MANAUS – Em tom de desabafo, o diretor-presidente da Fundação de Vigilância em Saúde (FVS-AM), Cristiano Fernandes, declarou que, pelo comportamento da população em desrespeito às medidas de prevenção à Covid-19, o Amazonas está construindo uma terceira onda da doença.
Em audiência pública virtual da Comissão de Saúde da Assembleia Legislativa (ALE-AM), nesta quinta-feira (29), o titular da FVS-AM disse que as medidas recomendadas e determinadas pelo governo estão de acordo com o atual cenário epidemiológico da pandemia, num esforço de conciliar a necessidade de reduzir a transmissão do coronavírus com a manutenção de um nível mínimo de atividade econômica que garanta o sustento das famílias.
No entanto, o comportamento de parcela significativa dos amazonenses tem contribuído para que futuramente haja uma nova subida de casos. Para Cristiano, a percepção de risco caiu proporcionalmente à redução que a epidemia teve após o pico de crise de janeiro.
“Você falar da doença no auge da pandemia, no auge do aumento de casos é uma coisa, tá todo mundo desesperado, tá todo mundo muito sensibilizado com a situação e aí toda medida que você orienta, elas acabam sendo acatadas”, observou.
“A impressão que eu tenho é que a memória da população é muito curta”, disse.
Cristiano considera que é preciso uma estratégia de comunicação mais eficaz para sensibilizar a população quanto a necessidade, sobretudo, de não aglomerar. Ele lembrou que desde a redução dos índices da doença diariamente são registradas denúncias de festas clandestinas e bares lotados.
“Traçar estratégias para comunicação de crise é sempre difícil quando você percebe que a população deixou de atender, deixou de compreender que aquilo ali oferece risco para ela”, disse. “É um absurdo o que a gente está vivendo. Peço desculpa, é quase um desabafo. Quando a gente passa nos bares do centro da cidade, em alguns restaurantes, simplesmente parece que a pandemia não existe”, completou.
O titular da FVS-AM, então, passa a falar do contrato social em que a adoção de regras pressupõe que elas sejam acatadas. O que, conforme visto na prática, não está acontecendo em muitos casos.
“O que eu tenho falado muito é que nós estamos construindo a terceira alça epidêmica. As regras, desde que sejam seguidas, elas estão muito adequadas ao cenário que temos hoje”, disse Cristiano.
Apesar disso, ele considera que não é possível determinar regras de isolamento mais rígidas, como solicitam os órgãos de controle. É preciso, avalia Cristiano, considerar a realidade local, das necessidades e desigualdades econômicas e sociais do Amazonas.
As medidas de isolamento, destacou ele, têm refletido no aumento de índices de violência doméstica, por exemplo. Adolescentes fora das escolas ficam mais expostos ao tráfico de drogas, apontou.
Por isso, todas as medidas determinadas e recomendadas pelo Estado também consideram as questões econômicas e sociais, ressaltou. Cristiano disse que chegar a uma decisão de equilíbrio entre a necessidade sanitária e os outros fatores não tem sido uma tarefa fácil.
Em falas direcionadas ao defensor público Arlindo Gonçalves, titular da Defensoria Especializada na Promoção e Defesa dos Direitos Relacionados à Saúde, da Defensoria Pública do Amazonas (DPE-AM), presente na audiência virtual, Cristiano Fernandes disse que não é viável determinar um isolamento social mais rígido.
“Então, são questões que são colocadas por algumas pessoas, algumas linhas de pesquisa, que não são exequíveis. Nós não temos condições hoje, e falando tranquilidade… O país hoje, economicamente falando, é inviável, não tem como comparar Inglaterra com Portugal, Brasil, Amazonas, Manaus, quando você propõe lockdown fechando tudo e você aumentar ainda mais as desigualdades sociais que acometem a nossa população”, disse.
“São questões que a gente precisa trazer para a discussão, não só do ponto de vista social, econômico, da necessidade de a gente garantir que o trabalhador pelo menos mantenha sua família. E nesse intermeio, nós temos que garantir o isolamento social”, acrescentou.
Semsa
Representante da equipe técnica da Secretaria Municipal de Saúde (Semsa), da capital, Graziela Andrade das Neves, do Centro de Informações Estratégicas de Vigilância em Saúde (Cievs), também abordou a questão da comunicação durante a audiência. Disse que a prefeitura tem usado todos os meios possíveis, até rádios comunitárias, para fazer os alertas sobre as medidas de prevenção e repassar informações sobre a vacinação. Mesmo assim, o retorno de parte da população é negativo.
“A gente precisa entender que o rastreamento, o isolamento, eles são importantes. Que todas as nossas medidas são conjuntos de ações. E não podemos esquecer da corresponsabilidade da população”, disse ela.
“Nós tivemos que rastrear pessoas para serem vacinadas na segunda dose. Tivemos que ligar para elas, porque elas fizeram a primeira dose e não compareceram no período que seria ideal, proposto pelo próprio fabricante”, ressaltou.
“Então, a gente fala mais uma vez da corresponsabilidade, porque temos demandado energias enormes para conseguir chegar à essa comunicação que diminua esse comportamento de risco da população. Não é possível que depois da segunda onda, depois daquele pico que a gente teve… O que mais podemos fazer para comunicar do que a própria ação da doença nesse período? Nós comunicamos essa importância, estamos há um ano tentando trabalhar comunicação e estamos sujeitos, sim, a sugestões das autoridades, dos órgãos de controle, de como podem ajudar com isso. Estamos muito sensíveis e abertos a isso”, concluiu.