MANAUS – A defesa prévia do vice-governador Carlos Almeida (PTB) no processo de impeachment foi apresentada na manhã desta quarta-feira (22) na Assembleia Legislativa do Amazonas (ALE-AM). A peça foi protocolizada às 9h21. E inclui, além da defesa em si, um parecer assinado pela advogado Rennan Thamay.
Logo na introdução, a defesa prévia, assinada pelo advogado Luiz Viana Queiroz, afirma que “Não se imputa ao Vice-Governador nenhum ato governamental que, nem mesmo em tese, pudesse ser admitido como crime de responsabilidade”.
O documento pede que a denúncia movida pelo Sindicato dos Médicos do Amazonas (Simeam) seja arquivada por “ilegitimidade passiva do Vice-Governador”, “inépcia do pedido” e “ausência de justa causa”.
A defesa, contudo, pede que o processo, que também envolve o governador Wilson Lima (PSC), tenha andamento para que haja ampla defesa.
“A defesa do Vice-Governador está convencida de que a denúncia será arquivada, mas em respeito ao princípio da eventualidade, já que o art.396 do CPP, apontado como fundamento no mandado de citação, requer a produção de todos os meios de prova admitidos em direito, especialmente, oitiva das testemunhas abaixo arroladas, bem como perícias que se fizerem necessárias, especialmente, perícia orçamentária, contábil e financeira sobre os gastos que foram apontados na inicial”, conclui a peça, que tem 23 páginas.
O documento, ao citar o parecer de Thamay, afirma que o processo de impeachment, previsto em lei federal, não é cabível na esfera estadual.
Diz ainda que para um eventual afastamento do cargo “é necessária a comprovação da prática de ato enquanto titular do cargo (Governador em exercício), caso que não ficou devidamente comprovado — por não existir qualquer crime praticado — nas denúncias apresentadas”.
Em outro trecho, a defesa faz uma comparação com um pedido de impeachment voltado contra o ex-presidente Michel Temer (MDB) à época em que ele era vice de Dilma Rousseff (PT), quando o então presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (MDB), que, ao negar o pedido, afirmou: “O só fato de ser Vice-Presidente não é causa suficiente para considerá-lo corresponsável por toda e qualquer irregularidade eventualmente praticada pela Presidente na condução da política econômica do seu governo”.
Dilma, como é sabido, foi afastada e Temer herdou o mandato.
O documento lembra ainda que o processo do impeachment foi questionado na Justiça, que decidiu suspendê-lo. “Mesmo que fosse possível e a parte fosse legítima, ainda assim a presente denúncia não poderia prosseguir porque está suspensa por ordem judicial”.
Ponto a ponto
A peça faz defesa específica de três supostas irregularidades apontadas pelo Simeam na denúncia: renúncia de créditos tributários de ICMS, autorização de fomento a evento televiso e o pagamento de dívidas de gestões anteriores em meio à pandemia.
Em relação à renúncia fiscal, o advogado lembra que Almeida estava como governador em exercício quando enviou projeto de lei com este teor, mas que a proposta foi alterada por um outro texto posteriormente enviado pelo governador Wilson Lima.
“Pois bem, ainda que tivesse se concretizado, pelo Dr. Carlos Alberto Souza de Almeida Filho, a prática de conduta no exercício da substituição do Senhor Governador, materializada pela mensagem nº 149/2019, o titular praticou ato posterior, tornando, aquela, sem efeito, tanto é assim que o projeto de Lei complementar nº 16/2019 foi aprovado com o “substitutivo” enviado pelo Senhor Governador Wilson Miranda Lima, conforme fazem prova a ata e o texto legal correspondentes”, afirma.
Para reforçar que não houve ilegalidade no ato, o documento ressalta que o projeto de lei complementar nº 16/2019 foi aprovado pela ALE-AM e sancionado pelo desembargador Yedo Simões, o então presidente do Tribunal de Justiça do Amazonas (TJ-AM), que atuou em substituição ao governador.
“Assim sendo, seja pela perda do objeto, seja pela mais completa licitude do ato, improcede a alegação dos Denunciantes neste ponto, razão da ausência de justa causa para o recebimento da denúncia”, frisa.
Sobre a autorização para o evento televisivo (o campeonato de futebol amador Peladão, da TV A Crítica), o advogado lembra que Almeida à época acumulava o cargo de secretário da Casa Civil e que nesta função praticou dois atos nesse processo ao longo de 2019: encaminhamento do caso à Controladoria Geral do Estado (CGE) e a publicação posterior de um despacho administrativo reconhecendo a pertinência do convênio com a finalidade da política pública de desenvolvimento do esporte do Amazonas, ratificando o parecer da CGE.
O documento observa que o covênio foi autorizado pelo governador e celebrado com a Secretaria de Esporte, Juventude e Lazer, “cujo Secretário foi o ordenador das despesas correspondentes”. “Fixadas essas premissas, cumpre esclarecer que o Dr. Carlos Alberto Souza de Almeida Filho não foi o agente público que autorizou o financiamento do projeto”, reforça.
Sobre as críticas do pagamento ter sido realizado em meio à crise no sistema de saúde, a defesa ressalta que a rubrica orçamentária que deu suporte ao financiamento do evento foi instituída no final de 2018 visando o exercício de 2019, “quando foram definidas as prioridades e o planejamento orçamentário correspondentes, razão pela qual sequer se sustenta eventual censura política a tal ato”.
Em relação à denúncia de pagamento de dívidas de gestões anteriores em meio à pandemia de Covid-19, a defesa diz que “os denunciantes sequer apontaram qualquer ato de ordenação de despesa efetuado pelo Dr. Carlos Alberto Souza de Almeida Filho”. “Assim, como explorado em tópicos anteriores, mesmo que se tratasse de ato ilícito, o que não é, em absoluto, poderia, ele, ser punido por conduta de terceiro”.
Como secretário da Casa Civil, a peça ressalta que Alemida “não possuía a atribuição de referendar, anuir ou autorizar despesas para pagamentos de débitos de gestões anteriores”.
A decisão de pagar, afirma, não dependeu da conveniência da gestão, mas foi imposição de decisão judicial. “Acrescente-se que o ato de ordenação de despesas visando quitar dívidas de gestões anteriores não configura ilícito algum, seja crime ou infração cível administrativa, pelo contrário, consiste em dever da Administração Pública em assim proceder, motivo porque sequer irregularidade existe”, acrescenta.
Notificações
Wilson Lima e Carlos Almeida Filho foram notificados oficialmente sobre a abertura do processo de impeachment contra os dois na ALE-AM na última sexta-feira (17), quando iniciou a contagem de prazo de 10 dias úteis para que eles apresentassem defesa prévia ao parlamento.
Wilson assinou o mandado de citação às 10h23, na sede do governo, na Compensa, Zona Oeste de Manaus. Vinte e quatro minutos depois, Carlos assinou o mandado de citação direcionado a ele, no condomínio Ponta Negra 1, no bairro de mesmo nome, também na Zona Oeste da capital.
Abertura
O presidente da ALE-AM, deputado Josué Neto (PRTB), aceitou no dia 30 de abril dois pedidos de impeachment de igual teor formulados, um contra o governador e outro contra o vice, pelos representantes do Sindicato dos Médicos do Amazonas (Simeam). Josué unificou os processos contra o titular e o vice em um só.
A medida foi alvo de crítica da base de apoio a Wilson e Carlos, que acusou Josué de ter interesse pessoal no processo, pois ele é o segundo na linha sucessória para a assumir o governo.
Depois de idas e vindas na Justiça, a tramitação do processo foi retomada e a Comissão Especial do Impeachment foi efetivamente formada na última semana, elegendo dois governistas para a presidência e relatoria, Alessandra Campelo (MDB) e Doutor Gomes (PSC), respectivamente.
Em cerca de 600 páginas, as denúncias do Simeam apontam supostas irregularidades praticadas pela atual gestão e problemas enfrentados pelo setor da saúde. Os documentos estão baseados “na negligência e omissão do estado em relação à saúde durante a pandemia do Covid-19”.
‘Sem argumentos e eleitoreiro’
Em nota divulgada no último dia 8, Wilson declarou que a decisão de aceitar a abertura do processo foi feita de forma solitária pelo presidente da Assembleia Legislativa, “com o claro interesse de promoção política, tendo em vista as eleições que se aproximam e para com as quais já tornou públicas suas pretensões”.
O governador disse considerar que “o pedido de impeachment não apresenta argumentos ou fatos que apontem para crimes de responsabilidade, não tendo, portanto, qualquer amparo legal”. Wilson Lima também reafirmou que “acredita na democracia e que a decisão da maioria, demonstrada por meio do voto popular, deve ser respeitada”.
Na última quarta-feira (15), Wilson reafirmou que o processo é movido por interesses eleitorais.
Já Carlos Almeida, por meio de sua defesa, declarou, em maio, que a inclusão do vice no processo não encontra amparo jurídico.
Próximos passos
Após a apresentação da defesa prévia de Wilson Lima e Carlos Almeida, a comissão terá 10 dias para elaborar o parecer de admissibilidade da denúncia. O relator apresentará esse documento aos membros da comissão para votação interna. Caso aprovado, o parecer será lido em plenário e publicado no portal da transparência da ALE-AM junto com as denúncias que motivaram a abertura do processo.
Após 48 horas da publicação do parecer, o documento será incluído na pauta de votação da Casa Legislativa. A análise em plenário será por meio de votação individual dos deputados, podendo ser aprovado ou rejeitado. O quórum será de maioria simples, ou seja, mais da metade dos parlamentares que estiverem presentes.
Caso a denúncia seja aceita, Wilson e Carlos terão 20 dias para apresentarem contestação.
Na etapa seguinte, a comissão fará diligências e oitivas para apurar as denúncias com maior profundidade, características do período de instrução do processo. Após essa fase, a comissão terá mais 10 dias para apresentar o parecer final sobre a matéria, que também será analisado e votado pelos deputados em plenário.
Desta vez, a votação ocorrerá por quórum qualificado, ou seja, o resultado dependerá da vontade de dois terços dos parlamentares.
Caso aprovado, Wilson e Carlos passam a ser considerados acusados e, com isso, afastados provisoriamente dos cargos até o fim do processo de impeachment.
O próximo passo é a formação do tribunal especial, responsável pelo julgamento do impeachment. A corte será composta por cinco deputados estaduais, escolhidos no plenário da Assembleia, e cinco desembargadores escolhidos por sorteio no pleno do Tribunal de Justiça do Amazonas (TJ-AM).
As reuniões serão presididas pelo presidente do TJ-AM, que só terá direito a voto em caso de desempate. O julgamento é o último passo do processo de impeachment e irá definir a perda ou não dos cargos de Wilson e Carlos.
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