gracioso que não estivesse respaldado nas leis do nosso país.
Reafirmo a plena confiança no Poder Judiciário do Estado do Amazonas e nas instituições democráticas.