MANAUS – A juíza federal Jaiza Fraxe autorizou na noite deste sábado (27) que o Governo do Amazonas imunize neste domingo (28) profissionais de segurança do Estado. No entanto, a magistrada ressalva que o total de doses destinadas a este grupo não pode ultrapassar de 5 mil.
“Não há, portanto, porque suspender a vacinação para 28 de março de 2021, desde que esse grupo restrito não alcance mais que 5 – cinco- mil doses, a serem decotadas da reserva técnica dos profissionais equiparados a saúde – linhas de frente, tal qual assim o foram os personais, atendentes, coveiros, donos de funerárias e esteticistas – e nunca dos comorbidades”, escreveu a magistrada na decisão deste sábado.
A decisão frustra os planos do governador Wilson Lima (PSC). Ao anunciar a intenção de vacinar profissionais de segurança, o governo estimava imunizar um efetivo de 14 mil pessoas.
Na decisão, a magistrada lembrou que o poder Judiciário não pode interferir no Plano de Nacional de Imunização (PNI), do governo federal. É o plano que estabelece os critérios e grupos prioritários para a vacinação contra a Covid-19.
No entanto, ressalta Jaiza, o poder judiciário pode corrigir distorções sobre quais profissionais de fato têm atuado na linha de frente contra a Covid-19.
Para a magistrada, é fato que muitos policiais têm atuado na linha de frente e se expondo diariamente ao vírus no exercício da profissão.
“A essa altura, não vale a pena questionar a imunização dos profissionais já vacinados, equiparados a profissionais de saúde. São vidas humanas salvas. Por outro lado, se o profissional que esteve e ainda está carregando balas de oxigênio, atuando como maqueiro, auxiliar de motorista de ambulância do SAMU, assistente de vacinadores, não tiver a mesma interpretação, estar-se-á, aí sim, cometendo grave distorção na questão da formação dos grupos prioritários”, pontuou a juíza.
A magistrada ressalta que caberá à Secretaria de Segurança (SSP-AM) definir quais profissionais estão na linha de frente e merecem ser vacinados.
Quem for imunizado e ficar comprovado que não atua na linha de frente pode ser enquadrado como “fura-fila” e responder criminalmente.
“Por fim, não cabe ao juízo federal definir quem são esses policiais que estiveram e estão atuando desde 1 de janeiro de 2021 na linha de frente dos hospitais, vacinação, ambulâncias, residências com corpos de mortos por COVID, atuando em alto risco no enfrentamento e combate à pandemia (em igual condição aos profissionais de saúde do Amazonas) sendo tal atribuição exclusiva do Secretário de Segurança Pública, o qual se responsabilizará pela informação prestada perante a FVS e SEMSA. O conjunto de demais policiais que estão em teletrabalho ou são administrativos e internos, bem como comissionados, terceirizados e todos que não são e nunca foram da linha de frente dos hospitais jamais poderão sair de seu respectivo grupo, sob pena de responsabilidade administrativa, civil e criminal na condição de ‘fura-fila'”, diz trecho da decisão.
Leia abaixo e íntegra da decisão:
DECISÃO
1. Vem aos autos a ASSOCIAÇÃO DOS OFICIAIS DA POLICIA E BOMBEIRO MILITAR DO ESTADO DO AMAZONAS – AOPBMAM, em ID 489958355 , pleitear o recebimento de sua petição, denominada ação de obrigação de fazer, onde pretende o quente seja determinada a inclusão dos Policiais Militares e Bombeiros Militares na 1ª fase dos grupos prioritários do Plano Nacional de Vacinação contra Covid-19 implementado no Amazonas, através do Governo Estadual, devendo este ser intimado para dar imediato cumprimento a medida.
2. Por seu turno, a Defensoria Pública da União – DPU, em ID 489958350 – vem aos autos impugnar um possível plano de vacinação em curso, onde o Estado do Amazonas pretende vacinar todo o quadro de policiais civis, militares e bombeiros. Aduz que ‘(…) o objetivo de imunização de toda a classe, sem se atentar para os riscos envolvidos, preterirá grupos com elevando risco de agravamento, com resultado morte ou lesão à integridade física, incluído, neste grupo, os próprios agentes de segurança portadores de comorbidades’. Por tal razão, requereu ‘(…) a intervenção judicial para fazer cessar a violação ao PNI, devendo as classes referidas aguardar a chegada de sua prioridade (quarta fase), sob pena de se preterir pessoas que correm grave risco de vida caso contaminadas, contribuindo para a já vivenciada sobrecarga dos serviços públicos de saúde‘.
3. Em ID 490606930, o município de Manaus vem requerer a juntada da lista de vacinados até 26 de março de 2021.
4. Em ID 490773386, vem aos autos o SINDICATO DOS ESCRIVÃES E INVESTIGADORES DA POLÍCIA CIVIL DO ESTADO DO AMAZONAS – SINDEIPOL/AM para o fim de requerer ‘sua admissão na qualidade de amicus curiae, nos termos do art. 138 do CPC, para assegurar a defesa de seus associados. Pugna, ainda, pela apreciação da presente manifestação, a fim de que seja MANTIDA pelo Governo do Estado do Amazonas e Município de Manaus, a imunização dos profissionais de segurança pública, nos moldes já divulgados.
5. Por sua vez, o cidadão e Deputado Federal Marcelo Ramos, já incluído como amicus curiae no feito, vem pleitear que ‘o pedido feito pela Defensoria Pública da União, que visa suspender da vacinação dos profissionais da segurança pública, seja INDEFERIDO para que a já anunciada imunização desses profissionais ocorra normalmente a partir do dia 28 de março de 2021.
6.Em ID 490786858, o Município de Manaus apresenta petição onde ‘adere às razões expostas no petitório apresentado pela Defensoria Pública da União (id. 489958350), para requerer que seja determinado ao Governo do Estado que suspenda a anunciada imunização dos profissionais de segurança pública, a fim de dar seguimento à imunização das pessoas com comorbidades, em obediência à ordem de prioridade estabelecida no Plano Nacional de Imunização (PNI). Outrossim, considerando que o Estado do Amazonas ainda não foi formalmente incluído no polo passivo da presente demanda, reiteram-se os pedidos já formulados pelo Município de Manaus nesse sentido, tanto em sede dos embargos de declaração quanto na contestação apresentados nestes autos.
7. O mesmo município de Manaus, em ID 490817348 requer o desentranhamento da petição mencionada no item anterior.
8. EM ID 490817353 – , vem aos autos o cidadão e deputado federal Alberto Barros Cavalcante Neto para o fim de requerer seu ingresso na lide na condição de amicus curiae , bem como para pleitear que ‘o pedido feito pela Defensoria Pública da União (id 489958350) para suspender a vacinação das forças de segurança, seja INDEFERIDO, tendo em vista que são profissionais da linha de frente ao combate a esse terrível vírus que assola a nossa Nação e o Estado do Amazonas, e a imunização ocorro de acordo com o cronograma já definido e divulgado’.
9. A DPU, em ID 490818855, retorna aos autos para reiterar seu pedido de suspensão da imunização de policiais civis e militares no Amazonas.
10. Em ID 490848848, a Defensoria Pública do Estado do Amazonas vem aos autos para o fim de aderir ao pleito de suspensão da vacinação, requerido pela DPU, bem como para requerer o indeferimento da petição de desentranhamento da PGM, a fim de que seja a petição mantida nos autos e efetivada a inclusão formal do Estado do Amazonas no polo passivo da demanda.
11. Em ID 490850859 vem aos autos o Sindicato dos servidores da Polícia Civil do Estado do Amazonas – SINPOL/AM, para o fim de requerer seu ingresso como amicus curiae, bem como para que (…) seja mantido o cronograma de imunização do Estado do Amazonas que se inicia no dia 28 de março de 2021, contra o coronavírus para a classe de Policiais Civis, que somam milhares de servidores, em observância ao Plano Nacional de Imunização, com a consequente denegação do pleito da Defensoria Pública da União .
12. Por seu turno, em ID vem aos autos o Sindicato dos Peritos Oficiais no Amazonas alegar a extrema necessidade de priorizar os Peritos Criminais Oficiais do Estado do Amazonas, do quadro de pessoal da Policia Civil do Estado do Amazonas na vacinação contra a COVID-19. Desta forma, Requer seja declarada priorização na vacinação dos Peritos Criminais Oficiais do Estado do Amazonas, pertencentes ao quadro de pessoal da Polícia Civil do Estado do Amazonas, devido ao caráter do trabalho desenvolvido por estes profissionais.
13. O Ministério Público Federal aderiu ao pedido da DPU e DPE.
É a síntese do essencial. Fundamento e decido.
14. Em trâmite da 1a Vara e agora conexo com a presente ação, tramita o Mandado de Segurança coletivo 1001504-27.2021.4.01.3200, onde é Impetrante a Associação dos Cabos e Sargentos da Polícia Militar do Estado do Amazonas, com o objetivo de imunização dos substituídos do impetrante, sendo que em tal feito o Estado do Amazonas (réu naquela ação) anexou ofício nº 170-2021-GS-SSP-AM , ofício nº 0488-DIPRE-FVS-AM, Nota Informativa Conjunta nº 18-2021-FVS e SES-AM.
15. A partir do ofício se desencadeou no Estado uma verdadeira guerra de narrativas, sobretudo em notícias veiculadas pela imprensa (jornais impressos, sites, grandes portais, blogs, redes sociais) no sentido de que todo o sistema de segurança do Estado, aproximadamente 15 mil pessoas, entre policiais civis, militares e bombeiros e servidores e comissionados do sistema de segurança pública iriam receber imunizantes fora da fila e portanto dos grupos estabelecidos pelo Ministério da Saúde.
16. Em razão desse fato jurídico, vieram aos autos a Defensoria Pública da União e posteriormente o Município de Manaus e a Defensoria Pública Estadual pleitear a suspenção da vacinação de policiais. Em seguida, o município de Manaus pediu desentranhamento da petição, sem esclarecer se desistira do pedido, se houvera cometido algum erro material ou se se tratava de outra hipótese.
17. A título de ponto controvertido, necessário esclarecer duas questões essenciais, pois há duas controvérsias que se apresentam ao juízo federal para solução. Primeiro, pode o Poder Judiciário alterar a ordem de prioridade dos grupos definidos pelo Ministério da Saúde? Segundo, a vacinação de policiais implicaria em alteração de grupos?
18. A primeira resposta é não, não cabe ao poder judiciário alterar os grupos de prioridades já estabelecidos pelo ministério da saúde, uma vez que foram definidos segundo critério técnicos e científicos, com base em dados, estatísticas, estudos e diagnósticos referentes a COVID19.
19. Dessa forma, só o próprio Ministério da Saúde pode modificar a ordem de prioridades previamente estabelecidas, muito embora isso possa causar entristecimento ou sensação de desolação em muitos profissionais e coletivos de pessoas que estão perdendo entes, parentes e amigos.
20. Por outro lado, os grupos estabelecidos podem e devem ser interpretados pelo poder judiciário em caso de dúvidas, situações inéditas ou até mesmo falta de clareza em pontos específicos, sobretudo na presente ação, quando devem ser sempre analisadas as causas de pedir com foco na transparência.
21. O Estado do Amazonas, desde o início do mês de janeiro de 2021, vem sofrendo gravemente com a pandemia por COVID19, tendo se desencadeado aqui o início do fenômeno chamado de 2a onda da COVID.
22. Aqui no Amazonas constatou-se a escassez do insumo chamado oxigênio, em razão do alto consumo do produto e do elevado número de portadores doença, o que gerou diversas mortes por asfixia (as quais serão apuradas e responsabilizadas no juízo competente).
22.1. Durante o período crítico, o Superior Tribunal de Justiça determinou à essa magistrada que atuasse nas ações específicas sobre o tema, para o fim de garantir a distribuição equânime de oxigênio. Ao cumprir a determinação da Corte Superior, estivemos em diversos hospitais de referência no tratamento da COVID, em especial o 28 de Agosto, o Getúlio Vargas, o João Lúcio. Também estivemos nas dependências da principal fornecedora do insumo oxigênio. Da mesma forma estivemos em salas de vacinação e no local de armazenamento das vacinas.
22.2. Em diversas ocasiões formos recebidos por policiais e bombeiros que atuavam para além de membros de forças de segurança, carregando ‘balas’ de oxigênio, transportando pacientes em macas, auxiliando as ambulâncias do SAMU, garantindo a formação de filas nas vacinações (onde muitos familiares contaminados levaram seus parentes idosos para vacinar e isso ficou comprovado em diversas matérias da ocasião), entrando e saindo dos hospitais em atividades típicas de profissionais de saúde que já foram imunizados.
23. Enquanto isso, ocorria a vacinação dos profissionais de saúde, primeiro os linhas de frente e em seguida todos os profissionais de saúde. No ponto desse grupo, entenderam a FVS e a Secretaria Municipal de Saúde que deveriam ser incluídos, além dos médicos, enfermeiros e técnicos, todos os tipos de profissionais que faziam atendimentos (balcão de entrada) em clínicas particulares ou unidades de saúde, professores de educação física, profissionais de estética, coveiros, empresários de funerárias, fiscais agropecuários (que tratavam exclusivamente com vida não humana). A razão e justificativa foi que tinham contato direto. típico de linha de frente, com o vírus.
24. Enquanto balconistas de clínicas, personais de academia, esteticistas e donos de funerária eram vacinados, os policiais linhas de frente que carregavam equipamentos de oxigênio (para salvar as vidas em leitos e UTIs) adoeciam ou vinham a óbito por COVID por não terem recebido a mesma interpretação da FVS e da SEMSA.
25. A essa altura, não vale a pena questionar a imunização dos profissionais já vacinados, equiparados a profissionais de saúde. São vidas humanas salvas. Por outro lado, se o profissional que esteve e ainda está carregando balas de oxigênio, atuando como maqueiro, auxiliar de motorista de ambulância do SAMU, assistente de vacinadores, não tiver a mesma interpretação, estar-se-á, aí sim, cometendo grave distorção na questão da formação dos grupos prioritários. Com poucos profissionais de saúde no Amazonas (em comparação com as regiões sudeste e sul), aliado ao elevado número de óbitos de enfermeiros e técnicos, não há dúvidas da quantidade de policiais atuando na maior parte das vezes em auxílio a técnicos, maqueiros, atendentes. Pude presenciar essa atuação nas diversas vistorias realizadas.
26. Há, ainda, os peritos oficiais que atuam em residências, recolhendo e examinando os corpos de pessoas que falecem em suas casas por COVID19. São profissionais expostos aos vírus em altíssimo risco de contaminação, muito maior inclusive que os coveiros ou pessoas de funerárias, na medida em que mantem contato nas primeiras horas com o corpo ainda em condição de contágio.
26. Todavia, também ficaram de fora da interpretação de profissionais de saúde. Toda essa distorção precisa ser corrigida, sem impactar o estoque do grupo em andamento, qual seja o de comorbidades.
27. De outro lado, impertinente o chamamento realizado pela Delegacia Geral de Polícia Civil, no sentido de que ‘todos os servidores serão vacinados dia 28 de março. O chamado é completamente sem compatibilidade com a política pública do Ministério da Saúde e a formação dos grupos prioritários. Não pode ser acolhido pelo Poder Judiciário.
28. Por todo o exposto, adota o juízo federal as seguintes deliberações.
28.1. Não cabe ao Poder Judiciário e nem ao Poder Executivo local, a essa altura do cronograma de vacinação, alterar os grupos prioritários, cabendo tão somente realizar interpretação da intenção de formação dos grupos e corrigir eventual distorção local.
28.2. Durante a leitura pela FVS e SEMSA quanto a profissionais linha de frente equiparados aos de saúde, a inclusão de esteticistas, atendentes e coveiros gerou uma sensação de injustiça para com um grupo restrito de policias, inclusive bombeiros e policiais federais, do Amazonas que vinha e ainda vem atuando nos hospitais, transportando oxigênio, pacientes, auxiliando motoristas de ambulância e maqueiros, atuando junto aos imunizantes e correndo graves riscos de contaminação, tanto que a cada 2 dias morre um policial por COVID19 no Amazonas, sendo fato público e notório o caos em que estamos vivendo no quesito pandemia.
28.3. Não há, portanto, porque suspender a vacinação para 28 de março de 2021, desde que esse grupo restrito não alcance mais que 5 – cinco- mil doses, a serem decotadas da reserva técnica dos profissionais equiparados a saúde – linhas de frente, tal qual assim o foram os personais, atendentes, coveiros, donos de funerárias e esteticistas – e nunca dos comorbidades. A correção de uma inconsistência pode e deve ser realizada, uma vez que não atrapalha, altera ou invade o grupo cuja vacinação inicia dia 29 de março.
28.4. Por fim, não cabe ao juízo federal definir quem são esses policiais que estiveram e estão atuando desde 1 de janeiro de 2021 na linha de frente dos hospitais, vacinação, ambulâncias, residências com corpos de mortos por COVID, atuando em alto risco no enfrentamento e combate à pandemia (em igual condição aos profissionais de saúde do Amazonas) sendo tal atribuição exclusiva do Secretário de Segurança Pública, o qual se responsabilizará pela informação prestada perante a FVS e SEMSA. O conjunto de demais policiais que estão em teletrabalho ou são administrativos e internos, bem como comissionados, terceirizados e todos que não são e nunca foram da linha de frente dos hospitais jamais poderão sair de seu respectivo grupo, sob pena de responsabilidade administrativa, civil e criminal na condição de ‘fura-fila’.
29. Os pedidos de ingresso dos demais amicus curiae serão analisados oportunamente, uma vez que não se trata de questão urgente.
30. Intimem-se.
Manaus, 27 de março de 2021.
Juíza Federal Titular