MANAUS – A deputada estadual Débora Menezes (PL) apresentou na terça-feira, 14, um projeto de lei (PL) na ALE-AM (Assembleia Legislativa do Estado do Amazonas) que proíbe o uso da linguagem neutra nas escolas públicas e privadas do Amazonas.
A proposta da parlamentar pretende proibir expressamente a linguagem neutra na grade curricular e no material didático das instituições de ensino públicas e privadas no Estado.
“(…) a Língua Portuguesa não é preconceituosa ou opressora, e não deve ser utilizada como substantivo de uma pequena militância ideológica. Isso porque, a norma da forma que encontramos hoje, deriva de um processo de construção da língua portuguesa, onde o que era neutro do latim passou a ser o masculino em nossa atual língua. E ainda que, constitua uma verdade que a língua é “viva” e mutável, suas alterações devem decorrer de parâmetros técnicos e não fruto de polarização política”, diz a parlamentar em trecho da justificativa do projeto.
A linguagem neutra foi adotada pelo governo federal em eventos oficiais de posse de ministros neste ano. O cerimonial usou a expressão “todas, todos e todes”. O objetivo do uso do pronome neutro é para incluir pessoas que não se identificam com os gêneros masculino e feminino.
“(…) verifica-se que a pretensão de uma linguagem neutra ou “não binária” é, em verdade, retrato de uma posição sociopolítica, sem qualquer embasamento linguístico ou científico, que, nem de longe, representa uma demanda social, mas de minúsculos grupos militantes, que têm por objetivo avançar suas agendas ideológicas, utilizando a comunidade escolar como massa de manobra”, diz Débora em outro trecho da proposta.
A proposta de Débora Menezes, eleita para seu primeiro mandato na ALE-AM colada em pautas da extrema direita, vai à contramão do entendimento do STF (Supremo Tribunal Federal), que no dia 11 de fevereiro declarou inconstitucional uma lei do estado de Rondônia que proíbe o uso de linguagem neutra em instituições de ensino e editais de concurso.
A advogada Denise Coêlho, especializada em Direito Constitucional e Processo Legislativo, destacou o entendimento do STF sobre o tema.
“Recentemente o STF julgou inconstitucional Lei semelhante do Estado de Rondônia, pela inconstitucionalidade formal, pelo seu conteúdo “Linguagem Neutra”, pois o ente federativo legislou acerca de algo que não lhe compete. No caso a norma analisada estava contrariando as diretrizes básicas estabelecidas pela União, que tem competência privativa para legislar acerca do tema, conforme dispõe o art. 22, inciso XXIV, da Carta Magna. A despeito de que os Estados podem legislar de forma conjunta sobre educação, estes deverão obedecer às normas gerais editadas pela União. Desta forma, cabe à União estabelecer regras minimamente uniformes em todo território nacional”, detalhou Coêlho.
Nesse sentido, o Projeto de Lei proposto na Casa Legislativa do Amazonas, segundo a advogada, “incorreu no mesmo erro formal, podendo na Comissão de Constituição, Justiça e Redação analisar e arquivar o projeto”.
“Caso siga para proposição poderá ser objeto de Ação Direta de Inconstitucionalidade como foi o caso da Lei citada do Estado de Rondônia”, avaliou a especialista em Direito Constitucional.
‘Deputada busca visibilidade em segmento conservador’
A doutora em Antropologia e especialista em gênero e violência da Ufam (Universidade Federal do Amazonas), Flávia Melo, analisou que o projeto, já derrubado pelo STF, apenas onera o legislativo estadual e atrai o eleitorado conservador para a deputada autora.
“Essa proposta se alinha a projetos similares, que observamos no legislativo municipal, estadual e federal há praticamente dez anos. O projeto se alinha às pautas conservadoras e àquela categoria acusatória da ideologia de gênero. O projeto, de partida, está fadado ao fracasso porque, ainda que aprovado por displicência ou conivência na ALE-AM, ele será avaliado a partir da decisão do STF que no início deste mês de fevereiro decidiu pela inconstitucionalidade dessa matéria. Talvez pudéssemos pensar o porquê da insistência nesse projeto de lei, considerando que já existe essa decisão do STF, o que fará com que esse tema não vingue. Uma possível estratégia é onerar o trabalho legislativo, não no sentido de transformar isso em cortina de fumaça, mas de criar uma certa visibilidade em um segmento mais conservador. O projeto, para nós, defensores dos direitos humanos e ativistas dos direitos LGBTQI+, é inofensivo, mas do ponto de vista legislativo ele onera a Assembleia Legislativa e do ponto de vista político traz benefícios apenas a quem o propõe”, analisou a especialista.
Linguagem neutra
A denominada linguagem neutra surgiu com a intenção de representar pessoas não binárias, que não se identificam nem com o gênero masculino nem com o feminino.
Seu uso ganhou espaço em ambientes como as redes sociais. Por essa linguagem, a palavra “todos”, por exemplo, pode ser substituída por “todes”. Em vez dos tradicionais “ele”, “ela”, “dele” e “dela”, podem ser utilizados pronomes como “ile”, “dile”, “elu” e “delu”.