MANAUS – O ex-ministro das Relações Exteriores Ernesto Araújo negou que tenha promovido atritos com a China e alinhamento automático do Brasil com os EUA no governo Trump.
O diplomata foi questionado sobre o assunto nesta terça-feira (18) pelo relator da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Pandemia, senador Renan Calheiros (MDB-AL). Renan quis saber como essas relações influenciaram no combate ao coronavírus no Brasil. A China é quem exporta o IFA (ingrediente farmacêutico ativo) para a fabricação de vacinas no país – hoje artigo em falta, o que levou a interrupção da produção de imunizantes.
“Jamais promovi algum atrito com a China, seja antes ou durante a pandemia, de modo que os resultados que nós obtivemos na concepção de vacinas e outros aspectos, eles decorrem de uma política externa que foi implantada de acordo com os nossos objetivos, mas que não eram uma política de alinhamento automático com os Estados Unidos, nem uma política anti-multilateral, ficou claro isso na nossa participação na Covax (Facility, consórcio internacional para a aquisição de vacinas), e nem uma política de enfrentamento da China”, declarou.
Diante da insistência de Araújo em dizer que não criou atritos com a China, o presidente da CPI, senador Omar Aziz (PSD-AM), disse que o ex-ministro “faltou com a verdade”. o Senador ironizou, dizendo que a demissão do diplomata do governo Bolsonaro foi uma “injustiça muito grande”. “Não dá para permitir que nossos ouvidos aqui e aquilo que a gente assistiu passe em branco”, acrescentou.
Omar então cobrou o ex-ministro sobre declarações públicas de Araújo anti-China. O senador citou um artigo intitulado “Chegou o comunavírus”, publicado pelo então chanceler.
“Quero alertá-lo que o senhor está sob juramento. Vossa Excelência deu várias declarações anti-China, se indispôs com o embaixador chinês. O senhor escreve um artigo e escreve ‘comunavírus’. Há pouco, disse que não houve nenhuma declaração. Posso ler o seu artigo. O senhor faz uma alusão, erroneamente, de que a pandemia era para ressuscitar o comunismo. Na minha análise pessoal, Vossa Excelência está faltando com a verdade. Peço que não faça isso, porque isso está escrito no seu Twitter, escreveu artigos sobre isso. Se isso não é se indispor com um país com quem temos relação comercial muito importante, então não entendo como se faz relações internacionais. Chegar aqui e desmerecer o que já praticou, dizer que nunca se indispôs com a China, Vossa Excelência está faltando com a verdade”, protestou Omar.
Araújo argumentou que o artigo ofende a China. “O artigo não é absolutamente contra a China. A leitura do artigo deixa isso claro”, afirmou. “Não vejo nada ali que seja ofensivo à China. O ‘comunavírus’, o artigo deixa claro, não é uma designação ofensiva ao coronavírus. É aquilo que o autor comentou chamando de ‘vírus ideológico’”, disse.
A explicação não convenceu Omar. “Como não é ofensivo? Se fala em vírus ideológico, se repercute que pode ser uma guerra química?”, questionou o senador.
Omar Aziz também lembrou do episódio em que Araújo respondeu ao embaixador chinês no Twitter. “Se quiser, leio alguns trechos do que escreveu. Vossa excelência até bateu boca com o embaixador chinês. Nega aquilo que escreveu, aí não dá”, disse.
“Nunca tive discussões via Twitter com o embaixador da China”, rebateu Araújo.
“Fiz duas notas do Itamaraty, uma em março e uma novembro, notas oficiais do Itamaraty. Não foram discussões minhas com o embaixador da China”, emendou.
Segundo Araújo, as notas apontavam “comportamento inadequado por parte do embaixador da China. Não foi bate-boca com o embaixador da China”, disse.
Em 2020, críticas do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) ao país asiático e o fato de chamar o coronavírus causador da Covid-19 de “vírus chinês” levaram o embaixador chinês, Yang Wanming a se posicionar exigindo um pedido de desculpas.
Na época, Ernesto Araújo disse que as críticas de Eduardo “não refletem a posição do governo brasileiro”, mas que era “inaceitável que o Embaixador da China endossasse ou compartilhe postagem ofensiva ao Chefe de Estado do Brasil e aos seus eleitores”.
À CPI, Araújo disse que, apesar de ter momentos em que se queixou da atitude do embaixador, não acredita que nenhuma de suas declarações tenha sido “anti-China”. “Não defendi Eduardo Bolsonaro. Me referia ao fato do embaixador ter feito um retuíte de uma postagem criticando o presidente da República.”
O relator Renan Calheiros, então, questionou Araújo também sobre declarações do presidente Jair Bolsonaro contrárias à China, como quando afirmou, em outubro de 2020, que “da China nós não compramos” e que não acreditava “que a vacina passe segurança quanto a sua origem”. O ex-chanceler disse que não discutiu essa questão com o presidente.
Renan citou ainda episódios em que Eduardo Bolsonaro e o ex-ministro Abraham Weintraub culparam a China pela pandemia.
“Eu não vejo nos exemplos que o senhor mencionou hostilidade com relação à China”, respondeu Araúnjo. “Não se pode ver no comércio com o país nenhum indício de perda de qualidade nessa relação”, completou.