MANAUS – Representantes da classe artística da capital estão insatisfeitos com o Prêmio Zezinho Corrêa, lançado no último dia 16 pela prefeitura. Artistas ouvidos pelo ESTADO POLÍTICO disseram que para a construção do edital não houve uma ampla consulta ao setor. Sobraram dúvidas e reclamações.
Tanto que uma reunião foi marcada para esta segunda-feira (22) entre produtores culturais, a Fundação Municipal de Cultura, Turismo e Eventos (Manauscult) e o Conselho Municipal de Política Cultural de Manaus (Concultura) para a realização de esclarecimentos e possíveis ajustes.
Para os artistas ouvidos pelo site, as regras do edital são incompatíveis com um prêmio que se propõe ser uma espécie de auxílio emergencial, com burocracias que impediriam o acesso daqueles que mais precisam.
Burocracias limitadoras
O maestro Paulo Marinho aponta que, sem possibilidade de trabalhar e sem renda há mais de um ano, é praticamente impossível que os artistas estejam com o pagamento de impostos e contribuições em dia, um dos requisitos para habilitação no edital.
“Se o objetivo é ser emergencial, (o prêmio) precisa ser mais fácil, ter maior acessibilidade. As pessoas precisam ter acesso. Do jeito que está, quem realmente precisa vai ficar de fora. Caso as regras do edital permaneçam como estão, isso vai impedir que as pessoas que precisam possam se inscrever. Imagina um artista que passou o ano inteiro sem trabalhar vai estar com as contas em dia, com o nome limpo? Isso inviabiliza. É preciso encontrar uma outra forma para habilitar o artista”, observa Marinho.
A necessidade de ter conta-corrente é outro alvo de reclamação. “Nem todo mudo pode abrir. O edital do governo permitiu as contas digitais. Por que a prefeitura não libera e facilita essa questão?”, questiona o maestro.
A cantora Lucilene Castro também defende que o edital possibilite a habilitação por contas digitais. “Exigir na atual conjuntura que o artista tenha conta corrente em banco físico também se torna inviável. Artista não tem nem dinheiro, vai ter conta em banco pagando manutenção?”, diz ela.
Valor baixo
Os valores do prêmio (que variam de R$ 1,9 mil até R$ 10 mil) e a exigência de contrapartida, na avaliação dos artistas, fogem da proposta de um edital emergencial.
“Fica meio complicado para quem trabalho com arte se adaptar a esse orçamento”, aponta Lucilene.
“Como é que eles colocam contrapartida com um prêmio desse tão baixo? Você imagina um prêmio de 1,9 mil reais. No valor mais alto, 10 mil reais, você abate o imposto e cai para 7 mil e com um valor desse você vai pagar uma cadeia de trabalhadores, os cantores, os músicos, o produtor, o ensaio, se for live o técnico de som, luz, a pessoa que vai transmitir. Então é uma cadeia de pessoas que recebem esse valor e aí vai ter que ficar amarrado para fazer uma contrapartida. A contrapartida deveria ser a própria execução do projeto”, afirma o maestro Paulo Marinho.
“Hipoteticamente, uma pessoa que ganha um prêmio de 2 mil reais tem que dar duas contrapartidas para a Manauscult, porque eles exigem. Para a música, uma pessoa que ganha 1,9 mil reais tem dar uma contrapartida, que seja uma live, um podcast, uma oficina, e ainda uma apresentação gratuita para a Manauscult, ou seja, são duas contrapartidas. No meu ver você está pagando para ganhar um prêmio. Vamos supor que a contrapartida que a Manauscult me solicita seja fazer um show digamos no Ramal do Pau Rosa, quanto que eu vou gastar de gasolina, se eu tiver que levar músicos, minha produção? Quanto que sai? O que que o artista vai realmente ganhar desse auxílio emergencial?”, exemplifica Lucilene Castro.
Prazo curto
A cantora pontua ainda que o prazo entre a inscrição e o recebimento não condiz com a urgência, uma vez que deve ficar próximo de 90 dias. É necessária celeridade nos pagamentos. “Para a proposta de um edital emergencial, o problema já começa com o prazo de inscrição de 45 dias, que mais o prazo de avaliação vai dar quase três meses. Ou seja, uma coisa que é emergencial ter quase três meses para pagar o artista é muito tempo”, observa.
Sem diálogo
Lucilene afirma que não houve discussão para a criação do prêmio. “Todos os editais sempre passaram por consulta pública de propostas, de amarrar as situações, de chegar a um consenso entre a prefeitura e a classe artística. Dessa vez, isso não aconteceu. Fizeram um edital unilateral, fizeram de qualquer jeito, fizeram o lançamento de um edital sem o edital estar na plataforma para você acessar. Passou dois dias e lançaram o edital de uma forma cheia de aglomerações. Não precisava daquilo, daquela solenidade toda boba para lançar um edital desse com valor tão pífio, bastava uma live”, diz.
Paulo também diz que faltou diálogo, embora a classe tenha tentado estreitar laços com a gestão municipal da Cultura. “Durante o início da gestão do secretário Alonso (Oliveira, titular da Manauscult), nós tentamos de várias formas marcar reuniões para poder discutir, ter esse diálogo. A consulta pública é natural em qualquer construção, ainda mais de um edital emergencial. A Secretaria de Estado de Cultura com o secretário Apolo sempre faz isso, para que a gente possa ver os pontos positivos, negativos, tirar as dúvidas, ver no que a gente pode colaborar, de forma que possa realmente atender a categoria. Nada melhor do que você realmente ouvir a categora que está precisando para propor ações. Mas, de certa forma eles não abriram. No último segundo que falaram da questão dos valores”, relatou o maestro.
Dúvidas
O presidente da Federação de Teatro do Amazonas (Fetam), Francis Madson, disse que vai aguardar a reunião desta segunda para se posicionar a respeito do edital. Ele afirma que não ficou claro se o novo prêmio é apenas emergencial ou se ele substituirá outras políticas de fomento à cultura já consolidadas.
“Queremos entender se esse edital tem a ver com o plano emergencial da Manauscult ou se ele substitui o Conexões Culturais”, disse.
A reunião também servirá para que outras dúvidas sejam sanadas e para que outras reclamações e sugestões de melhorias no texto sejam apresentadas.
O outro lado
O site pediu posicionamento e esclarecimentos da Manauscult a respeito das reclamações dos artistas e aguarda resposta.
Ao lançar o prêmio, a prefeitura divulgou que o edital Prêmio Manaus Zezinho Corrêa 2021 poderá contemplar até 325 propostas artístico-culturais em nove segmentos: artes visuais, audiovisual, circo, dança, hip hop, literatura, manifestações culturais, teatro e música. O investimento total do edital é de R$ 1.005.500, divididos em prêmios que vão de R$ 1.900 até R$ 10 mil.
Todo o processo levaria, a contar da publicação no Diário Oficial do Município (DOM), 45 dias e será será 100% virtual. As inscrições deverão ser realizadas on-line, por meio de formulário, e poderão participar pessoas físicas e jurídicas.
Por conta da pandemia da Covid-19, todos os projetos também deverão ser oferecidos de maneira virtual e gratuita, em formatos como podcast, vídeo, e-book, live ou atividades de formação on-line, como webinários, workshops, palestras, entre outros.
O nome do prêmio é em homenagem ao cantor Zezinho Corrêa, que morreu de Covid-19 em fevereiro deste ano.