MANAUS – Um grupo de cientistas de diversas instituições e áreas de pesquisa apontam que a retomada das atividades não essenciais em Manaus, a partir da próxima segunda-feira (1º), mesmo gradual e condicionada a uma série de recomendações de prevenção sanitária, colocam em risco até 90% da população que ainda é susceptível ao novo coronavírus (SARS-CoV-2).
A nota técnica, assinada por pesquisadores ligados à Universidade Federal do Amazonas (Ufam), Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) e outras instituições de ensino e pesquisa, foi divulgada na quinta-feira (28) pelo Ministério Público do Estado (MP-AM). O documento reforça a posição do órgão pela adoção do lockdown (fechamento total).
“Nossos resultados indicam que entre 10 e 15% da população de Manaus contraíram o SARS-CoV-2, o que contrapõe pseudo-estudos que indicariam que a população estaria adquirindo imunidade de rebanho”, observam os pesquisadores.
Os cientistas sustentam que, se nenhuma ação for tomada para conter o avanço da pandemia em Manaus, muitas vidas ainda serão perdidas, pois de 85% a 90% da população ainda é susceptível à Covid-19.
“Com base na análise dos dados da situação de Manaus, frente a atual pandemia da COVID-19, recomendamos um isolamento social mais rigoroso para o município, e a não abertura do comércio ou retomada do transporte intermunicipal e interestadual, com a finalidade de diminuir o contágio e o número de óbitos em Manaus. Além disso, o isolamento social é essencial para assegurar a disponibilidade de UTIs que terão grande demanda dado o aumento expressivo de casos no interior do estado, uma vez que Manaus abriga a maior parte das Unidades de Terapia Intensiva do estado do Amazonas”, apontam.
Caso o número de óbitos e internações não diminuam expressivamente nestas quatro semanas, os estudiosos dizem que serão inevitáveis ações rigorosas como o lockdown, devido à necessidade de controle da pandemia “para mitigar a perda de vidas e para que não se postergue uma retomada econômica muito tardia”.
A nota aponta também que tanto o isolamento social propiciado pelo fechamento do comércio, quanto a interrupção dos transportes intermunicipal e interestadual contribuíram para a redução dos casos e óbitos em Manaus.
O documento afirma, ainda, que existem indicações fortes de uma elevada taxa de subnotificação de óbitos decorrentes da Covid-19, com pelo menos metade do valor total tendo causa atribuída a outras doenças.
“A nota é construída em torno de uma abordagem principal que são os modelos epidemiológicos, modelos matemáticos epidemiológicos, mundialmente já consagrados, e que foram utilizados com o melhor e a mais precisa informação sobre o curso da pandemia em Manaus. Então, em torno dos resultados desse modelo, que simula a progressão da pandemia em diferentes níveis de isolamento social, feito pela pelo grupo de matemáticos da equipe e outros profissionais das outras áreas, sociologia, ecologia, epidemiologia, reuniram suas competências para criar a nota, que fala, inclusive, de recomendações bastante concretas e objetivas para a condição de gerenciamento da crise da pandemia em Manaus”, explica o professor doutor Henrique dos Santos Pereira, da Ufam.
“A mensagem principal da nota técnica está na recomendação de precaução, o que implica em uma data de início do cronograma de flexibilização das medidas de isolamento mais adiante, ou seja, serem postergadas as medidas de flexibilização”, observa ele.
“O trabalho desenvolvido pelos pesquisadores só confirma aquilo que o MP sempre defendeu, que é o isolamento social como medida necessária para preservação de vidas”, disse a procuradora-geral de Justiça Leda Mara Albuquerque.
Confira a nota na íntegra.
Os autores
Assinam o documento:
- Lucas Ferrante – Biólogo, Mestre em Biologia pelo INPA, Doutorando em Biologia – PPG-Eco – Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA).
- Wilhelm Alexander Cardoso Steinmetz – Matemático, Doutor em Matemática, Université Paris-Sud 11/França – Departamento de Matemática (DM), Programa de Pós-Graduação em Matemática (PPGM), Universidade Federal do Amazonas (UFAM).
- Luiz Henrique Duczmal – Matemático, Doutor em Matemática, PUC/RJ – Departamento de Estatística (DEST), Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
- Rodrigo Tavares Teixeira – Matemático e cientista de dados, Mestre em Matemática, Escola de Tecnologia da Universidade do Estado do Amazonas (EST-UEA).
- Henrique dos Santos Pereira – Agrônomo (UFAM), Mestre (INPA) e Doutor em Ecologia (PSU/EUA), Centro de Ciências do Ambiente, Universidade Federal do Amazonas (UFAM).
- Jeremias da Silva Leão – Estatístico, Doutor em Estatística (UFSCar/USP), Programa de Pós-Graduação em Matemática, Universidade Federal do Amazonas (UFAM).
- Fabio Magalhães Candotti – Cientista Social (USP), Doutor em Sociologia (Unicamp), Departamento de Ciências Sociais, Universidade Federal do Amazonas (UFAM).
- Fabricio Beggiato Baccaro – Biólogo, Mestre em Ciências Biológicas (INPA), Doutor em Biologia (INPA), Departamento de Ciências Biológicas, Universidade Federal do Amazonas (UFAM).
- Ruth Camargo Vassão – Bióloga, Mestre em Imunologia pela Universidade de São Paulo (USP), Doutora em Imunologia pela Universidade de São Paulo (USP), Pós-Doutora em Imunologia pelo Instituto Max Planck em Imunobiologia de Freiburg (Alemanha), Pesquisadora Científico VI aposentada do Instituto Butantan.
No documento, os autores declaram não possuir conflitos de interesse, sendo suas atividades de pesquisa financiadas exclusivamente com verbas públicas da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino de Superior, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (Fapeam).
O que diz o governo
O plano de retomada foi definido a partir do mapeamento e análise não só dos indicadores sobre a evolução da pandemia, mas também de seus impactos, como disponibilidade de leitos e taxa de transmissão e óbitos por Covid-19 em Manaus. O governo poderá corrigir o curso de execução do plano, caso se observe uma tendência de novo pico de Covid-19 em Manaus.
“Todas as ações que tomamos são responsáveis, equilibradas, levando em consideração uma série de fatores, como diminuição de casos na capital e o aumento da estrutura de atendimento pro Covid-19. Conseguimos aumentar a quantidade de leitos clínicos e UTI e tudo isso fez com que tivéssemos um número de recuperados muito grande”, declarou governador Wilson Lima durante o anúncio do cronograma de retorno, na quarta-feira (27). Ele destacou que a taxa de recuperação no Amazonas é de 70%, a maior do país e acima da média nacional, de 40%.
Um comitê formado por representantes da área da saúde, ciência e economia é quem continuará avaliando o desempenho dos indicadores a partir da reabertura das atividades.
O planejamento contempla, ainda, a continuidade no investimento para ampliar a capacidade de testagem da população.