MANAUS – Durante a sessão da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que adiou o julgamento da ação oriunda da operação Sangria que poderia resultar no afastamento do governador Wilson Lima (PSC), houve um intenso debate a respeito do devido processo legal do caso nesta quarta-feira (2).
A atuação da subprocuradora-geral da República Lindôra Araújo foi criticada por juristas e magistrados.
Advogados dos acusados afirmaram que não tiveram tempo hábil para se manifestar e que a Procuradoria Geral da República (PGR) atropelou as normas processuais ao peticionar novos fatos posteriormente às manifestações das defesas.
O relator do caso, ministro Francisco Falcão, chegou a propor que o julgamento ocorresse no dia 28 deste mês, mas voltou atrás após a manifestação de colegas da Corte e do representante da Defensoria Pública da União (DPU), além dos advogados.
O advogado do governador do Amazonas Wilson Lima (PSC), Nabor Bulhões, disse que após o apensamento de nova petição da Procuradoria Geral da República (PGR) não houve tempo hábil entre a notificação da defesa e a marcação do julgamento, que ele disse acreditar que fosse adiado de antemão por conta disso.
A advogada do vice-governador Carlos Almeida (PSDB), Luciana Lóssio, expôs que a subprocuradora Lindôra Araújo, autora da ação penal, tem mantido a prática de apresentar novos documentos após a manifestação dos advogados, o que vai contra toda a doutrina e jurisprudência do Judiciário brasileiro.
“Com todo respeito à procuradora Lindôra, me somo à manifestação do professor Nabor Bulhões, e registro que o Ministério Público tem sim se manifestado no autos após a defesa. Inclusive, nós pedimos o desentranhamento da petição do Ministério Público, que fez uma verdadeira réplica à manifestação da defesa, inclusive trazendo fatos novos, distorcendo toda a razão de ser e o que nós entendemos sobre o devido processo legal. A defesa sempre fala por último”, disse Luciana.
Ao defender que a data de 28 de junho fosse mantida para o julgamento dada a “gravidade dos fatos”, Lindôra chegou a prometer publicamente que não incluiria mais nenhuma nova petição aos autos do processo.
“Eu, como Ministério Público, garanto que não faço nenhum peticionamento até o dia 28. Então não existe nenhum motivo para não ser firmado hoje a data do dia 28. O Ministério Público não peticionará nesses autos, porque está completamente pronta essa ação. Não existe motivo nenhum para adiar no dia 28”, disse a procuradora.
O advogado Nabor Bulhões criticou o relator do caso, Francisco Falcão, por agendar data para o julgamento sem que as demais fases do processo tenham sido devidamente concluídas.
“Há uma longa exposição em que se mostra e demonstra que essa sessão de julgamento foi designada como primeiro ato antes da expedição das notificações. A lei processual estabelece: denúncia, notificação, oferecimento das defesas, manifestação do Ministério Público sobre documentos, não sobre réplicas às defesas, e finalmente, pedido o dia para julgamento. O julgamento foi marcado para uma data e se fez uma espécie de corrida para alcançar a prática de todos os atos que integram o devido processo legal para chegar àquela data e ser possível o julgamento. Foi isso que ocorreu. O eminente ministro (Francisco Falcão) se esforçou, mas não conseguiu. Porque há ainda etapas do devido processo legal, na dimensão do que se denomina de contraditório preambular a se preencher”, disse Bulhões.
O representante da DPU (não foi possível identificar) também estranhou. O órgão chegou a ser cogitado pelos ministros Nancy Andrighi e Herman Benjamin para atuar na defesa de acusados na eventualidade dos advogados alegarem novamente não terem tido acesso e tempo hábil para analisar novas peças da PGR incluídas até o dia do julgamento. A ideia não prosperou.
“Existe um princípio até dentro da Lei Complementar da DPU, que trata do defensor natural. O processo não chegou nem a ser distribuído. Então, como o Dr. Bulhões narrou, esse processo, os prazos, na realidade os prazos nem foram abertos, não é nem que findaram. Então, a DPU também não tem conhecimento de quem são seus assistidos. O processo de fato não está maduro para julgamento, diria que menos que isso”, disse o defensor público.
Os ministros Luís Felipe Salomão e João Otávio Noronha criticaram que o julgamento tenha sido pautado nessas condições e sugeriram que sequer fosse marcada uma data até que o processo de fato estivesse “maduro” para ser levado ao Plenário da Corte Especial.
O presidente do STJ, ministro Humberto Martins, concordou que não houvesse uma nova data específica, mas deixou nas mãos do relator a definição.
Francisco Falcão reconheceu o direito das defesas, como já havia feito ao sugerir o adiamento, e decidiu retirar o processo de pauta sem que haja uma nova data específica para que ele retorne ao Plenário da Corte. Falcão disse, ao se dirigir a Bulhões, que seu objetivo, como magistrado, é ser célere e que em seu gabinete, como é de conhecimento do meio, os processos não dormitam.
O canal do YouTube do STJ retirou do ar a discussão dos ministros.
Saiba mais
O processo é referente à denúncia da PGR de suposta compra irregular de respiradores hospitalares durante a primeira onda da pandemia, em 2020. Além de Wilson Lima e Carlos Almeida, outras 16 pessoas foram denunciadas, entre empresários e servidores públicos.
Na manhã desta quarta, foi deflagrada a quarta fase da operação Sangria. Desta vez, o alvo da investigação é o contrato do hospital de campanha da Nilton Lins. Mandados de busca e apreensão e prisão foram cumpridos em Manaus. Em um dos endereços, a Polícia Federal foi recebida a tiros.
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