Da Redação |
A juíza federal Mara Elisa Andrade suspendeu, na quarta-feira (24), a licença que autorizava o governo federal a reconstruir e asfaltar o “trecho do meio” (ou “trecho 3” ou “segmento C”) da BR319 (do km 250,7 ao km 656,4).
A decisão foi motivada por uma ação ajuizada pela ONG Laboratório do Observatório do Clima. A Licença Prévia n°672 foi emitida em 2022 pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA).
Na ação, a ONG afirma que a concessão da licença prévia contraria as orientações do próprio governo federal, quanto à necessidade de adoção e implementação de medidas de governança ambiental e territorial, para fins de viabilidade ambiental do empreendimento.
Segundo a ONG, a licença prévia foi emitida a despeito da insuficiência de governança ambiental mínima para fazer frente à complexidade e graves consequências ambientais decorrentes do empreendimento, em especial o aumento do desmatamento na região.
A ONG acrescenta que a licença prévia foi concedida sem que fosse apresentado o necessário estudo do impacto climático decorrente da pavimentação da rodovia.
O autor da ação ressaltou ainda que a licença prévia teria sido emitida sem a obrigatória consulta prévia aos povos indígenas e comunidades tradicionais que serão impactadas pela obra da BR-319.
Outro lado
Ouvidos no processo, o IBAMA e o o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT), responsável pela execução da obra, contestaram os pontos levantados pela ONG, argumentando que o processo de licenciamento transcorreu dentro da legalidade.
O DNIT informou que não detém atribuições para gestão ou execução de políticas e serviços públicos ambientais no entorno de um empreendimento de infraestrutura de transportes. Por isso, não poderia assumir condição de garantidor de governança socioambiental dos impactos da obra da BR-319.
O responsável pela obra acrescentou que a “implementação da governança ambiental” não poderia ser uma “pré-condicionante” para aprovação da licença prévia.
Isso porque o licenciamento ambiental não poderia suprir a falta de estrutura dos diversos órgãos envolvidos nas políticas de fiscalização ambiental e de prevenção e controle do desmatamento na Amazônia.
O DNIT contestou também as projeções de elevação das taxas de desmatamento.
Quanto ao estudo de impacto climático, o DNIT argumentou que “o impacto climático argumentado na petição inicial não se relaciona com a solução tecnológica aplicada no empreendimento em questão”.
Tal impacto climático, disse o DNIT, “seria derivado do possível aumento do desmatamento ilegal que seria gerado pela suposta insuficiência da governança ambiental nas áreas próximas à rodovia”.
IBAMA
O IBAMA negou que a licença prévia tenha contrariado suas orientações técnicas; destacando que a exclusão de condicionantes previstas em documentos técnicos anteriores teria por fundamento a ausência de competência administrativa do DNIT (proponente do projeto), para providências próprias dos órgãos e instituições encarregados da execução de políticas ambientais.
Ao reconhecer como “imprescindível uma atuação governamental sistemática na região do empreendimento, seja para repreender ilícitos ambientais, tais como o desmatamento ilegal e grilagem de terras, como para atuar de forma abrangente, visando o desenvolvimento sustentável da região”, o IBAMA ressalta que a questão precisaria ser trabalhada de forma estratégica com a participação de entes governamentais nos três níveis de governo, o que extrapolaria o escopo do licenciamento ambiental.
Quanto à ausência de estudos sobre impactos climáticos, o IBAMA defende que “as análises técnicas debruçaram-se sobre temas que possuem relação direta com o assunto, tais como desmatamento, alteração do uso do solo e adaptação de projeto para situações e eventos climáticos, tais como sistemas de drenagem e outros quesitos de projeto, de sorte que no bojo do EIA/RIMA constam dados que podem auxiliar na definição de medidas de controle e mitigação desses impactos, naquilo que couber ao licenciamento ambiental”.
Quanto à consulta prévia aos povos indígenas, o IBAMA sustentou que a sua área técnica atestou que o EIA (Estudo de Impacto Ambiental) contemplou conteúdo específico referente ao diagnóstico e avaliação do componente indígena; que essas providências estariam no campo de atuação da FUNAI; que teria informando a aprovação do Estudo de Componente Indígena pelas comunidades indígenas Parintintin, Mura e Apurinã, por meio do Ofício n°473/2022.
Decisão
Para a juíza, analisando toda a documentação relativa ao processo, fica claro que o IBAMA, historicamente, alerta para a necessidade de condicionantes que viabilizem ambientalmente a reconstrução da BR-319. Não fazer isso é ignorar todo o conhecimento técnico sobre o assunto.
“Nesta medida, se toda a documentação técnica do IBAMA conclui pela necessidade de providências imprescindíveis à prevenção e contenção do desmatamento ilegal, condicionando a viabilidade ambiental da BR-319 à preexistência de governança ambiental forte nas áreas de entorno; ao atestar a viabilidade ambiental, sem que tais cenários preexistam, a licença prévia contraria 15 anos de reconhecimento técnico categórico pela inviabilidade ambiental do empreendimento”, pontua a magistrada.
A juíza estabeleceu multa de R$ 500 mil ao responsável pelo descumprimento da decisão, que cabe recurso.
“Com fulcro no art. 300 do Código de Processo Civil, DEFIRO o pedido de tutela de urgência para determinar a SUSPENSÃO imediata dos efeitos da Licença Prévia n°672/2022, emitida pelo IBAMA ao DNIT. Na hipótese de descumprimento dessa decisão, incidirá multa de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais) sobre o patrimônio pessoal do agente público responsável”, completou Mara Elisa, que responde pela 7ª Vara Federal Ambiental e Agrária da Justiça Federal no Amazonas.