MANAUS – Mesmo com o alerta da líder do governo, deputada Joana D’Arc (PL), de que a matéria é inconstitucional por vício de iniciativa, a Assembleia Legislativa do Amazonas (ALE-AM) aprovou nesta quarta-feira (3), inclusive com o voto da líder, um projeto de lei que prevê indenização de R$ 100 mil para familiares de servidores das áreas de saúde e segurança que morrerem vítima de Covid-19.
Para os efeitos da lei, a matéria considera o trabalhador que foi infectado pelo vírus no exercício de suas funções. Mas não diz como isso pode ser feito. A transmissão do vírus no Amazonas ocorre de forma comunitária, condição quando, segundo as autoridades, não é mais possível saber exatamente onde e em que momento ocorreu a infecção.
Confira o teor do projeto aqui.
A iniciativa para este tipo de matéria, disse Joana, é de competência privativa do Poder Executivo. Isso porque gera despesas, além de criar e estruturar atribuições à estrutura do governo.
A parlamentar, que é advogada, defendeu que o projeto é inconstitucional, que tende a ser vetado e que votaria a favor por conta do mérito da proposta, que ela considera justo.
Joana pediu para subscrever a matéria. “Esse projeto é inconstitucional. Eu preciso dizer isso aos colegas e à sociedade, porque sou operadora do Direito, como vários outros colegas aqui”, afirmou. “Aprovaremos porque entendemos que temos que dar essa contribuição”, completou.
Dessa forma, a líder do governo contribuiu para que o ônus de um veto impopular a um projeto de grande apelo social fique com o governador Wilson Lima (PSC).
A deputada, em sua fala, lembrou que o autor da proposta (de número 197/2020), o deputado Delegado Péricles (PSL), é formado em Direito e presidente da Comissão de Constituição, Justiça e Redação (CCJR) da Casa, responsável pelo parecer quanto à constitucionalidade dos projetos.
Ela reclamou que, com a exceção do PL 197/2020, a CCJR tem sido muito “inflexível” na apreciação dos projetos dos deputados, emitindo pareceres contrários por problemas relativos à constitucionalidade das propostas. Muitas delas, disse Joana, ganham parecer contrário por uma “coisinha”.
“Eu e outros colegas já tivemos projetos que por muito menos tiveram pareceres de inconstitucionalidade, com vício de iniciativa, mesmo sem atribuir valor, uma obrigação ao Poder Executivo”, disse.
Na avaliação de Joana, ao aprovar propostas que são importantes para cada um dos parlamentares, os deputados estão se “empoderando”.
“Vou votar a favor porque entendo que é isso mesmo. O Poder Legislativo tem que dar respostas para a sociedade, ainda que algumas vezes a gente tenha que perpassar por algumas questões muito técnicas”, declarou ela, ao encaminhar a votação favorável da base aliada ao governo.
O decano do parlamento, deputado Belarmino Lins (Progressistas), também admitiu que o projeto é inconstitucional, mas declarou voto favorável porque, na sua visão, o mérito é “espetacular por alcançar centenas de pessoas que precisam”. “Vamos votar, sim, em um projeto ilegal, do ponto de vista da iniciativa”, disse.
Belão observou que Péricles, como jurista, “sabe perfeitamente que a iniciativa é do Executivo”.
O deputado mais experiente da ALE-AM disse ainda que a Casa tem que se preparar para um possível veto do governador à proposta e que, se ela for sancionada, vai criar um precedente perigoso.
O deputado Cabo Maciel (PL) disse que apresentou uma proposta com o mesmo teor, mas com o caminho certo a ser seguido no rito parlamentar nesses casos: uma indicação ao governo, com base em uma lei existente. Ainda assim, na votação do PL 197/2020, ele deu voto favorável, contribuindo para a aprovação “simbólica” do projeto.
Péricles, em resposta a Joana, lembrou que a CCJR tem cinco membros e que cada um tem a liberdade de fazer seu parecer.
Ao citar julgamentos de tribunais superiores, o deputado disse que há um novo entendimento de que quando se trata de matérias que envolvam direitos fundamentais a competência de iniciativa não fica restrita ao Executivo. Segundo ele, o PL 197/2020 trata do direito fundamental à vida e, com base nessa interpretação, não é inconstitucional.
Um fator que pode ajudar a compreender a postura dos deputados diante de questões como essa é que desde que tiveram que fazer sessões virtuais, eles estão mais expostos ao crivo popular das redes sociais. Assim, de forma instantânea, quem se manifestar contra uma proposta de grande apelo, mesmo que ela seja ilegal, vira alvo de críticas e sofre desgaste imediato.
Veja o que diz o artigo 1º do projeto:
Art. 1º Fica assegurado aos dependentes legais dos servidores públicos estaduais profissionais da área da saúde e da área da segurança pública, Incluindo os profissionais terceirizados que prestem serviços ao Estado do Amazonas, que, após terem contraído o novo coronavírus no exercício de suas funções profissionais, e no combate e enfrentamento ao COVID-19, vierem a falecer, uma indenização pecuniária, na importância de RS 100.000,00 (cem mil reais), a ser paga no prazo máximo de 06 (seis) meses, a contar da data do óbito.