MANAUS – Leia abaixo a decisão do Juiz da 37ª Zona Eleitoral do Amazonas, em substituição, Francisco Soares de Souza, anulando provas e suspendendo a investigação contra o deputado estadual Saullo Vianna (PPS).
Decisão trancamento dos autos SADP n.:8793/2018
Autos ns. 14280-81.2018.8.04.320; 18458-73.2018.8.04.3200 e 16622-65.2018.8.04.3200
SADP: 8793/2018
DECISÃO
Vistos etc.
Recebo os autos epigrafados conclusos para análise dos pedidos de decretação de nulidade de
provas e restituição de bens apreendidos subscritos por Saulo Velame Viana rotulado.
Argumenta, em apertada síntese, que todas as provas produzidas no âmbito dos procedimentos
investigatórios em epígrafe são nulas, porque determinadas por juízo incompetente.
Suscita, também, a ilicitude das provas derivadas na trilha da teoria do fruto da árvore envenenada.
Sendo este o meu primeiro contato com os 4 (quatro) álbuns processuais que tramitam
conjuntamente, reputo necessário, primeiramente, historiar os acontecimentos processuais
relevantes.
Em razão da notícia de crime apresentada por Gérson José Feitosa de Oliveira em 3/10/2018, então
candidato ao cargo de deputado federal nas eleições de 2018, o Ministério Público Federal instaurou
procedimento administrativo de investigação criminal visando apurar a suposta ocorrência do delito
tipificado no art. 317 do Código Penal Brasileiro (corrupção passiva), tendo em vista a informação de
que o oficial de justiça “ad hoc” do Tribunal Regional Eleitoral do Amazonas, Wagner Oliveira Avinte
da Silva, teria solicitado vantagem indevida do noticiante.
A fraude oferecida pelo acusado consistia, em síntese, na formação de equipes que atuariam
infiltradas nas zonas eleitorais exercendo o direito de voto no lugar daqueles que se abstiveram de
votar.
Segundo consta da citada notitia, o acusado ofereceu ao noticiante o universo de 8.000 (oito) mil
votos mediante o pagamento da quantia de R$ 180.000,00 (cento e oitenta mil reais).
No dia seguinte, 4/10/2018, o Ministério Público Federal requereu autorização para realização de
ação controlada sob o fundamento de que haveriam indícios de materialidade do delito tipificado no
art. 317 do Código Penal.O pedido formalizado por meio dos autos n. 14280-81.2018.8.04.32000 foi deferido na mesma data
pelo juízo da 2ª Vara Federal do Amazonas (f. 26).
No momento da realização da diligência, o acusado foi preso em flagrante delito pelo crime de
Corrupção Passiva.
O Ministério Público Federal pugnou, então, pela busca e apreensão do telefone celular do acusado
Wagner Oliveira, bem como pela aplicação de medida cautelar pessoal diversa da prisão, o que
novamente restou deferido pelo juízo da 2ª Vara Federal (f. 35).
As medidas foram cumpridas, sendo que o investigado acabou preso em flagrante delito pelo crime
previsto no art. 317 do CP (corrupção passiva).
A partir do resultado do exame preliminar realizado no aparelho celular apreendido, a autoridade
policial corroborada pelo Ministério Público Federal representou por nova busca e apreensão, bem
como pela prisão temporária do Requerente Saulo Velame Vianna, Márcio Frota Barroso e Rosedilse
de Souza Dantas.
O requerimento foi autuado sob o n. 0016622-65.2018.8.04.3200 e distribuída por dependência ao
inquérito instaurado em face de Wagner Oliveira, em tramitação no juízo da 2ª Vara Federal do
Amazonas
No dia 31/10/2018, o juízo da 2ª Vara Federal deferiu os pedidos subscritos pela autoridade policial
por meio da decisão de f. 24/29.
Às f. sem numeração da autuação 16622-65-2018.04.01.3200, prot.. 26/10/2018, constam decisões
do Tribunal Regional Federal da 1ª Região proferidas no bojo dos habeas corpus, inclusive no de n.
1035765-20.2018.4.01.0000 impetrado em favor do ora Requerente declarando expressamente a
incompetência da Justiça Federal comum em razão da conexão eleitoral dos fatos delituosos
imputados, determinando, na ocasião, a remessa dos procedimentos investigatórios para o TRE-AM.
Às f. 83/85 da autuação n.14.280-81.2018.4.01.3200, consta decisão da lavra do Exmo. Desdor. João
de Jesus Abdala Simões, douto Presidente do e. TRE-AM determinando a imediata remessa dos
autos conexos a este juízo da 37ª Zona Eleitoral da cidade de Manaus, nos termos do art. 69, inc. I,
do Código de Processo Penal.
Às f. 88/92, Amadeu da Silva Júnior requereu acesso aos autos.
Às f. 100/122, 123/136 e 137 a 162, foram formulados sucessivamente embargos de terceiro e
pedido de restituição de bens apreendidos.
Às f. 165, o Ministério Público Eleitoral se manifestou contrariamente ao pedido de acesso aos autos
formulado por terceiro estranho.
Às f. 166/169, o Ministério Público Eleitoral se manifestou pelo indeferimento dos pedidos de
restituição de bens e embargos de terceiro, oportunidade em que requereu a convalidação dos atos
praticados pelo juízo da 2ª Vara Federal, pelo que despiciendo nova vista dos autos.
Às f. 171/188, consta o pedido ora em exame.
Relatado no primordial.
Decido.
Antes de mais nada, é necessário estabelecer as premissas fáticas processuais que orientarão a
razão de decidir deste pronunciamento:
1ª – O Juízo da 2ª Vara Federal do Amazonas, que deferiu o pedido de ação controlada de busca e
apreensão em face de Wagner Oliveira, bem assim a prisão temporária e a busca e apreensão em
face do ora Requerente e outros, é absolutamente incompetente para supervisionar os
procedimentos investigativos conexos acima identificados;
2ª Em via inversa, compete à Justic¸a Eleitoral, nos termos do art. 35, inciso II, do Coìdigo Eleitoral
c/c o art. 109, I, in fine, da CF/88, por seu juízo respectivo definido na forma do art. 69, I, do CPP,
processar e julgar a ação penal eleitoral, bem assim supervisionar o inquérito policial
correspondente;
3ª As provas produzidas em decorrência das decisões proferidas pelo juízo incompetente são nulas
de pleno direito e, por isso, ineficazes juridicamente;
4ª O Ministério Público Eleitoral reconhece que as provas havidas nos inquéritos são nulas tanto
que no seu parecer de f. 165/169 requer expressamente a ratificação das apreensões efetivadas pelo juízo incompetente.
Pois bem.
Muito embora a incompetência do juízo ordenador da produção das provas e, por conseguinte, a
nulidade absoluta destas sejam questões plenamente evidenciadas e incontroversas nos autos,
verifico que não houve deliberação expressa sobre tais pontos, o qual, inclusive, conflita com o
pedido de convalidação subscrito pelo custus legis, a merecerem, por isso, solução conjunta, o que
passo a fazer nos seguintes termos.
Como sabido, o art. 5º, inciso LVI da Lei Maior da Nação Brasileira estatui como claìusula peìtrea o
princiìpio de que “saÞo inadmissiìveis, no processo, as provas obtidas por meios iliìcitos”, a qual, por
sua vez, integra o conteúdo de outro princípio constitucional igualmente relevante, qual seja, do
devido processo legal insculpido no inciso LIV do mesmo preceito.
No mesmo sentido da Constituição, o Código de Processo Penal, cujo art. 157, caput, dispõe:
“SaÞo inadmissiìveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas iliìcitas, assim entendidas
as obtidas em violac¸aÞo a normas constitucionais ou legais”.”
Denzen Jr. , delimitando a diferença ontológica entre prova ilegal, prova iliìcita e prova ilegiìtima
ensina: “prova ilegal eì ge^nero, do qual se extraem as provas iliìcitas e as provas ilegiìtimas. Prova
iliìcita, como se viu acima, eì aquela cuja obtenc¸aÞo viola o direito material. Prova ilegiìtima, por sua
vez, eì a colhida com lesaÞo ao direito processual.”
Por tudo isso, não há dúvida de que a prova produzida por autoridade judiciária incompetente é nula
de pleno direito, uma vez que as regras de delimitação da jurisdição de ordem absoluta, as quais dão
sentido ao primado do juiz natural (CF, 5º, LIII), por sua natureza cogente e de ordem pública, não
admitem convalidação.
Ademais, de acordo com a sistemática processual, somente os atos decisórios praticados pelo juízo
incompetente são passíveis de convalidação, desde que inexistente prejuízo e tenha havido alegação
da parte.
Com efeito, prova não encerra decisão e, por essa razão, não pode ser convalidada, mas apenas
ratificada sob o crivo do contraditório, o que, como dito, sequer há de se cogitar no caso concreto
em virtude da nulidade absoluta que macula as informações colhidas durante a fase inquisitorial.
Pertinente, nesse sentido, a lição de Luiz Francisco Torquato Avolio, citado no voto do Ministro Jorge
Mussi, no julgamento do HC 149.250/SP, que cuidou da nacionalmente conhecida operação
Satiagraha, na qual o STJ decidiu por anular todas as provas produzidas na correspondente ação
penal em razão de sua ilegalidade. Confira-se:
“A conseque^ncia que decorre da utilizac¸aÞo de prova iliìcita eì, inapelavelmente, a da sua ineficaìcia,
com imposic¸aÞo loìgica da sua inexiste^ncia juriìdica como ato ou como prova, com o consequente
desentranhamento dos autos da prova ilicitamente obtida, mediante a participac¸aÞo das partes em
contraditoìrio; ” (in “Provas iliìcitas”, Ed. RT, 4a edic¸aÞo, 2010, p. 114)
Doutrina e jurisprudência pátrias, inclusive, são implacáveis no sentido de repelir, sem qualquer
titubeio, a prova ilícita ou ilegítima porventura produzida em desacordo com a ordem jurídica.
Nesse sentido, Ada Pellegrine Grinover, em “Liberdades Puìblicas e Processo Penal As
interceptac¸oÞes telefo^nicas. Saraiva. 1976, paìg.189, assinala:
“a inadmissibilidade processual da prova iliìcita torna-se absoluta, sempre que a ilicitude consista na
violac¸aÞo de uma norma constitucional, em prejuiìzo das partes ou de terceiros. Nesses casos, eì
irrelevante indagar se o iliìcito foi cometido por agente puìblico ou por particulares, porque, em
ambos os casos, a prova teraì sido obtida com infringe^ncia aos princiìpios constitucionais que
garantem o direito da personalidade. Seraì tambeìm irrelevante indagar-se a respeito do momento
em que a ilicitude se caracterizou (antes ou fora do processo ou no curso do mesmo); seraì
irrelevante indagar-se se o iliìcito foi cumprido contra a parte ou contra terceiro, desde que tenha
importado em violac¸aÞo a direitos fundamentais; e seraì, por fim, irrelevante indagar-se se o
processo no qual se utilizaria prova iliìcita deste jaez eì de natureza penal ou civil”.
Da mesma forma, o Pretório Excelso:
PROVA PENAL – BANIMENTO CONSTITUCIONAL DAS PROVAS ILÍCITAS (CF, ART. 5º, LVI) – ILICITUDE
(ORIGINÁRIA E POR DERIVAÇÃO) – INADMISSIBILDADE – BUSCA E APREENSÃO DE MATERIAIS E
EQUIPAMENTOS REALIZADA, SEM MANDADO JUDICIAL, EM QUARTO DE HOTEL AINDA OCUPADO –
IMPOSSIBLIDADE – QUALIFICAÇÃO JURÍDICA DESSE ESPAÇO PRIVADO (QUARTO DE HOTEL, DESDE QUE OCUPADO) COMO “CASA”, PARA EFEITO DA TUTELA CONSTITUCIONAL DA INVIOLABILIDADE
DOMICILIAR – GARANTIA QUE TRADUZ LIMITAÇÃO CONSTITUCIONAL AO PODER DO ESTADO EM
TEMA DE PERSECUÇÃO PENAL, MESMO EM SUA FASE PRÉ-PROCESSUAL – CONCEITO DE “CASA”
PARA EFEITO DA PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL (CF, ART. 5º, XI E CP, ART. 150, § 4º, II) – AMPLITUDE
DESSA NOÇÃO CONCEITUAL, QUE TAMBÉM COMPREENDE OS APOSENTOS DE HABITAÇÃO
COLETIVA (COMO, POR EXEMPLO, OS QUARTOS DE HOTEL, PENSÃO, MOTEL E HOSPEDARIA, DESDE
QUE OCUPADOS): NECESSIDADE, EM TAL HIPÓTESE, DE MANDADO JUDICIAL (CF, ART. 5º, XI).
IMPOSSIBILIDADE DE UTILIZAÇÃO, PELO MINISTÉRIO PÚBLICO, DE PROVA OBTIDA COM
TRANSGRESSÃO À GARANTIA DA INVIOLABILIDADE DOMICILIAR – PROVA ILÍCITA – INIDONEIDADE
JURÍDICA – RECURSO ORDINÁRIO PROVIDO. BUSCA E APREENSÃO EM APOSENTOS OCUPADOS DE
HABITAÇÃO COLETIVA (COMO QUARTOS DE HOTEL) – SUBSUNÇÃO DESSE ESPAÇO PRIVADO, DESDE
QUE OCUPADO, AO CONCEITO DE “CASA” – CONSEQÜENTE NECESSIDADE, EM TAL HIPÓTESE, DE
MANDADO JUDICIAL, RESSALVADAS AS EXCEÇÕES PREVISTAS NO PRÓPRIO TEXTO
CONSTITUCIONAL. – Para os fins da proteção jurídica a que se refere o art. 5º, XI, da Constituição da
República, o conceito normativo de “casa” revela-se abrangente e, por estender-se a qualquer
aposento de habitação coletiva, desde que ocupado (CP, art. 150, § 4º, II), compreende, observada
essa específica limitação espacial, os quartos de hotel. Doutrina. Precedentes. – Sem que ocorra
qualquer das situações excepcionais taxativamente previstas no texto constitucional (art. 5º, XI),
nenhum agente público poderá, contra a vontade de quem de direito (“invito domino”), ingressar,
durante o dia, sem mandado judicial, em aposento ocupado de habitação coletiva, sob pena de a
prova resultante dessa diligência de busca e apreensão reputar-se inadmissível, porque impregnada
de ilicitude originária. Doutrina. Precedentes (STF). ILICITUDE DA PROVA – INADMISSIBILIDADE DE
SUA PRODUÇÃO EM JUÍZO (OU PERANTE QUALQUER INSTÂNCIA DE PODER) – INIDONEIDADE
JURÍDICA DA PROVA RESULTANTE DA TRANSGRESSÃO ESTATAL AO REGIME CONSTITUCIONAL DOS
DIREITOS E GARANTIAS INDIVIDUAIS. – A ação persecutória do Estado, qualquer que seja a instância
de poder perante a qual se instaure, para revestir-se de legitimidade, não pode apoiar-se em
elementos probatórios ilicitamente obtidos, sob pena de ofensa à garantia constitucional do “due
process of law”, que tem, no dogma da inadmissibilidade das provas ilícitas, uma de suas mais
expressivas projeções concretizadoras no plano do nosso sistema de direito positivo. – A
Constituição da República, em norma revestida de conteúdo vedatório (CF, art. 5º, LVI), desautoriza,
por incompatível com os postulados que regem uma sociedade fundada em bases democráticas (CF,
art. 1º), qualquer prova cuja obtenção, pelo Poder Público, derive de transgressão a cláusulas de
ordem constitucional, repelindo, por isso mesmo, quaisquer elementos probatórios que resultem de
violação do direito material (ou, até mesmo, do direito processual), não prevalecendo, em
consequência, no ordenamento normativo brasileiro, em matéria de atividade probatória, a fórmula
autoritária do “male captum, bene retentum”. Doutrina. Precedentes. A QUESTÃO DA DOUTRINA
DOS FRUTOS DA ÁRVORE ENVENENADA (“FRUITS OF THE POISONOUS TREE”): A QUESTÃO DA
ILICITUDE POR DERIVAÇÃO. – Ninguém pode ser investigado, denunciado ou condenado com base,
unicamente, em provas ilícitas, quer se trate de ilicitude originária, quer se cuide de ilicitude por
derivação. Qualquer novo dado probatório, ainda que produzido, de modo válido, em momento
subseqüente, não pode apoiar-se, não pode ter fundamento causal nem derivar de prova
comprometida pela mácula da ilicitude originária. – A exclusão da prova originariamente ilícita – ou
daquela afetada pelo vício da ilicitude por derivação – representa um dos meios mais expressivos
destinados a conferir efetividade à garantia do “due process of law” e a tornar mais intensa, pelo
banimento da prova ilicitamente obtida, a tutela constitucional que preserva os direitos e
prerrogativas que assistem a qualquer acusado em sede processual penal. Doutrina. Precedentes. – A
doutrina da ilicitude por derivação (teoria dos “frutos da árvore envenenada”) repudia, por
constitucionalmente inadmissíveis, os meios probatórios, que, não obstante produzidos,
validamente, em momento ulterior, acham-se afetados, no entanto, pelo vício (gravíssimo) da
ilicitude originária, que a eles se transmite, contaminando-os, por efeito de repercussão causal.
Hipótese em que os novos dados probatórios somente foram conhecidos, pelo Poder Público, em
razão de anterior transgressão praticada, originariamente, pelos agentes da persecução penal, que
desrespeitaram a garantia constitucional da inviolabilidade domiciliar. – Revelam-se inadmissíveis,
desse modo, em decorrência da ilicitude por derivação, os elementos probatórios a que os órgãos da
persecução penal somente tiveram acesso em razão da prova originariamente ilícita, obtida como
resultado da transgressão, por agentes estatais, de direitos e garantias constitucionais e legais, cuja
eficácia condicionante, no plano do ordenamento positivo brasileiro, traduz significativa limitação de
ordem jurídica ao poder do Estado em face dos cidadãos. – Se, no entanto, o órgão da persecução
penal demonstrar que obteve, legitimamente, novos elementos de informação a partir de uma fonte
autônoma de prova – que não guarde qualquer relação de dependência nem decorra da prova
originariamente ilícita, com esta não mantendo vinculação causal -, tais dados probatórios revelar-seão plenamente admissíveis, porque não contaminados pela mácula da ilicitude originária. – A
QUESTÃO DA FONTE AUTÔNOMA DE PROVA (“AN INDEPENDENT SOURCE”) E A SUA DESVINCULAÇÃO CAUSAL DA PROVA ILICITAMENTE OBTIDA – DOUTRINA – PRECEDENTES DO
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL – JURISPRUDÊNCIA COMPARADA (A EXPERIÊNCIA DA SUPREMA
CORTE AMERICANA): CASOS “SILVERTHORNE LUMBER CO. V. UNITED STATES (1920); SEGURA V.
UNITED STATES (1984); NIX V. WILLIAMS (1984); MURRAY V. UNITED STATES (1988)”, v.g..(RHC
90376, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 03/04/2007, DJe-018 DIVULG
17-05-2007 PUBLIC 18-05-2007 DJ 18-05-2007 PP-00113 EMENT VOL-02276-02 PP-00321 RTJ VOL00202-02 PP-00764 RT v. 96, n. 864, 2007, p. 510-525 RCJ v. 21, n. 136, 2007, p. 145-147)
Por tudo isso, o único caminho possível no caso concreto, repetindo as palavras do Desdor. Adilson
Vieira Macabu, relator do emblemático habeas corpus antes referido, é a descontaminac¸aÞo da
investigac¸aÞo, expurgando dos autos todos os elementos colhidos em desconformidade com a lei.
Aliás, em situação fática semelhante, a Justiça Eleitoral do Estado do Pará proclamou a nulidade
absoluta das provas produzidas por autoridade judiciária incompetente. Cito:
AÇÃO PENAL. PRELIMINAR. NULIDADE ABSOLUTA. VÍCIO INSANÁVEL. INSTAURAÇÃO E SUPERVISÃO
DO INQUÉRITO POLICIAL POR AUTORIDADE JUDICIÁRIA INCOMPETENTE. ACOLHIMENTO.
DECLARAÇÃO DE NULIDADE “AB INITIO”. ARQUIVAMENTO.
1. A nulidade do processo por vício insanável é matéria de ordem pública, podendo ser declarada a
qualquer momento.
2. Quando o réu gozar de foro privilegiado por prerrogativa de função, a atividade de supervisão
judicial deve ser desempenhada, desde a abertura dos procedimentos investigatórios, até eventual
recebimento da denúncia, pelo Tribunal Regional. Precedentes do TSE.
3. Preliminar acolhida. Declaração de nulidade do feito “ab initio”.
(Ação Penal n 26865, ACÓRDÃO n 28133 de 10/05/2016, Relator(a) ROBERTO GONÇALVES DE
MOURA, Revisor(a) LUCYANA SAID DAIBES PEREIRA, Publicação: DJE – Diário da Justiça Eletrônico,
Tomo 091, Data 24/05/2016, Página 1 e 2 )
Outro não é o entendimento do nosso e. Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas, que no
precedente citado pelo Requerente, (Inquérito Policial 69-61.2013.6.04.0000), decidiu, de fato, por
rejeitar a denúncia, uma vez que o inquérito policial instaurado em desfavor do denunciado, que
detinha foro por prerrogativa de função, não foi precedida de autorização do TRE/AM, órgão
julgador competente pela a supervisão das investigações desde o início.
Do corpo do referido julgado, colhe-se referência ao HC n. 57378/TSE, lavrado nos seguintes termos:
ELEIÇÕES 2010. HABEAS CORPUS. PENAL. CRIME. CORRUPÇÃO ELEITORAL. ART. 299 DO CE. RÉU.
DEPUTADO ESTADUAL. FORO POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO. INQUÉRITO POLICIAL. SUPERVISÃO
JUDICIAL, DESDE A INSTAURAÇÃO, ATÉ A DENÚNCIA. NULIDADE ABSOLUTA. TRANCAMENTO DA
AÇÃO PENAL. CONCESSÃO DA ORDEM.
1. Em regra, é excepcional o trancamento da ação penal por meio de habeas corpus, o que ocorre
quando evidenciadas a atipicidade da conduta, a extinção da punibilidade, a ilegitimidade da parte
ou a ausência de condições para o exercício da ação penal, na seara eleitoral, previstas no art. 358
do Código Eleitoral.
2. No presente caso está evidenciada a excepcionalidade apta ao trancamento da ação penal, já que
a presença de autoridade com prerrogativa de foro no polo passivo, deputado estadual, demanda o
exercício do poder-dever de supervisão judicial das investigações no foro competente para a
apreciação e o julgamento da ação penal.
3. A mencionada supervisão judicial do inquérito deve ser observada durante toda a tramitação das
investigações, desde sua abertura até o eventual oferecimento da denúncia pelo Ministério Público,
não sendo permitida, por essa razão, a abertura de inquérito de ofício pela autoridade policial, tal
como realizado no caso concreto.
4. Por não ter havido supervisão judicial sobre a instauração do inquérito, verifica-se a ocorrência de
nulidade absoluta, portanto, inconvalidável, a qual retira a validade de todos os atos subsequentes a
sua instauração.
5. Ordem de habeas corpus concedida para trancar a ação penal, sem prejuízo do art. 358, parágrafo
único, do CE.
(HC – Habeas Corpus nº 57378 – Porto Velho/RO. Acórdão de 23/09/2014. Relator(a) Min. LUCIANA
CHRISTINA GUIMARÃES LÓSSIO.No mesmo sentido, cito ainda: HC 4085 e HC 36878/TSE.
Em arremate, colijo ementa de julgado da lavra do eminente Ministro do STJ JOÃO OTÁVIO DE
NORONHA, então oficiando no TSE em sede de Recurso Especial Eleitoral, onde restou assentada a
nulidade insanável de provas produzidas, em feito criminal eleitoral, sob a condução de Juiz Auxiliar
da Presidência do TRE-ES.:
RECURSO ESPECIAL ELEITORAL No. 30-53 CLASSE 32 ESPÍRITO SANTO (Vitória)
Relator: Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA Recorrente: Solange Siqueira Lube
Advogados: José Leite Saraiva Filho e outros Recorrido: Ministério Público Eleitoral
HABEAS CORPUS No. 623-07 CLASSE 16 ESPÍRITO SANTO (Vitória)
Relator: Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA Impetrante: Flávio Cheim Jorge
Paciente: Solange Siqueira Lube Advogados: José Leite Saraiva Filho e outros
Órgão coator: Tribunal Regional Eleitoral do Espírito Santo
Recurso especial eleitoral. Eleições 2010. Investigação crime eleitoral. Candidata não sujeita ao foro
especial por prerrogativa de função. Busca e apreensão. Afronta princípio do juiz natural. Nulidade
insanável. Prosseguimento investigações perante juízo incompetente. Inaplicabilidade teoria do juízo
aparente. Foro privilegiado posterior. Convalidação dos atos. Impossibilidade.
A atribuição para o acompanhamento de investigação de crimes eleitorais, quando o candidato não
goza de foro por prerrogativa de função, é do juízo de primeiro grau da zona eleitoral em que foi
praticado o crime, por força de lei (arts. 35, II, c/c 356 do Código Eleitoral).
Igualmente, é desse juiz a competência para deferir as medidas com reserva de jurisdição (como
busca e apreensão, interceptação telefônica, quebras de sigilos, etc.) durante as investigações dos
crimes eleitorais.
Quando as representações, policial e ministerial, já possuem como objeto a provável prática de
crime eleitoral é possível aferir, de plano, a incompetência do Tribunal Regional Eleitoral para
apreciar e deferir tais medidas. Inaplicável, in casu, a teoria do juízo aparente.
A incompetência do juízo na fase inquisitorial acarreta nulidade. Precedentes do Supremo Tribunal
Federal.
O fato de, supervenientemente, a investigada ter sido eleita deputada estadual, deslocando, a partir
daí, a competência para o TRE-ES, não tem o condão, no contexto dos autos, de convalidar os atos
praticados por juízo incompetente durante o inquérito, se a incompetência era verificável de plano.
As provas que fundamentaram a denúncia (documentos, depoimentos testemunhais) somente
foram obtidas em decorrência da busca e apreensão realizada no comitê eleitoral da candidata
denunciada, razão pela qual desconsideradas essas provas, nada mais resta para embasar a ação
penal.
Recurso especial provido para trancar a ação penal.
Habeas corpus prejudicado.
Ao lume de tudo o quanto exposto linhas transatas, decreto a nulidade de todos os elementos de
prova colhidos nos autos dos inquéritos n. 14280-81.2018.8.04.3200, 18458-73.2018.8.04.3200 e
16622-65.2018.8.04.3200, haja vista que determinados por autoridade judiciária incompetente.
De conseguinte, tendo em vista que à exceção das provas produzidas pelo juízo incompetente,
nenhum outro elemento foi produzido, tampouco requerido pela autoridade policial competente,
entendo que o prosseguimento dos procedimentos investigativos se mostra seguramente capaz de
causar constrangimento ilegal ao Requerente e demais investigados na medida em que a próxima
etapa a ser trilhada corresponde ao oferecimento de denúncia, o que, neste cenário, ocorrerá
desprovido de qualquer elemento probatório mínimo.
Exatamente por isso, é que reputo necessário e impositivo, na espécie, a concessão de habeas
corpus, de ofício, para trancar os inquéritos n. 14280-81.2018.8.04.3200, 18458-73.2018.8.04.3200
e 16622-65.2018.8.04.3200, determinando o imediato arquivamento destes, nos termos do art. 654,
§2o, do CPP.
Afinal, preconiza o inciso VI do art. 648 do CPP, que a coação considerar-se-á ilegal quando o
processo for manifestamente nulo, sendo que, no caso, não paira a menor dúvida sobre que os
procedimentos investigatórios antes identificados são nulos de pleno direito.É fato que o inquérito policial constitui mera peça informativa e, por isso, facultativa para fins da
persecutio criminais in judio.
Entretanto, no contexto em que toda articulação acusatória foi construída unicamente a partir do
resultado das medidas determinadas pelo juízo incompetente, por isso, nulas, sem outro elemento
autônomo, é correto intuir que o prosseguimento das investigações servirá apenas para constranger
indevidamente os investigados
Aliás, permitir que os inquéritos permaneçam ativos sem qualquer prova que sustente as suas
imputações se mostra totalmente ilógico.
Relativamente ao pedido de restituição dos bens, em virtude da presente decisão, entendo se tratar
de efeito automático do trancamento do procedimento investigatório, motivo pelo qual determino a
imediata restituição de todos os bens apreendidos nos inquéritos citados aos respectivos
postulantes.
Com efeito, nos termos do art. 118, do CPP, a apreensão de coisas se vincula ao interesse destas
para o respectivo processo, razão pela qual com o trancamento dos inquéritos em destaque a futura
ação penal sequer chegará a ser proposta por ausência absoluta de provas.
Por fim, quanto ao pedido de acesso aos autos formulado por Amadeu da Silva Soares Júnior, em
consonância com o parecer ministerial respectivo, cujos fundamentos adoto como razão de decidir,
indefiro-o por absoluta ausência de amparo legal e pertinência.
Sem custas e nem honorários.
Cumpra-se o disposto no art. 574, I, do CPP, remetendo-se os autos ao e. Tribunal Regional Eleitoral
do Amazonas.
À Secretaria da Zona para as providências de seu mister.
Publique-se. Registre-se. Intime-se.
CUMPRA-SE.
Manaus, 31 de janeiro de 2018.
Dr. Francisco Soares de Souza
Juiz da 37ª Zona Eleitoral do Amazonas, em substituição