A Justiça Federal reconheceu que é de competência federal a discussão sobre títulos originados por empréstimos compulsórios da Eletrobras. A decisão foi proferida em ação judicial apresentada pelo Ministério Público Federal (MPF) e pela Advocacia-Geral da União (AGU) para suspender um processo em tramitação na Justiça Estadual do Amazonas que visava o pagamento imediato de mais de R$ 95 milhões do patrimônio da União a um particular.
Na ação ajuizada perante uma comarca do interior da Justiça Estadual do Amazonas, o autor advogado alegou ser pessoa hipossuficiente e pediu a execução do valor milionário decorrente de títulos ao portador expedidos em razão de empréstimo compulsório da Lei 4.156/1962, tendo ele próprio nascido mais de 22 anos depois desta data. O MPF apontou, com base em representação recebida, que esses títulos decaídos podem ser comprados na internet por valores módicos, em sites populares de compra e venda, normalmente por colecionadores. Os valores haviam sido bloqueados por ordem da Justiça Estadual, que determinou que o banco efetivasse a transferência para o autor da ação no prazo de cinco dias, sob pena de aplicação de multa por descumprimento de ordem judicial, além de possível responsabilização criminal.
O MPF e a AGU apresentaram ação cautelar à Justiça Federal com o objetivo de suspender o processo que tramita na Justiça Estadual e transferir o julgamento para a Justiça Federal, que é a esfera competente. Na ação cautelar, apresentada em caráter antecedente a uma futura ação civil pública, explicam que, de acordo com entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ), os títulos apontados pelo autor estão juridicamente esvaziados e sem exigibilidade, em razão do prazo, sendo descabida a expectativa de aumento patrimonial e lucro fácil de seus eventuais e supostos detentores.
Títulos vencidos há mais de 40 anos – Os títulos foram emitidos em 1966 e tiveram o seu resgate integral em 1973, conforme publicação da Eletrobras no Diário Oficial da União e nos principais jornais do país. A legislação prevê prazo de cinco anos para que o consumidor apresentasse a documentação necessária e resgatasse os valores referentes aos títulos. “Considerando que as obrigações em causa se tornaram resgatáveis em 06/11/1973, o prazo final para a apresentação das mesmas à Eletrobras venceu em 06/11/1978, portanto, há 43 anos, ou seja, há mais de 4 décadas, que estas obrigações foram atingidas pela decadência”, afirmam o MPF e a AGU na ação cautelar.
Os órgãos apontam ainda, na ação, que o advogado, em momento algum do processo, demonstrou que apresentou a documentação necessária para receber os valores no escritório da Eletrobras ou em agência conveniada do Banco do Brasil no período adequado, até mesmo porque nem era nascido naquela época. Curiosamente, ressaltam o MPF e a AGU, o advogado não explica a origem dos títulos que possui.
De acordo com a Eletrobras, existem títulos semelhantes aos mencionados pelo advogado na ação disponíveis para venda na internet, a preços muito baixos, correspondente a, por exemplo, 0,002% do valor da execução, justamente porque já estão vencidos. Mesmo que alguém adquira os títulos desta forma, não tem mais direito ao pagamento, já que todos os prazos para resgate dos valores se esgotaram há décadas.
Competência federal – Com a decisão na ação cautelar apresentada pelo MPF e pela AGU, fica evidenciado que é competência da Justiça Federal a discussão judicial de eventuais pagamentos relacionados a títulos da Eletrobras. Ainda que outras ações venham a ser apresentadas em comarcas do interior do Amazonas ou outro estado, todos os processos semelhantes devem ser analisados pela Justiça Federal e não pela Justiça Estadual.
Depois que a Justiça Federal suspendeu a decisão anterior da Justiça Estadual que determinava o pagamento, o autor da ação apresentou recurso ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1). A decisão do tribunal que negou o recurso apontou que o prosseguimento da execução do título na Justiça Estadual causaria “prejuízos irreparáveis, ou ao menos, de difícil reparação, a configurar dano inverso”.
A atuação conjunta do MPF e da AGU, que resultou na decisão judicial que determinou a suspensão do processo da Justiça Estadual, evitou que os mais de R$ 95 milhões, já concedidos, de maneira equivocada, por Justiça processualmente incompetente, fossem sacados, o que geraria enorme prejuízo ao patrimônio público, até que a situação fosse revertida, se ainda viável com a existência de bens em nome do autor da ação.
A ação segue tramitando na 3ª Vara Federal, sob o número 1003194-57.2022.4.01.3200. O recurso apresentado pelo autor foi distribuído na 7ª Turma do TRF1, sob o número 1005648-07.2022.4.01.0000.