MANAUS – Mesmo alertada sobre a possibilidade do texto ser inconstitucional por invadir a competência privativa da União de legislar sobre a assuntos de trânsito, a Assembleia Legislativa do Amazonas (ALE-AM) aprovou um projeto de lei que proíbe a apreensão, retenção ou recolhimento de veículos por débitos de IPVA nas operações de fiscalização realizadas pela autoridade de trânsito, “sem o devido processo legal”.
O projeto aprovado na quarta-feira (18), de autoria do deputado Wilker Barreto (sem partido), prevê ainda que o Estado deverá disponibilizar mecanismos para a cobrança separada do Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotores (IPVA) das taxas e do licenciamento anual.
Na justificativa do projeto, Wilker disse que, constitucionalmente, a apreensão não pode ocorrer porque configura confisco, o que é vedado pelo artigo 150 da Constituição Federal (CF). O parlamentar cita ainda súmulas do Supremo Tribunal Federal (STF) que consideram como inadmissível a apreensão de “mercadorias” como meio coercitivo de pagamento de tributos.
“A Constituição fala que ninguém será privado dos seus bens sem o devido processo legal. Em matéria de imposto, você não pode apreender bens para obrigar a cobrança, salvo todo um processo administrativo judicial. Nós não estamos isentando o IPVA, mas se esta moda pega, quando você estiver com atraso de IPTU, você não entra em casa”, declarou o deputado em sessão.
Consultado pelo ESTADO POLÍTICO, o Departamento Nacional de Trânsito (Denatran) afirmou nesta quinta-feira (19) que há vício de constitucionalidade no projeto.
“Como um veículo sem o IPVA pago é considerado não licenciado, o Código de Trânsito Brasileiro (CTB) prevê o caso como infração, com penalidade de multa e apreensão do veículo, por força do artigo 130, parágrafo 2º e do artigo 230, inciso V”, informou o órgão.
“A Constituição Federal concede à União a competência para legislar privativa sobre trânsito. Nenhuma lei distrital ou estadual consegue suprimir uma lei federal. Este projeto de lei, aprovado pela Assembleia Legislativa, possui vício de constitucionalidade”, acrescentou.
Outros alertas
Em nota técnica enviada à ALE-AM em 2019 por solicitação do deputado Roberto Cidade (PV), então relator da matéria na Comissão de Transporte, Trânsito e Mobilidade (CTTM) da Casa, hoje presidente, o Departamento Estadual de Trânsito do Amazonas (Detran-AM) também apontou inconstitucionalidade da matéria.
Segundo o Detran-AM, “o dispositivo constitucional atribui como competência privativa da União legislar sobre matéria de trânsito”, ao citar o artigo 22 da CF.
“A pretensa norma tem por objetivo criar preceito impeditivo de conduta à autoridade de trânsito estadual, de modo a revogar no Amazonas, ainda que tacitamente, aregrado artigo 230,V do Código de Trânsito Brasileiro”, afirmou.
“Deste modo, caso aprovada, a pretensa norma atingirá negativamente a competência do artigo 230, V do Código de Trânsito Brasileiro, que prevê como infração de trânsito a condução de veículo, sem que esteja devidamente registrado e licenciado, cuja medida administrativa cabível é de remoção do veículo”, completou a nota.
Sobre as súmulas do STF, a nota técnica do Detran-AM “não detém natureza vinculante, logo não aplicavies ainda que para casos idênticos, fazem referências a regras de funcionamento de estabelecimento comercial, circulação de mercadorias e exercício de atividade profissional, respectivamente, e, de longe, guardam relação com circulação de veículos”.
O projeto teve parecer negativo do relator Roberto Cidade na CTTM. Nas comissões de Constituição, Justiça e Redação (CCJR) e de Assuntos Econômicos (CAE), os pareceres finais foram favoráveis.
Agora, aprovado em Plenário, o texto segue para a sanção do governador Wison Lima (PSC). A tendência é que ele vete o projeto.
Detran-AM
Em nota nesta quinta-feira (19), o Detran-AM também se posicionou contra a matéria aprovada pela ALE-AM. Para o órgão, o projeto avançou sobre a competência da União.
A nota
O Departamento Estadual de Trânsito do Amazonas (Detran-AM), respeitando a independência dos Poderes e reconhecendo o importante papel da Assembleia Legislativa do Estado do Amazonas (Aleam), vem a público se manifestar acerca da aprovação do Projeto de Lei 241/2019, pelo Legislativo Estadual.
O presente PL, assim como foi demonstrado na Nota Técnica enviada por este Departamento à Aleam no dia 21 de outubro de 2019, invade competência da União ao tratar de licenciamento, ao tratar de “apreensão” de veículo, indo muito mais além de uma questão eminentemente tributária estadual. Tanto que, durante a tramitação do Projeto de Lei, o mesmo recebeu parecer contrário em duas das três comissões pelo qual foi submetido: Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) e Comissão de Transporte, Trânsito e Mobilidade (CTTM), cujos relatores foram, respectivamente, os deputados estaduais Saullo Vianna (PPS) e Roberto Cidade (PV), os quais tiveram seus pareceres rejeitados.
Na Nota Técnica enviada à Aleam, o Detran-AM já alertava sobre a violação do artigo 22, inciso XI, da Constituição Federal de 1988; da violação do preceito contido no §2º do artigo 131 do Código de Trânsito Brasileiro (CTB); além da aplicação equivocada dos conceitos de apreensão e remoção veicular, bem como outros entendimentos jurisprudenciais aplicados erroneamente para embasar a justificativa do Projeto de Lei 241/2019, como as súmulas não vinculantes 70, 323 e 547 do Supremo Tribunal Federal (STF).
De acordo com o inciso XI do artigo 22 da CF, “compete privativamente à União legislar sobre trânsito e transporte”. Já o §2º do artigo 131 do CTB, que inclusive foi considerado constitucional pelo STF ao julgar a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 2998, “o veículo somente será considerado licenciado estando quitados os débitos relativos a tributos (IPVA), encargos e multas de trânsito e ambientais, vinculados ao veículo”.
Além disso, desde 2016, a Lei 13.281 retirou do CTB a penalidade de “apreensão” do veículo, mantendo apenas a medida administrativa de “remoção” em caso de licenciamento em atraso.
Por fim, as Súmulas não vinculantes n º. 70, 323 e 547/STF, citadas no PL 241/2019, não se relacionam com a norma de trânsito que pressupõe o licenciamento veicular para sua regularidade e, por conseguinte, circulação.
Fora o exposto acima, o processo legislativo relativo à entrada em vigor do Projeto de Lei 241/2019 está em andamento e ainda carece de análise do Executivo Estadual que tem poder de veto parcial ou integral.
Por fim, o Detran-AM reforça à sociedade amazonense que, como órgão integrante do Sistema Nacional de Trânsito, vai seguir respeitando o que preceitua o Código de Trânsito Brasileiro (CTB), primando pela conscientização dos condutores e respeitando sua missão constitucional de fiscalizar condutores irregulares quando necessário.
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