MANAUS – O governo do Estado do Amazonas fechou nesta segunda-feira (5) um acordo, no valor de R$ 5,9 milhões, com a empresa Bioplus Comércio e Representações de Medicamentos e Serviços de Equipamentos Médico-Hospitalares Ltda. A empresa integra o Grupo Bringel, do empresário Sérgio Bringel, alvo da operação Cash Back, 4ª fase da operação Maus Caminhos, que apura desvios milionários de recursos da saúde.
Segundo o Tribunal de Justiça do Amazonas (TJ-AM), onde o acordo foi firmado, o valor de R$ 5,9 milhões é relativo a parcelas em atraso de contrato de prestação de serviços. O acordo foi homologado pela 3ª Vara da Fazenda Pública Estadual da Comarca de Manaus, durante a Semana Nacional da Conciliação.
De acordo com o TJ-AM, o governo se comprometeu a realizar, no prazo de 24 horas, o depósito judicial de R$ 3,2 milhões na conta da Bioplus. E, em um prazo de cinco dias, o valor restante: R$ 2,1 milhões.
Conforme os autos da ação, alegando atraso nos pagamentos, a Bioplus, contratada pela Secretaria de Estado de Saúde (Susam), informou ao órgão sua decisão de paralisar suas atividades, que incluem a coleta de lixo hospitalar de 53 unidades de saúde, serviços de esterilização de 49 unidades básicas, além de esterilização nos hospitais 28 de Agosto, Platão Araújo e João Lúcio; além da locação de equipamentos hospitalares e software de gestão hospitalar nos referidos hospitais, assim como no Hospital Infantil da Zona Oeste, Fundação Hospital Francisca Mendes, Fundação de Medicina Tropical e Fundação Cecon.
Para evitar que os serviços fossem suspensos, o governo, por meio da Procuradoria-Geral do Estado (PGE), ingressou na Justiça com pedido de tutela antecipada. O juiz plantonista concedeu a liminar proibindo a paralisação dos serviços por parte da Bioplus por considerá-los de natureza essencial ao sistema de saúde do Estado e que, como tal, não poderiam ser interrompidos. O processo foi distribuído para a 3ª Vara da Fazenda Pública, que marcou a audiência de conciliação realizada na segunda-feira (5).
A mediação para o pagamento foi feita pela juíza titular da 3ª Vara da Fazenda Pública Estadual da Comarca de Manaus, Etelvina Lobo Braga. Segundo ela, os dois depósitos serão realizados judicialmente, mesmo que os pagamentos já estivessem programados na Secretaria da Fazenda do Estado do Amazonas (Sefaz).
Por meio da assessoria de imprensa do TJ-AM, Etelvina Lobo comemorou o acordo, considerado alto para os padrões das conciliações realizadas durante a Semana Nacional da Conciliação.
“Realmente funcionou como um acordo porque o estado entrou com pedido, no plantão, para que os serviços da Bioplus não fossem paralisados e, com isso, eles se comprometeriam a fazer o pagamento em atraso. Tivemos uma conversa e ficou decidido que vai haver um depósito judicial e a Vara libera para a empresa. O restante será pago em dez dias. Quanto aos pagamentos regulares eles serão feitos normalmente porque os serviços não foram paralisados”, explicou a magistrada.
Investigação
A operação Cash Back é um desdobramento da operação Maus Caminhos. Nesta fase, a investigação teve como alvo empresas e empresários que, segundo o Ministério Público Federal (MPF) e a Polícia Federal (PF), são suspeitos de superfaturarem ou não realizarem serviços contratados pelo Estado na área da saúde, entre os anos de 2014 e 2016. Contratos da atual gestão, como o resultante do acordo, não são objetos da investigação.
Em trecho de relatório da investigação, a PF detalha que foram constatadas evidências de sobrepreço, superfaturamento, serviços não prestados, lavagem de dinheiro e devoluções em espécie de dinheiro em relação a 11 fornecedores, os quais receberam do estado, no período de 2014 a 2016, o total de R$ 29,2 milhões do Instituto Novos Caminhos (INC). A maior fatia desse total foi paga à Bioplus – R$ 9,4 milhões.
Segundo a investigação, foi por meio de contratos do INC com a Susam que a organização criminosa desviou milhões do estado.
A Bioplus foi contratada pelo INC (Contrato de Gestão n°. 002/2014) para execução de serviços de gerenciamento e processamento de produtos em CME (Central de Material Esterilizado) nas unidades da UPA Campos Sales, em Manaus, e da UPA 24h e Maternidade de Tabatinga, nos valores mensais de R$ 167.412,89 e R$ 306.274,63, respectivamente.
“E possível observar que a fraude era de grande vulto, pois os serviços eram, nas palavras de Mouhamad Moustafa, “hipersuperfaturados”, diz trecho do relatório da PF. Em conversa interceptada em aplicativo de mensagem, Mouhamad afirma à advogada Priscila Coutinho: “Só tenho a agradecer a eles por colocarem já no projeto um valor hiperfaturado (sic)”.
Administração da Bioplus
De acordo com a investigação feita pela PF, a Bioplus tem como sócios Sérgio Bringel, como detentor de 1% do capital social, e SB Participações Societárias Ltda, como detentora de 99% do capital social. A SB, por sua vez, possui como sócios Sérgio Bringel e Sebastião Ramilo Bulcão Bringel, cada qual com 50% do capital social da empresa.
No portal da empresa, segundo a PF, é possível verificar que Sebastião Bringel figura como diretor presidente e Sérgio Bringel como Diretor Executivo do Grupo Empresarial Bringel. A reportagem do ESTADO POLÍTICO consultou o site (www.gbringel.com/) da empresa, que informa estar em manutenção.
Aumento de infecção hospitalar
Na investigação da PF, a partir dos depoimentos da diretora da UPA 24h de Tabatinga, Pauline Campos, foi possível identificar a ineficiência dos serviços da Bioplus, como episódios de interrupção total do serviço por parte da empresa contratada “(a qual, mesmo assim, nunca deixou de receber os pagamentos), chegando ao ponto de ocorrerem registros de infecções hospitalares recorrentes em pacientes por conta desse precário serviço oferecido na unidade” (trecho do relatório).
“O que causa mais espanto no relato da Diretora Pauline — que é médica anestesiologista — é que ela reconhece que a UPA 24h e Maternidade Tabatinga registrava repetidas ocorrências de infecção hospitalar e que o quantitativo de pacientes infectados aumentava sobremaneira quando os produtos (instrumentos) eram esterilizados sob a responsabilidade da Bioplus, mas mesmo assim, nenhuma providência em relação à empresa foi tomada nesses mais de dois anos. Esse exemplo é um testemunho — triste testemunho — do impacto concreto da prática de peculato e de outros crimes contra a Administração Pública na qualidade dos serviços públicos essenciais ao cidadão, dentre os quais, a saúde. O superfaturamento e apropriação dos recursos pelo empresário impacta diretamente na saúde do cidadão, que inocentemente dirige-se à unidade de saúde com a expectativa de um atendimento, no mínimo, dentro de condições de higiene hospitalar básica”, diz outro trecho do relatório da PF.
Sérgio Bringel foi preso na operação Cash Back, deflagrada no dia 11 de outubro. Três dias depois, por decisão da desembargadora Maria do Carmo Cardoso, corregedora do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1), em Brasília, o empresário deixou a prisão.
Outro lado
No dia da operação Cash Back, a Susam emitiu nota informando que os fatos relativos à investigação da Polícia Federal não são desta gestão, que assumiu a pasta em outubro de 2017.
“[…] São fatos ocorridos em administrações passadas. Em relação às empresas do Grupo Bringel, que prestam serviços na Susam, o órgão ressalta que os contratos foram firmados em gestão passada. Na atual administração, houve redução de até 49% no valor de alguns contratos vigentes, após processo de auditoria realizado logo que esta gestão assumiu. A Susam informa, ainda, que os contratos com as empresas do grupo, que encerraram nesta administração, não foram renovados. Os que estão em vigência já se encontram em processo de licitação”, diz trecho da nota.
Os contratos do estado com o grupo Bringel foram tema da campanha este ano. Candidato à reeleição, o governador Amazonino Mendes (PDT) acusou o governador eleito Wilson Lima (PSC) de ser financiado por Sérgio Bringel, o que o candidato sempre negou. O empresário chegou a ingressar com uma representação na Justiça Eleitoral contra Amazonino.
Em resposta às ofensivas de Amazonino, Wilson afirmou em debate que quem tinha contrato o grupo investigado na Maus Caminhos era a gestão do governador.
Em nota, à época, a campanha do governador sustentou que todos os contratos com o grupo foram firmados em gestões passadas. Leia abaixo trecho da nota.
As empresas do Grupo Bringel esperam receber R$ 278,3 milhões do Governo do Amazonas, segundo levantamento do site no portal da transparência do Estado. A maior parte da dívida, de 2014 a 2017, foi judicializada e está sendo discutida na Justiça Estadual. Mais da metade, R$ 159,4 milhões, foram de contratos na administração do ex-governador José Melo (PROS). Segundo a coligação “Eu voto no Amazonas”, do candidato Amazonino Mendes (PDT), o grupo Bringel apoia a campanha eleitoral do candidato ao Governo do Amazonas, Wilson Lima (PSC). Este tem colocado uma peça publicitária no ar listando os contratos do conglomerado com a administração atual.
O advogado Simonetti Neto, que representa o empresário Sérgio Bringel, afirmou ao ESTADO POLÍTICO que o cliente nega as acusações feitas pela PF no âmbito das investigações da operação Cash Back, e que acredita na Justiça.
“Ele (Sérgio Bringel) nega as acusações e com a tranquilidade, se caso venha a ser processado (pela Justiça Federal), se defenderá dessas acusações, na tranquilidade do processo. Nós acreditamos na Justiça e entendemos que isso tudo foi um mal entendimento da dinâmica dos serviços que eram prestados, mas com o tempo tudo isso será esclarecido”, disse Simonetti.