MANAUS – Juiz da 1ª Vara do Tribunal do Júri do Amazonas, George Hamilton Lins Barroso, declarou-se suspeito, “por razões de foro íntimo”, para julgar o caso do assassinato do engenheiro Flávio Rodrigues dos Santos.
Na decisão, datada do dia 1º de junho, o magistrado ressalta “imparcialidade do Juiz é mandamento básico do processo, condição fundamental para assegurar a presença e a observância dos direitos e garantias fundamentais consagrados na Constituição da República de 1988”. Ao que conclui:
Pelo exposto, considerando que o objetivo da regra processual de suspeição e de impedimento é preservar a imparcialidade do órgão julgador, a fim de que ele possa apreciar a demanda e realizar decisões com a equidistância necessária para aplicar o direito ao caso concreto, e com fulcro no Art. 145, §1º, do Código de Processo Civil, aplicado à esfera processual criminal por força do Art. 3º do Código de Processo Penal, declaro-me suspeito, por razões de foro íntimo, para continuar atuando no feito e determino, por conseguinte, a remessa dos presentes autos bem como de seus apensos ao meu substituto legal.
Levantamento do site Amazonas Atual aponta que George Hamilton é o 5º juiz que diz não ter imparcialidade suficiente para julgar o caso.
Leia a íntegra da decisão do magistrado abaixo:
Autos nº:0654422-21.2019.8.04.0001. Acusados: Elizeu da Paz de Souza e outros. DECISÃO Vistos etc. A imparcialidade do Juiz é mandamento básico do processo, condição fundamental para assegurar a presença e a observância dos direitos e garantias fundamentais consagrados na Constituição da República de 1988 e que devem conduzir a relação processual desde a origem até o trânsito em julgado. Por esta razão, andou bem o legislador em assegurar ao órgão julgador o exercício da jurisdição de forma descomprometida, com a devida isenção em suas Decisões, no sentido de propiciar um julgamento honesto, justo, aceitável e alheio a paixões. Tal garantia assegurada aos Magistrados, a qual advém do sistema acusatório adotado pelo Código de Processo Penal pátrio, tem como pressuposto essencial a observância do princípio do devido processo legal, expressamente previsto no Art. 5º, inciso LIV, da CF/88. Nesse sentido: ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. INDEFERIMENTO LIMINAR DE ARGUIÇÃO DE SUSPEIÇÃO (ART. 135, INCISO V DO CPC) PELO PRÓPRIO MAGISTRADO DE PRIMEIRO GRAU. MANUTENÇÃO DO ANDAMENTO DO PROCESSO. INADMISSIBILIDADE (ART. 306 DO CPC). DESLINDE PROCESSUAL QUE INDICA AUSÊNCIA DA DESEJÁVEL IMPARCIALIDADE DO JUIZ. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. 1. É dever do Magistrado exercer a sua competência jurisdicional com impessoalidade, desatrelado de sentimentos ou interesses próprios, comprometendo-se, todavia, com os valores que emanam da ordem jurídica – sobretudo com a justiça. 2. Para assegurar a imparcialidade do Órgão Julgador, o Estatuto Processual Civil enumera algumas situações nas quais o Juiz, na sua condição de pessoa natural incumbida de promover a prestação jurisdicional, considera-se fragilizado em sua capacidade de ser firme e imparcial, com o risco de mostrar-se menos resistente a pressões e tentações a que, como ser humano, poderia estar sujeito: vêm daí os conceitos de impedimento e suspeição do juiz (CPC, arts. 134-135), como leciona o Professor Cândido Rangel Dinamarco (Instituições de Direito Processual Civil I, São Paulo, Malheiros, 2001, p. 202). 3. Verifica-se a suspeição do Magistrado que, ao receber exceção de suspeição contra si (art. 304 do CPC), indefere, ele próprio, a petição liminarmente e promove o andamento do feito, em clara inobservância às normas processuais, que exigem a imediata suspensão do processo e a autuação da exceção em apenso aos autos principais, com posterior resposta, pelo Juiz, no prazo de 10 dias e a consequente remessa dos autos ao Tribunal a que se encontra vinculado, para o julgamento do incidente (arts. 265, III e 313, do CPC). 4. Recurso Especial provido, determinando-se a remessa dos autos ao substituto legal do Magistrado de piso (art. 314 do CPC). (grifos meus). (STJ – REsp: 1440848 DF 2013/0401753-2, Relator: Ministro ARI PARGENDLER, Data de Julgamento: 06/05/2014, T1 – PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 04/08/2014). Pelo exposto, considerando que o objetivo da regra processual de suspeição e de impedimento é preservar a imparcialidade do órgão julgador, a fim de que ele possa apreciar a demanda e realizar decisões com a equidistância necessária para aplicar o direito ao caso concreto, e com fulcro no Art. 145, §1º, do Código de Processo Civil, aplicado à esfera processual criminal por força do Art. 3º do Código de Processo Penal, declaro-me suspeito, por razões de foro íntimo, para continuar atuando no feito e determino, por conseguinte, a remessa dos presentes autos bem como de seus apensos ao meu substituto legal. Providências via Secretaria da Vara. Cumpra-se. Manaus, 01 de junho de 2021. George Hamilton Lins Barroso Juiz de Direito Sumariante.
O caso
O crime ocorreu em setembro de 2019 e o processo tem como réus José Edvandro Martins de Souza Júnior; Mayc Vinícius Teixeira Parede; Alejandro Molina Valeiko; Paola Molina Valeiko e Elizeu da Paz de Souza.
Alejandro e Paola são enteados do ex-prefeito de Manaus, Arthur Neto (PSDB), filhos de Elisabeth Valeiko. Na época, o político ainda estava no cargo.
A casa onde Alejandro morava, em um condomínio da Zona Oeste da capital do Amazonas, foi o último local onde Flávio foi visto com vida, no dia 29 de setembro de 2019.
Houve uma festa no local e, no dia seguinte, o engenheiro foi encontrado morto em um terreno no Tarumã. O corpo apresentava uma perfuração provocada por faca.
O relatório policial apontou Elizeu e Mayc como responsáveis direto pelo homicídio. Já Alejandro foi responsabilizado pelo homicídio, mas por “omissão”. A polícia concluiu que ele tinha meios de impedir o crime, mas não o fez.
Nos autos, Alejandro, Elizeu e Mayc são indiciados por homicídio qualificado (de Flávio) e tentativa de homicídio (de Elielton Magno). Os três também foram indiciados pelo crime de ocultação de cadáver.
Elizeu, que era policial militar lotado na Casa Militar do Município de Manaus e atuava como segurança de Alejandro, foi indiciado também por fraude processual.
Paola foi indiciada por fraude processual.
Após ser indiciado, Alejandro passou 20 dias preso no Centro de Detenção Provisória Masculino 1 (CDPM 1) e deixou o local após decisão liminar do STJ (Superior Tribunal de Justiça), concedida no dia 26 de dezembro.
O filho da primeira-dama passou a cumprir prisão domiciliar, até ser preso novamente em 17 de março. A prisão foi revogada uma semana depois pela juíza do caso, Ana Paula de Medeiros Braga, da 2ª Vara do Tribunal do Júri, após recurso da defesa.
Desde então, Alejandro segue em prisão domiciliar.