MANAUS – A Câmara Municipal de Manaus (CMM) aprovou no dia 13, na véspera do recesso parlamentar, um projeto de lei que permite aos pais educarem seus filhos em casa em alternativa ao ensino regular ofertado nas escolas.
Com a aprovação, o texto depende agora da sanção do prefeito David Almeida (Avante) para virar lei. O tema é terreno fértil para polêmicas e por todo o país é alvo de judicialização.
Em 2018 o Supremo Tribunal Federal (STF) discutiu o tema. Mesmo não considerando a educação domiciliar inconstitucional, a Corte decidiu considerá-la ilegal. Isso porque não há no país regulamentação federal para sua execução.
Assim, para o STF, de forma legal, pais só podem adotar essa alternativa de formação quando o Congresso Nacional criar leis e regulamentações específicas para sua adequada aplicação.
Ou seja, o entendimento do STF é que cabe ao Congresso Nacional, por meio de lei federal, regulamentar o assunto no país. Sem isso, qualquer aplicação dessa modalidade de ensino é ilegal.
A polêmica está quando as Câmaras municipais, ou as próprias Assembleias, antecipam-se ao Congresso propondo a regulamentação. É o caso do projeto de Manaus aprovado no dia último dia 13.
No voto que conduziu a discussão no STF, o ministro Alexandre de Moraes ressalta a necessidade da participação do Congresso Nacional.
“Em face dos mandamentos constitucionais que consagram a solidariedade entre Família e Estado no dever de educação das crianças, jovens e adolescentes, em que pese não existir direito público subjetivo ao ensino domiciliar utilitário, a Constituição Federal não o proíbe, sendo possível sua criação e regulamentação por meio de lei editada pelo Congresso Nacional”, escreveu o ministro.
A matéria aprovada na CMM é de autoria do vereador Raiff Matos (DC). Na sua justificativa, o parlamentar cita a observância feita pelo STF quanto a necessidade de regulamentação, no entanto, sem dar ênfase ao ponto de que o legislador natural para o tema, no que decidiu o Supremo, seria o Congresso Nacional e não os legislativos municipais.
“[…] em que pese não haver inconstitucionalidade, há uma grande necessidade de regulamentação em lei para disciplinar questões relacionadas ao acompanhamento do rendimento dos indivíduos que serão educados em casa. Ressalte-se que, sob a responsabilidade das secretarias de Educação, ou seja, a aplicação de todos os procedimentos indispensáveis para firmar a segurança da execução desse modelo de ensino pelas crianças e adolescentes que irão recebê-los em casa por pais ou profissionais”, diz trecho da justificativa do vereador.
Em entrevista ao site, o vereador afirmou que não há problema em propor uma lei municipal na ausência de uma federal, ainda que seja clara a informação de que o tema é de competência da União.
“Depois que a esfera federal faça a sua, as demais leis caem. Então, enquanto não tiver um projeto da União, nós apresentamos esse projeto”, justificou Raiff.
Em 2018, por maioria dos votos, o Supremo entendeu que a educação domiciliar não é vedada pela Constituição. Mas sua execução não pode desconsidera a parceria inafastável entre Estado e família.
O STF entendeu que no modelo de educação domiciliar que pode vir a ser regulamentado no país, os pais devem ser obrigados a seguirem os mesmos conteúdos básicos do ensino escolar público e privado.
E que haverá necessidade de supervisão, fiscalização e avaliações periódicas. “Ou seja, que acompanhe e concretize o dever solidário da Família e Estado em educar as crianças, adolescentes e jovens, nos termos constitucionais”, afirma trecho do voto vencedor.
“Entendo ser a única espécie de ensino domiciliar autorizada pelo texto constitucional, pois não exclui a concretização do dever de solidariedade estatal. Esse modelo chama-se utilitarista porque, sem se opor radicalmente à ideia de institucionalização e à supervisão estatal, apresenta-se como alternativa útil para prover os fins educacionais de modo tão ou mais eficiente que a escola. Portanto, somente é admitida pela Constituição Federal a possibilidade do “ensino domiciliar utilitarista”, com base no dever solidário Família/Estado, com regramento legal, com fiscalização, com avaliações periódicas e observância das finalidades e objetivos constitucionais”, segue o voto.
Para Alexandre de Moraes, sem isso, a educação domiciliar no Brasil pode resultar em um retrocesso. Sobretudo contribuindo para agravar o cenário já lamentável da evasão escolar.
“Recentemente, foi noticiado que o Brasil tem a terceira maior taxa de evasão escolar entre cem países; o PNUD trouxe esse problema. Se nós não aguardarmos uma regulamentação congressual discutida e detalhada, inclusive obrigando, a partir daí, o Executivo a estabelecer todo um cadastro, fiscalização, avaliações pedagógicas e avaliações de socialização, nós certamente teremos, lamentavelmente, evasões escolares disfarçadas de ensino domiciliar”, registrou o ministro do STF em seu voto.
O projeto aprovado na CMM propõe algumas regulamentações apontadas pelo STF. Uma delas diz respeito a avaliações periódicas dos alunos em ensino domiciliar.
Essas avaliações ocorreriam em escolas da rede municipal, previamente definidas, e nas quais os alunos devem seguir matriculados durante todo o ano, mesmo estudando em casa.
Diz o artigo 5º do projeto:
Art. 5º É livre aos pais ou responsáveis escolher entre a educação escolar e a educação
domiciliar, desde que atendidos os preceitos pré definidos nesta lei, in verbis:
I – Avaliação psicopedagógica e tantas quantas se fizeram necessárias, sempre por profissional
habilitado, com o fim de analisar a viabilidade da educação domiciliar, bem como a capacidade
do menor de ser submetido a tal ensino;
II – Necessidade de matrícula na rede de ensino, seja na rede púbica ou particular, após a
aprovação do Plano Educacional pelo setor pedagógico e aprovação do corpo técnico;
III – Comparecimento à sede da escola escolhida, para avaliação semestral, para crianças de até
6 (seis) anos de idade, e para os alunos com idade superior a 6 (seis) anos, bimestral.
O artigo 8º complementa:
Art. 8º As famílias que optarem pela educação domiciliar devem manter registro das atividades
pedagógicas desenvolvidas com os seus estudantes, bem como apresentá-lo sempre que
requerido pelo Poder Público.
Na agenda de Bolsonaro
Ainda não há previsão no Congresso Nacional para que a pauta da educação domiciliar chegue a votação.
No entanto, o tema do homeschooling já foi apontado como uma das prioridades da agenda do presidente Jair Bolsonaro.
Em 2019 o governo federal enviou ao Congresso um projeto propondo regulamentar o tema. O assunto está a cargo do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, da ministra Damares Alves.
Entre outras condições, o projeto do governo federal prevê que alunos que forem reprovados por dois anos seguidos não terão registro renovado para continuar com as aulas em casa.
Embora a prática não seja reconhecida, estimativas indicam que atualmente cerca de 7,5 mil famílias adotem o homeschooling. Isso equivale a quase 15 mil crianças e adolescentes tendo aulas em casa.
O projeto aprovado na CMM tem como coautora a vereadora Thaysa Lippy (PP). E foi subscrito pelos vereadores Ivo Neto (Patriota), Yomara Lins (PRTB) e Márcio Tavares (Republicanos).
Foto: Robervaldo Rocha
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