Por Agência Brasil |
Quase dois anos depois de massacres em prisões do Amazonas, Rio Grande do Norte e de Roraima, providências não foram tomadas a contento e famílias não foram reparadas. Essas são as conclusões de relatório lançado hoje (28) pelo Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, órgão que faz parte da estrutura do Ministério dos Direitos Humanos e que verifica as condições de unidades prisionais e a situação de pessoas encarceradas nesses locais.
Os massacres nos presídios dos três estados ocorreram entre outubro de 2016 e janeiro de 2017 e terminaram com a morte de 126 pessoas. Eles também teriam deixado, conforme o relatório, um “número expressivo de pessoas não localizadas e feridas”. Os principais locais foram os complexos penitenciários Anísio Jobim, em Manaus, a Penitenciária Agrícola de Monte Cristo, em Boa Vista, e a Penitenciária de Nísia Floresta, em Alcaçuz (RN).
Os autores do relatório reconheceram medidas adotadas por autoridades estaduais e federais, mas classificaram-nas como “insuficientes” para garantir os direitos dos presos, familiares, trabalhadores do sistema penitenciário, combater as causas e evitar novos casos como aqueles de forma eficaz e sustentável. As providências tiveram caráter de repressão, mas não de reversão das crises, informou o documento.
Massacre deixou 56 mortos
Na tarde do dia 1° de janeiro de 2016, o pior massacre do sistema carcerário do Amazonas chocou o país. Desencadeada pela guerra entre facções rivais e em protesto contra a superlotação, uma rebelião no Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj) resultou na morte de 56 detentos, além da fuga de 130.
A rebelião começou por volta de 16h, quando alguns detentos do pavilhão 3, entre eles membros da facção criminosa Família do Norte (FDN), renderam agentes e trocaram tiros com policiais militares em uma área da unidade prisional chamada de “seguro”. Lá ficavam os presos considerados vulneráveis e alguns membros de outra facção, o Primeiro Comando da Capital (PCC).
Providências
No Amazonas, o Tribunal de Justiça e o Ministério Público estadual aumentaram o número de juízes e promotores responsáveis pela execução penal e o governo estadual estuda concurso para agentes penitenciários. Contudo, a contratação desses profissionais de forma terceirizada e o custo desse modelo, que consome cerca de 80% do orçamento da Secretaria Estadual de Administração Penitenciária, foram apontados como limitações.
No Rio Grande do Norte, foi feito um concurso para agentes penitenciários. O governo estadual também fez reformas em unidades prisionais e promoveu um “esforço de melhoria na organização das atividades do sistema prisional”. Porém, as metas assumidas ainda em 2015 não vêm sendo levadas a cabo, como programas de qualificação de servidores, investimento em sistemas de penas alternativas e iniciativas de monitoramento eletrônico.
Omissão permanente
Em Roraima, os autores verificaram na penitenciária de Monte Cristo uma situação permanente de omissões dos poderes públicos desde 2015, que piorou a partir do massacre de 2017. “Não há monitoramento dos espaços internos, serviços são oferecidos de forma episódica e o nível de hostilidade entre presos e agentes penitenciários é altíssimo, principalmente depois do desaparecimento de pessoas presas em abril de 2017”, informa o documento.
O texto informa que juízes, promotores e defensores não fazem visitas de fiscalização e pessoas presas estão “isoladas e vulneráveis ao arbítrio dos servidores”. Ao longo do ano, houve um imbróglio jurídico envolvendo recursos repassados pelo governo federal para reforma da Penitenciária de Monte Cristo e da construção de uma nova. A falta de solução levou os ministérios públicos Federal e Estadual a pedir intervenção federal no estado.
O número de detidos nas unidades analisadas quase dobrou, o que traz novas demandas pela administração da população carcerária. Nas visitas, foram constatadas práticas de humilhação e constrangimento de presos e intimidação de familiares.
Falta de política
Os autores do relatório dizem que embora o governo federal tenha repassado recursos aos estados na modalidade fundo a fundo, “nem esses estados, nem o próprio governo federal estão seguindo uma política estruturada para financiamento a partir de diagnóstico e planos de médio e longo prazo, não há racionalidade e real impacto na causa dos problemas”.
Outro problema apontado no documento foi o recrudescimento de políticas de repressão e de militarização das atividades da gestão prisional, “distanciando-se de boas práticas de gestão pública de natureza civil dirigidas pela perspectiva dos direitos humanos, da promoção da cidadania e da implementação de políticas e serviços para as pessoas que estão privadas de liberdade”. Um exemplo citado foi o uso da Força Nacional no Rio Grande do Norte, o que não impediu o agravamento da situação.
Da parte das autoridades, o relatório indicou uma dificuldade de reconhecer a responsabilidade pelos massacres e uma relativização da violência e dos danos causados nesses episódios. Isso se manifestou, exemplifica o texto, por meio de uma desconsideração dos detidos como pessoas merecedoras de proteção dos seus direitos. Em vez de assumir a responsabilidade, muitas autoridades preferiram colocar a “guerra de facções” como motivo central.
Recomendações
O relatório traz uma série de recomendações. Chama autoridades como tribunais, Ministério Público e defensorias para a responsabilidade de fiscalizar os sistemas prisionais analisados, cobra dos governos estaduais a melhoria da administração das unidades e o apoio aos familiares e defende que o governo federal, por meio do Departamento Penitenciário Nacional, invista no apoio aos egressos, na garantia de equipamentos de assistência, como espaços de saúde, educação e trabalho.