MANAUS – O procurador da República Deltan Dallagnol será punido com “censura” por postagens na internet em que ele se posicionou contra a eleição do senador Renan Calheiros (MDB-AL) para a presidência do Senado, em 2019. A decisão do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) desta terça-feira (8) foi por nove votos a um.
O processo foi movido por Calheiros, que era candidato a presidente da Casa Legislativa. O senador acusa Deltan de influenciar as eleições ao fazer críticas a ele nas redes sociais. A disputa foi vencida pelo senador Davi Alcolumbre (DEM-AP). As postagens diziam, entre outras coisas, que, caso Calheiros fosse eleito, “dificilmente veremos reforma contra corrupção aprovada”.
Calheiros argumenta que houve “quebra de decoro” por interferência do MPF em outro poder.
A penalidade de censura é a segunda mais branda aplicada pelo CNMP, depois da advertência. A censura atrasa a progressão na carreira e serve de agravante em outros processos no conselho. Os procuradores também podem ser punidos com suspensão, demissão ou cassação da aposentadoria.
O processo contra Deltan foi incluído na pauta do conselho após decisão de sexta-feira (4) do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF).
Mendes reviu uma decisão anterior do ministro do STF Celso de Mello, que havia paralisado a análise do caso. Mello está afastado do Supremo desde 19 de agosto por problemas.
O relator do caso no CNMP, Otávio Rodrigues, votou para aplicar a penalidade de censura a Deltan e defendeu que esse caso não deve ser reduzido a um debate sobre liberdade de expressão. Segundo o conselheiro, Deltan “ultrapassou os limites da simples crítica, com manifestação pessoal desconfortável à vítima”. Para ele, o procurador “atacou de modo deliberado não só um senador da República, mas ao Poder Legislativo”.
Em nota divulgada após a decisão do CNMP, a Lava Jato no Paraná manifestou “irrestrito apoio” Deltan. Disse que, respeitosamente, discorda da decisão do colegiado e “externa sua solidariedade e amplo e irrestrito apoio ao colega”.
Renan Calheiros afirmou, por meio do Twitter, que a punição a Deltan foi “branda” e disse que o procurador pratica “odiosa perseguição” contra ele. “Entrarei com ação civil para reparação de danos morais”, informou.
Desgaste
Após série de desgastes, Deltan anunciou na semana passa ter deixado o comando da Lava Jato em Curitiba. A força-tarefa vem enfrentando pressão e questionamentos da Procuradoria-Geral da República (PGR), comandada Augusto Aras, com quem se envolveu em conflito sobre o sigilo dos dados sob investigação no Paraná.
Deltan atribuiu sua saída à necessidade de se dedicar a tratamento de saúde na família. O procurador teve sua atuação na Lava Jato posta em xeque após a divulgação em 2019 de diálogos e documentos obtidos pelo The Intercept.
No caso que ficou conhecido com Vaza Jato, as mensagens trocadas expuseram sua relação com o então juiz Sergio Moro e também um plano de negócios de eventos e palestras que Deltan a partir de contatos obtidos durante as investigações da Lava Jato.
Nota de defesa
Confira abaixo a nota da Lava Jato de Curitiba na íntegra:
Diante da notícia de que o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), em julgamento retomado sem a intimação pessoal de Deltan Dallagnol, deliberou pela aplicação da pena de censura, todos os demais integrantes da Força-Tarefa Lava Jato no Paraná, respeitosamente, discordando da decisão do colegiado, externam sua solidariedade e amplo e irrestrito apoio ao colega. No julgamento, originado de reclamação do senador Renan Calheiros (MDB/AL), com prosseguimento ordenado pelo ministro Gilmar Mendes, que revogou o entendimento liminar do ministro Celso de Mello, puniu-se o procurador da República Deltan Dallagnol por manifestação em rede social.
A reprovação de publicação sobre votação para presidente do Senado Federal diminui o espaço de contribuição de membros do Ministério Público para a democracia do país. Coibir manifestação pública, que não fira a ética e que seja engajada com a pauta de atuação funcional, acaba fixando a todo procurador e promotor uma possibilidade de participação em debates sociais e um direito de liberdade de expressão menores do que de outros cidadãos.
Não bastasse essa limitação ao exercício da cidadania, é válido ressaltar o quanto decidido sobre o caso pelo eminente ministro Celso de Mello. Em apreciação liminar, o decano do STF havia indicado os riscos de violação ao devido processo legal, à ampla defesa, à proibição de dupla punição pelo mesmo fato, e à liberdade de expressão. Expressamente consignou o ministro: “A garantia à livre manifestação do pensamento – um dos dogmas estruturantes do Estado Democrático de Direito – revela-se como elemento fundamental ao exercício independente das funções do Ministério Público, cuja voz não pode ser calada, sob pena de grave transgressão ao interesse público”.
Para além disso, espera-se sempre que o CNMP esteja atento para que, sobretudo em casos nos quais se busque curvar o Ministério Público à onipotência do poder ou aos desejos daqueles que o exercem, especialmente quando detentores de elevadíssima posição na República, a proibição ou mesmo as medidas tendentes a limitar o regular exercício do direito à liberdade de expressão de membros podem se revelar um desestímulo à posição altiva e independente que se espera de procuradores e promotores.