Por Janaína Andrade|
MANAUS – A Prefeitura de Nhamundá recebeu R$ 15,2 milhões de royalties sem possuir qualquer infraestrutura para a exploração de petróleo e gás. A afirmação é do Ministério Público do Estado do Amazonas (MP-AM) que instaurou um Inquérito Civil para apurar a regularidade do repasse e da contratação de escritórios de advocacia que atuaram no caso e receberam valores a título de honorários.
A Portaria nº 2/2023, da Procuradoria de Justiça de Nhamundá foi assinada no dia 8 de agosto e publicada no Diário Oficial do MP-AM desta quarta-feira, 9.
A investigação é baseada em duas reportagens do Estadão, publicadas nos dias 25 e 28 de julho deste ano, intituladas, respectivamente, “Desembargadores liberam milhões de reais em royalties a cidades sem petróleo” e “Veja a lista de cidades beneficiadas pelo esquema dos royalties mesmo sem produzir petróleo”.
Segundo o MP-AM, o suposto esquema envolve um lobista condenado por estelionato e investigado por lavagem de dinheiro. Trata-se de
Rubens de Oliveira, que teria convencido prefeitos de diversas cidades, incluindo Nhamundá, a contratar escritórios de advocacia controlados por ele, a fim de reivindicar na Justiça Federal altas parcelas de compensação financeira com royalties de petróleo, que são originalmente pagos a estados produtores como Rio de Janeiro e Espírito Santo.
O “grupo liderado pelo lobista ganharia um percentual de 20% de tudo o que as cidades arrecadam com base nas decisões judiciais, independentemente do eventual cancelamento dessas sentenças posteriormente”, diz a reportagem. As decisões favoráveis aos municípios, segundo o Estadão, partiram de três desembargadores do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1).
“Há espaço para todo tipo de alegação dos advogados. Um dos argumentos apresentados ao TRF-1 foi: “A Bíblia é uma só, mas quantas interpretações diferentes temos para ela no mundo inteiro? São diversas”. E assim o grupo conseguiu convencer um desembargador a liberar R$ 15,2 milhões para Nhamundá (AM), cidade que não tem petróleo. A decisão rendeu ao lobista R$ 3 milhões em honorários”, diz trecho da reportagem do Estadão.
O advogado Gustavo Freitas Macedo, que representou o município de Nhamundá na petição apresentada ao TRF-1, afirmou que a ANP deixa de repassar a Nhamundá (AM) “valores relativos à produção marítima devidos em razão da movimentação de entrega/citygates”. O argumento foi acolhido pelo desembargador Carlos Augusto Pires Brandão, em junho de 2021.
O magistrado determinou que a cidade recebesse royalties “na condição de detentor de instalações marítimas e terrestres de embarque e desembarque de petróleo e gás”. Porém, o município não possui essas instalações. Apenas as citou genericamente, sem mencionar qualquer ponto de entrega.
Na Portaria de instauração do Inquérito, o MP-AM fixa o prazo de 15 dias para que a Prefeitura de Nhamundá informe o valor total dos royalties de petróleo recebidos; a destinação destes recursos; o valor pago pelo município em honorários a escritórios de advocacia, encaminhado cópias dos contratos. À ANP, o MP está solicitando, no prazo de 30 dias, informações sobre todos os valores repassados ao município de Nhamundá, relativos a royalties, informando o banco, a agência e a conta de depósito.
O Ministério Público solicitou do TCE-AM e do TCU cópia da prestação de contas que eventualmente tenham sido apresentadas pela Prefeitura de Nhamundá referente aos royalties recebidos.
Comitê anticorrupção pediu ao MP fiscalização
O Comitê Amazonas de Combate à Corrupção pediu ao MP-AM (Ministério Público do Amazonas), no dia 2 deste mês, que apure como municípios do Amazonas que recebem recursos públicos provenientes dos royalties do petróleo estão aplicando o dinheiro público.
Em representação enviada ao procurador-geral de Justiça do Amazonas, Alberto Nascimento Júnior, nesta quarta-feira (2), o comitê menciona as reportagens do Estadão.
Além da fiscalização sobre a aplicação dos recursos, o comitê quer que seja apurada a regularidade das condições da contratação do escritório de advocacia com atuação no caso.
Para o Comitê, é necessário questionar as condições de eventual contratação direta dos advogados, bem como as respectivas cláusulas da contratação, em especial as que preveem o pagamento de substanciosos percentuais dos royalties recuperados aos advogados, sobretudo pelo fato de que, conforme as reportagens, pois “as decisões judiciais têm sido obtidas por um lobista condenado por estelionato e investigado pela Polícia Federal por suspeita de lavagem de dinheiro que coordena advogados recém-formados e sem experiência no setor.
Na representação, o Comitê pediu, com o devido amparo no artigo 5º e no artigo 37 da Constituição de 1988 [princípios da administração pública], além da preocupação com a eficácia na destinação do dinheiro público, que o MPE/AM realize uma fiscalização extraordinária junto aos municípios do Amazonas para identificar a efetivação dos recursos públicos provenientes dos royalties do petróleo já recebidos extraordinariamente, por meio de decisões judiciais, nos anos de 2022 e 2023.
Outro lado
Procurada pela reportagem, por meio dos emails disponíveis nos perfis oficiais, a Prefeitura de Nhamundá, que é chefiada por Marina Pandolfo (PSD), não comentou sobre a instauração de Inquérito Civil pelo MP-AM e nem os objetos da investigação. Caso a Prefeitura de Nhamundá se manifeste, a matéria será atualizada.