MANAUS – Sem citar nomes, o ex-governador José Melo, durante seu depoimento no processo da Maus Caminhos, na quinta-feira (8), disse estar convencido de que seu projeto de reordenamento da saúde, proposto em junho de 2016, foi sabotado.
Segundo ele, por meio da imprensa, houve uma ação orquestrada de grupos que perderiam receitas com as mudanças propostas. Assim como havia a atuação de políticos, “com interesses não confessados”, para que o ex-governador não tivesse êxito com o projeto, defendeu Melo.
De acordo com o ex-governador, de uma hora para outra, a imprensa e a opinião pública se voltaram contra o projeto. Ao falar sobre o tema, na audiência na Justiça Federal, o ex-governador pediu licença para ler um texto que teria sido redigido por ele na noite anterior.
“[Estava] todo mundo acreditando. De repente, tudo mudou. Uma carga violenta da imprensa. Eu até escrevi um negócio aqui, que vou até ler: ‘Hoje, tenho convicção de que as manifestações públicas de servidores da saúde, do povo, de grupos organizados, de políticos, e a forma atroz, impiedosa, sistemática, com que a imprensa tratou a matéria, era, na verdade, orquestrada e financiada por aqueles que de alguma forma iriam perder as receitas com a nova matriz da saúde. Sem falar dos interesses não confessados, de determinados políticos, em não permitir que o nosso governo tivesse êxito político com o programa'”, leu Melo.
“Esse é um sentimento diante de todas as informações, que eu sabia, que vieram à tona agora recentemente, que eu não conseguia entender como é que, de repente, o mundo desaba em cima de uma coisa que iria atender o povo de forma correta”, completou Melo.
Uma das conclusões da Polícia Federal no inquérito da Maus Caminhos é o de que Mouhamad Moustafa, empresário apontado como chefe do núcleo empresarial que desviou recursos da saúde, foi contra o projeto de Melo. E que atuou para que o reordenamento no setor, que envolvia redução de valores de contratos, não tivesse êxito, por entender que prejudicaria seus negócios.
No inquérito, a Polícia Federal conclui ainda que o advogado Lino Chícharo, a pedido de Mouhamad, atuou para que unidades de saúde que tinham contratos com empresas do empresário ficassem de fora do projeto.
Em um áudio, que a Polícia Federal atribui a Lino, o advogado tenta convencer o então secretário de saúde, Pedro Elias, a desistir das mudanças. Entre os argumentos, o assessor jurídico de Mouhamad fala dos interesses que seriam contrariados com a execução do projeto, entre elas a de quem ele chama de “nosso amigo de Brasília”.
Para a Polícia Federal, “nosso amigo de Brasília” é o ex-governador e senador Omar Aziz (PSD).
Lino foi preso e denunciado à Justiça em uma das fases da Maus Caminhos denominada Custo Político. Omar é investigado em outro inquérito. O advogado nega que a defesa de interesses de Mouhamad junto a membros do governo tenha sido ilegal.
Omar também refuta as acusações feitas pela Polícia Federal. E diz que no decorrer do inquérito vai provar que não tem relação alguma com os desvios de recursos ocorridos entre 2014 e 2016, em um período em que ele não era mais governador.
Melo é réu em ação onde é acusado de integrar a organização criminosa que desviou mais de R$ 100 milhões de recursos federais e estaduais da saúde.
Segundo o Ministério Público Federal (MPF), Melo não participou da formação do esquema. Mas ao assumir o governo, em abril de 2014, tomou conhecimento do mesmo e passou a ser o seu “chefe político”.
No depoimento, o ex-governador disse que só soube das ações de Mouhamad com a operação Maus Caminhos, em setembro de 2016. Melo prestou depoimento por 1 hora e meia.
A Justiça Federal iniciou na terça-feira (6) uma série de audiências dos réus no processo da Maus Caminhos, alvos das fases denominadas Custo Político e Estado de Emergência.
Além de Melo, foram ouvidos os ex-secretários Pedro Elias (Saúde), Wilson Alecrim (Saúde), Afonso Lobo (Fazenda), Evandro Melo (Administração), Raul Zaidan (Casa Civil), e a ex-primeira-dama Edilene Gonçalves.