MANAUS – O presidente do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1), I’talo Fioravanti Sabo Mendes, suspendeu a decisão da Justiça Federal no Amazonas que obrigava o Estado a comprar vacina contra a Covid-19 com recursos do Fundo de Fomento ao Turismo, Infraestrutura, Serviços e Interiorização do Desenvolvimento (FTI).
Na decisão, o desembargador do TRF-1 afirma que o Juízo Federal de origem, a juíza Jaiza Fraxe, que concedeu a liminar obrigando o Estado a fazer a compra, “acabou interferindo no exercício da competência administrativa atinente à gestão do quadro de grave crise sanitária vivenciado no Estado do Amazonas”.
I’talo Fioravanti Sabo Mendes destaca ainda que não é papel do Poder Judiciário assumir o papel de gestor público, tomando a frente de decisões sobre critérios de conveniência e oportunidade para adoção de políticas públicas. Segundo o desembargador, decisões nesse sentido ofendem a ordem pública.
“Faz-se necessário mencionar, ainda, que é de se reconhecer, data venia, a existência de ofensa à ordem pública, na perspectiva da ordem administrativa, na hipótese em que o Poder Judiciário interfere nos critérios de conveniência e oportunidade do ato administrativo e das políticas públicas, substituindo-se ao administrador público”, escreveu o presidente do TRF-1.
Entenda o caso
As Defensorias Públicas do Estado (DPE-AM) e da União (DPU) obtiveram na Justiça Federal, no dia 25 de fevereiro, liminar que obriga o Estado do Amazonas a comprovar, em 10 dias, a utilização de R$ 150 milhões do FTI na aquisição “urgente, prioritária e essencial” de vacinas contra a Covid-19. O descumprimento da decisão implicará na incidência de multa diária.
A liminar foi concedida pela juíza federal Jaiza Fraxe, que também deferiu aditamento da DPE-AM para a inclusão do Estado do Amazonas como réu na ação civil pública movida em conjunto com a DPU contra a União. O Estado recorreu da decisão.
Na ação, as Defensorias têm o objetivo de obrigar os entes públicos a adquirir, em 30 dias ou outro prazo razoável, novas doses da vacina contra a Covid-19 e destiná-las aos municípios de Manaus, Tefé, Iranduba, Itacoatiara, Parintins, Coari e Tabatinga, de forma a atingir a imunização de, pelo menos, 70% da população, sem prejuízo às prioridades definidas no Plano Nacional de Imunização (PNI).
Protesto em rede social
Em sua conta no Twitter, Jaiza Fraxe comentou a decisão do presidente do TRF-1. A magistrada escreveu que vai intimar as partes do processo. “Decisão judicial deve ser cumprida”, escreveu.
Leia abaixo a íntegra da decisão:
PROCESSO: 1008602-60.2021.4.01.0000 PROCESSO REFERÊNCIA: 1001975-43.2021.4.01.3200CLASSE: SUSPENSÃO DE LIMINAR E DE SENTENÇA (11555)
POLO ATIVO: ESTADO DO AMAZONAS
POLO PASSIVO:01 VARA FEDERAL AM
DECISÃO
Trata-se de “PEDIDO DE SUSPENSÃO DE TUTELA DE URGÊNCIA” (ID 103263518, Pág. 1, fl. 3 dos autos digitais) apresentado pelo ESTADO DO AMAZONAS, objetivando, em síntese, “(…) a suspensão da decisão proferida pelo juízo originário (1ª Vara Federal da Seção Judiciária do Estado do Amazonas), nos autos da ação civil pública n. 1001975-43.2021.4.01.3200, (id 457808887), que ordenou ao Estado do Amazonas a aquisição, em 10 (dez) dias, de forma direta, com o uso de recursos da Lei n° 5.391/2021 (R$ 150 milhões) de vacinas contra a Covid-19, para que a decisão deixe de ter eficácia imediata, perdurando os efeitos da decisão até o trânsito em julgado da demanda originária” (ID 103263518, Págs. 18/19, fls. 20/21 dos autos digitais).
Em defesa de sua pretensão, o ora requerente trouxe à discussão, em resumo, as teses jurídicas e a postulação contidas no pedido de suspensão de tutela de urgência de ID 103263518, Págs. 1/19, fls. 3/21 dos autos digitais.
É, em síntese, o relatório. Decido.
De início, faz-se necessário consignar que, nos termos do art. 12, § 1º da Lei 7.347/1985 (Lei da Ação Civil Pública), “A requerimento de pessoa jurídica de direito público interessada, e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia pública, poderá o Presidente do Tribunal, ao qual couber o conhecimento do respectivo recurso, suspender a execução da liminar, em decisão fundamentada, da qual caberá agravo, para uma das turmas julgadoras, no prazo de 5 (cinco) dias, a partir da publicação do ato”.
O artigo 4º, caput, da Lei 8.437/1992 dispôs, por sua vez, que “Compete ao presidente do tribunal ao qual couber o conhecimento do respectivo recurso, suspender, em despacho fundamentado, a execução da liminar nas ações movidas contra o Poder Público ou seus agentes, a requerimento do Ministério Público ou da pessoa jurídica de direito público interessada, em caso de manifesto interesse público ou de flagrante ilegitimidade, e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas”.
No plano infralegal, o Regimento Interno desta Corte previu, em seu art. 322, caput, que, “Na ação civil pública, o presidente do Tribunal poderá suspender a execução de medida liminar (art. 12, §1º, da Lei 7.347/1985), o mesmo podendo ocorrer nas hipóteses de que tratam o art. 4º da Lei 8.437/1992 e o art. 1º da Lei 9.494/1997. Poderá, ainda, suspender a execução de sentenças nas hipóteses do §1º do art. 4º da Lei 8.437/1992”.
Portanto, o deferimento da suspensão da execução de medida liminar, de tutela de urgência ou de sentença, em sede de procedimento de competência da Presidência deste Tribunal Regional Federal, constitui-se em via estreita e excepcional, que se encontra preordenada à finalidade de evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas.
Descabe nessa via, por conseguinte, apreciar o mérito propriamente da questão discutida no processo originário, eis que a matéria de fundo será, se for o caso, oportunamente examinada na via recursal própria. Nesse sentido, o mérito da medida de suspensão de eventual tutela de urgência não se confunde com a matéria de mérito discutida no processo de origem, porquanto, no presente feito, está a se discutir e a se analisar o potencial risco de abalo à ordem, à saúde, à segurança ou à economia públicas em consequência do ato questionado (art. 12º, §1º da Lei 7.347/1985, art. 4º, caput, da Lei 8.437/1991, art. 15 da Lei 12.016/2009 e art. 322 do RITRF-1ª Região).
A propósito, destaca-se a jurisprudência do egrégio Supremo Tribunal Federal, no sentido de que “a natureza excepcional da contracautela permite tão somente juízo mínimo de delibação sobre a matéria de fundo e análise do risco de grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas” (SS 5.049-AgR-ED, Rel. Min. Presidente Ricardo Lewandowski, Tribunal Pleno DJe de 16/5/2016).
No caso, faz-se necessário mencionar que a decisão impugnada, na parte que, concessa venia, reputo como essencial para o exame do pedido em discussão, tem o seguinte teor:
“(…)
A concessão de liminar em ação civil pública encontra assento legal no art. 12 da Lei nº 7.347/1985, possibilitando, em juízo preambular, de cognição sumária, a antecipação dos efeitos da tutela pretendida.
Ainda, prevê o artigo 300 do Código de Processo Civil que o juiz pode antecipar a tutela nos casos em que se evidencie a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.
O Estado do Amazonas já fez o decote de R$ 150.000.000,00 (cento e cinquenta milhões) de reais do Fundo de Fomento ao Turismo, Infraestrutura, Serviços e Interiorização do Desenvolvimento (FTI), inclusive, com a aprovação da Assembleia Legislativa do Estado do Amazonas para a aquisição dessas vacinas, porém, ainda não sinalizou a compra (https://18horas.com.br/amazonas/governador-do-am-envia-a-assembleia-projetos-de-repasse-de-10-do-fti-para-combate-a-covid-19-no-interior/).
No dia de ontem (24.02.2021) o Congresso Nacional liberou para que Estados e Municípios realizem a compra direta de vacinas, sem a necessidade de intervenção da União (https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2021/02/24/senado-aprova-que-estados-municipios-e-setor-privado-comprem-vacinas-contra-a-covid-19 e https://www.camara.leg.br/noticias/729903-camara-aprova-mp-que-facilita-compra-de-vacinas-contra-covid-19).
Ao mesmo tempo, o Supremo Tribunal Federal, em votação de processo que trata da matéria, com a maioria já tendo consignado em seus votos, também liberou para que Estados e Municípios realizem a compra da vacina (https://g1.globo.com/politica/noticia/2021/02/23/stf-tem-maioria-para-permitir-que-estados-e-municipios-comprem-vacinas-contra-covid-19-se-uniao-descumprir-planejamento.ghtml).
Sobre o assunto, Lewandowski apontou que embora seja de responsabilidade do Ministério da Saúde coordenar e definir as vacinas que vão integrar o PNI, tal atribuição não exclui a competência de Estados e municípios para adaptá-lo às suas realidades locais (grifei) (https://www.correiodopovo.com.br/not%C3%ADcias/pol%C3%ADtica/stf-forma-maioria-para-permitir-que-estados-e-munic%C3%ADpios-comprem-vacinas-1.575385)
Considerando que a União tem trabalhado e concretizado uma política pública de priorizar o Estado do Amazonas, inclusive com vacinas extras de fundo específico para isso, o que significa um aporte de 5%, adoto o posicionamento de que por ora, essa obrigação de continuar e intensificar a vacinação complementar pode e deve ser do réu Estado do Amazonas, em especial diante da constatação de que já destacou 150 milhões de reais para a compra de insumos, sem, todavia, ter concretizado ainda as medidas necessárias.
Com efeito, ressalto que não se trata de realização graciosa de política pública pelo Poder Judiciário, uma vez que, como destaquei no parágrafo anterior, o próprio réu Estado já reservou o referido montante para aquisição das vacinas.
Por sua vez, já existe pronunciamento da ALE/AM, do Congresso Nacional e do STF (por maioria de votos), não havendo impedimentos na perspectiva jurídica, financeira ou política, ou mesmo mínima afronta à reserva do possível, eis que a verba já foi decotada de fonte própria.
Há, portanto, extrema necessidade e urgência no deferimento da medida, pois há flagrante economia de gastos públicos a curto, médio e longo prazo. Não se pode deixar de observar que haverá controle de leitos, de medicações, de oxigênio, de todo tipo de insumo que está gerando despesa e explosão de demandas e processos em relação ao Estado do Amazonas e sua população.
Com a realização do controle epidemiológico por meio de vacinação em massa, recupera-se também a economia local, evidenciando-se, assim, razões econômicas, científicas e sanitárias pela concessão da liminar.
Por sua vez, sendo o Estado do Amazonas estratégico do ponto de vista geográfico para o Brasil e para o restante do mundo, a cobertura vacinal de sua população não interessa apenas localmente, mas a todos os continentes, na medida em que, sendo Manaus o coração da Amazônia, transitam por aqui pessoas de todos os lugares, da Europa à África.
Ademais, a imunização da população amazonense é medida de implicação ambiental direta e indireta, na medida em que o isolamento a que está sendo submetida a população facilita a ação de infratores da lei ambiental, degradadores da floresta, posto que as autoridades estão em grande parte submetidas a trabalho remoto.
Não posso deixar também de mencionar a quase extinção do Povo Indígena Juma, com a morte do seu último Cacique por COVID19 e a sobrevivência de apenas mais 3 de seus indivíduos. Populações tradicionais que carregam grande riqueza ancestral estão em vias de desaparecer, de modo que os fabricantes de imunizantes não irão se recusar a destinar alguns lotes do insumo a essa importantíssima região do planeta que carrega a maior sociobiodiversidade já conhecida pela humanidade, com incalculáveis valores agregados ao seu modo de vida ancestral e tradicional e profundo conhecimento dos princípios ativos da Amazônia.
Também necessário ressaltar (fato tornado público no dia de ontem) que o Estado, por meio do Diretor da FVS – Fundação de Vigilância em Saúde, sr. Cristiano Fernandes, por sua conta e risco, modificou o Plano Nacional estratégico de operacionalização e combate à COVID19, alterando grupos prioritários idealizados pela União (Ministério da Saúde) para ceder pressão e incluir, sem autorização judicial ou administrativa, coveiros e profissionais de empresas do ramo de funerárias (agentes funerários ou de inumação), alegando que são equiparados a profissionais de saúde linhas de frente. A conduta, irregular e passível de apuração imediata pelos órgãos persecutórios, mostra o quanto há momentos de desespero em vários setores, sendo necessário e urgente adquirir mais vacinas para que todos tenham acesso a imunizantes sem necessitar burlas as regras do jogo.
A CBI – Comissão Intergestores Bipartite do Estado do Amazonas não é autorizada pelo legislador ordinário federal a proceder modificação de fila dos grupos prioritários do MS (Ministério da Saúde). Sua atuação complementar permite dialogar sobre questões locais do plano nacional, mas nunca oficializar ‘fura-fila’. A conduta mostra o quanto o Estado necessita, ele próprio, adquirir imunizantes e cobrir sua população sem burlar o programa nacional.
De outra parte, é ainda público e notório o falecimento por COVID19 de 60 – sessenta- profissionais das polícias locais, sendo urgente e necessária a imunização desse grupo que vem trabalhado para manter a segurança da população, fiscalizando festas e aglomerações clandestinas, burlas à lei de toda sorte e combatendo fortemente o crime nas ruas.
Portanto, é urgente, justo e necessário necessário aprofundar o diálogo com empresas produtoras de vacinas e as respectivas relações comerciais para a destinação dos valores ja destacados pelo governo estadual, no montante de 150 milhões de reais.
Conforme acertadamente afirmaram os autores, (…) ‘não há dúvidas de que conjuntura delineada acena, sob os parâmetros decisórios fixados pelo STF, para o reconhecimento da obrigação de o Estado do Amazonas adquirir os imunizantes, em quantidade suficiente para imunizar pelo menos 70% (setenta por cento) da população elegível do município de Manaus e do subconjunto prioritário de municípios do interior (Manacapuru, Tefé, Iranduba, Itacoatiara, Parintins, Coari e Tabatinga)’.
Antes que se indague qual imunizante estaria disponível no momento em que o planeta fala em escassez desse insumo, o Juízo exemplifica a vacina da fabricante Pfizer, (RNA), cujos responsáveis afirmaram claramente que possuem disponibilidade e só vendem para governos. Não é demais observar que o mecanismo eficiente da vacina mencionada confere grande economia, tanto na logística para a chegada do imunizante quanto para a sua aplicação.
Estudos científicos e biotecnólogicos apontam que a vacina da Pfizer e da BioNTech contra a COVID-19 é baseada no RNA mensageiro, ou mRNA, que ajuda o organismo a gerar a imunidade contra o coronavírus, especificamente o vírus SARS-CoV-2. A ideia é que o mRNA sintético dê as instruções ao organismo para a produção de proteínas encontradas na superfície do vírus.. No ponto, a própria aquisição para o Amazonas é facilitada pela sua localização estratégica, podendo ser viabilizada e operacionalizada por meio do Estado da Flórida, cidade de Miami, com o custo reduzido.
Ainda, há recentes notícias de sua elevada eficácia, atingindo em torno de 94% da redução de casos sintomáticos e uma diminuição em 92% para desenvolvimento de casos graves (https://veja.abril.com.br/saude/vacina-da-pfizer-reduz-os-casos-sintomaticos-em-94-em-israel/).
Ressalto que se trata de apenas um exemplo do Juízo, uma vez que essa compra o Estado deve verificar e realizar um estudo de custo benefício, com a urgência que o caso requer.
Por outro lado, importante observar que a decisão ora tomada leva em consideração a parceria do juízo federal da 1a vara para o Estado, uma vez que seu gestor maior já vem demonstrando a preocupação em adquirir vacinas, tanto que já reservou inicialmente 150 milhões de reais para a despesa específica, decotando a verba do FTI – fundo de turismo e interior.
Todavia, em razão do grave estado de calamidade pública pelo que passa o Amazonas, onde muitas frentes de trabalho são necessárias, ainda não se viabilizou a aquisição. Assim, para evitar mais mortes decorrentes do contágio avassalador e o implacável transcurso de tempo e por considerar o juízo que já se perderam mais de cinco mil pessoal no Amazonas pela COVID 19 apenas em 2021, não há mais tempo a perder.
Dessa forma, fica expressamente autorizado o Estado do Amazonas a proceder à imediata aquisição de vacinas a pelo menos 70% de sua população, considerando a capital e o interior.
Presentes, assim, a probabilidade do direito e o risco ao resultado útil do processo, caso postergada a apreciação do pedido.
1. Portando, neste momento processual, DEFIRO em parte a LIMINAR para que o ESTADO DO AMAZONAS, em 10 (dez) dias, utilize o montante total de R$150.000.000,00 (cento e cinquenta milhões), já aprisionado dos Municípios (FTI), para que realize a aquisição urgente, prioritária e essencial de vacinas.
2. Em razão da emenda, determino a intimação e citação do ESTADO DO AMAZONAS para, respectivamente, dar ciência da liminar deferida e, em 10 – dez – dias, comprovar o cumprimento da ordem judicial de aquisição de vacinas com a utilização do montante mencionado já decotado e, no prazo de lei, apresentar sua contestação.
3. Advirto que, o descumprimento da presente decisão implicará na incidência de multa-diária a qual fixo em 50 – cinquenta – reais, não podendo ultrapassar o valor de um milhão de reais (R$1.000.000,00), em face de precedentes pretorianos.
4. As intimações deverão ser realizadas com urgência, por Oficial plantonista, observadas as medidas sanitárias, com preferência da intimação por e-mail. O destinatário da mensagem deverá retornar a respectiva ciência da sua intimação no mesmo dia, sob pena de restar configurada a má-fé.
5. A União permanecerá no polo passivo, na medida em que, constatada eventual omissão em relação à imunização no Estado, poderá ser novamente apreciado o pleito liminar em seu desfavor.
6. Intimem-se os Ministérios Públicos Federal e estadual, para providências a seu cargo, em razão da burla aos grupos do planejamento nacional.
7. Dê-se a necessária publicidade. Intimem-se. Cite-se. Prossiga-se no feito.
(…)” (ID 457808887 – Autos de origem: ACPCiv n. 1001975-43.2021.4.01.3200)
Faz-se importante consignar, na espécie, no que diz respeito ao conceito de saúde pública, prevista no art. 4º, caput, da Lei 8.437/1991, que se apresenta como necessário destacar que, nos termos do art. 196, caput, da Constituição Federal, “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”.
Extrai-se, assim, do excerto constitucional, em interpretação sistemática com o art. 6º, da Constituição Federal, que a saúde é direito social e dever do Estado.
E, acerca da atuação do Poder Judiciário em processos que envolvam políticas sociais e econômicas voltadas para a garantia do direito social à saúde pública, merece realce decisum proferido no âmbito do egrégio Supremo Tribunal Federal, pelo eminente Ministro Dias Toffoli, em que se observou, acerca da tutela da saúde pública, que:
“(…)
Ademais, a tutela ora atacada impôs ao Poder Público a tomada de uma série de providências, de índole administrativa, a serem implementadas em curto espaço de tempo e sob pena de multa, as quais dizem respeito à área de saúde pública, medidas essas que não podem ser isolada e unilateralmente impostas, notadamente em tempos de pandemia.
Assim, parece claro que a execução dessas medidas poderá acarretar grave lesão à ordem público-administrativa e mesmo econômica no âmbito do estado do Piauí.
Como tenho ressaltado, sempre que chamado a intervir em processos relacionados à pandemia causada pela disseminação do coronavírus, em função da gravidade da presente situação, exige-se a tomada de medidas coordenadas e voltadas ao bem comum, incumbindo ao Estado coordenar, precipuamente, os esforços a serem empreendidos no combate às drásticos efeitos decorrentes dessa pandemia.
Assim, não cabe ao Poder Judiciário decidir onde e como devem ser implantados leitos hospitalares, ou mesmo quais políticas públicas devem ser adotadas, substituindo-se aos gestores responsáveis pela condução dos destinos do Estado, neste momento, notadamente em autos de ação que não se presta a tanto.
Apenas eventuais ilegalidades ou violações à ordem constitucional vigente devem merecer sanção judicial, para a necessária correção de rumos, mas jamais – repita-se – promover-se a mudança das políticas adotadas, por ordem de quem não foi eleito para tanto e não integra o Poder Executivo, responsável pelo planejamento e execução dessas medidas.
Não se mostra admissível que uma decisão judicial, por melhor que seja a intenção de seu prolator ao editá-la, venha a substituir o critério de conveniência e oportunidade que rege a edição dos atos da Administração Pública, notadamente em tempos de calamidade como o presente, porque ao Poder Judiciário não é dado dispor sobre os fundamentos técnicos que levam à tomada de uma decisão administrativa.
Ademais, a imposição de ordens da magnitude dessas, ora em análise, não pode ser feita de forma isolada, sem prévia apreciação de suas consequências para o orçamento público como um todo, que está sendo chamado a fazer frente a despesas imprevistas e que certamente têm demandado esforço criativo, para a manutenção das despesas correntes básicas.
Inegável, destarte, concluir-se que a decisão objeto do presente pedido apresenta grave risco de acarretar sérios danos à ordem pública, administrativa e econômica do estado requerente, fato a recomendar a suspensão de seus efeitos.
Ante o exposto, defiro o pedido para suspender, liminarmente, os efeitos da decisão proferida nos autos do Dissídio Coletivo de Greve nº 0711334-51.2019.8.18.0000, em trâmite no Tribunal de Justiça piauiense, até o respectivo trânsito em julgado” (SL 1321 MC / PI – PIAUÍ, MEDIDA CAUTELAR NA SUSPENSÃO DE LIMINAR, Relator(a): Min. PRESIDENTE, Decisão proferida pelo(a): Min. DIAS TOFFOLI Julgamento: 29/04/2020, Publicação PROCESSO ELETRÔNICO DJe-117 DIVULG 11/05/2020 PUBLIC 12/05/2020)
Não fosse apenas isso, se apresenta como necessário destacar, acerca do conceito de ordem pública administrativa, excerto do voto condutor do acórdão, proferido no âmbito do egrégio Supremo Tribunal Federal, pelo eminente Ministro Sepúlveda Pertence, na SS 846-AgR/DF, no qual Sua Excelência observou que:
“33. Como é sabido, deve-se ao em. Ministro Néri da Silveira, ao tempo em que Presidente do extinto Tribunal Federal de Recursos, a construção – que fez escola – do risco à ordem administrativa, contido na alusão legal à ordem pública, como motivo da suspensão de segurança.
34. É preciso convir, no entanto, que – ao contrário da saúde, da segurança, da economia e da ordem pública material, que comportam significação juridicamente neutra -, o conceito de ordem pública administrativa está inextrincavelmente vinculado à verificação, ao menos, da aparente legalidade da postura da Administração que a decisão a suspender põe em risco.
35. Recordem-se, a propósito, em uma de suas decisões pioneiras a respeito, as palavras do Ministro Néri da Silveira – TFR, SS 5.265, DJ 7.12.79:
“…Quando na Lei nº 4348/1964, art. 4º, se faz menção a ameaça de lesão à ordem, tenho entendido que não se compreende, aí, apenas, a ordem pública, enquanto esta se dimensiona em termos de segurança interna, porque explicitamente de lesão à segurança, por igual, cogita o art. 4º da Lei nº 4348/1964. Se a liminar pode constituir ameaça de grave lesão à ordem estabelecida para a ação da Administração Pública, por força da lei, nas suas múltiplas manifestações, cabe ser suspensa sua eficácia pelo Presidente do Tribunal. Não pode, em verdade, o juiz decidir contra a lei. Se esta prevê determinada forma para a prática do ato administrativo, não há o juiz, contra a disposição normativa, de coarctar a ação do Poder Executivo, sem causa legítima. Fazendo-o, atenta contra a ordem estabelecida, em lei, para os atos da Administração”.
36. “Ordem Administrativa” é, assim, não a que pretenda impor a vontade da autoridade pública, mas, unicamente, “a ordem estabelecida, em lei, para os atos da Administração”. (realce em negrito acrescido).
Vale destacar, ainda, que, na Suspensão de Segurança 4.405-SP (TFR), o Ministro Neri da Silveira deixou consignado que:
“(…) no juízo de ordem pública está compreendida, também, a ordem administrativa em geral, ou seja, a normal execução do serviço público, o regular andamento das obras públicas, o devido exercício das funções da administração, pelas autoridades constituídas” (TFR, SS 4.405, DJU 7.12.1979, in VENTURI, Elton. Suspensão de liminares e sentenças contrárias ao poder público. 3ª ed. São Paulo: Malheiros, 2017, p. 207 – realce em negrito acrescido).
Em juízo de cognição sumária, inerente ao atual momento processual, verifica-se, concessa venia, a existência de potencial risco de grave lesão à ordem pública, na perspectiva da ordem administrativa, diante da circunstância de, no caso, se vislumbrar a possibilidade de a r. decisão questionada haver, em resumo, violado o princípio da separação funcional dos poderes (art. 2º, da CF/1988), na medida em que, com a licença de ótica distinta, na forma do que indicado na petição inicial, a referida decisão “(…) interfere no exercício das funções de administração, gestão e custeio de políticas públicas” (ID 103263518, Pág. 4, fl. 6 dos autos digitais), além de determinar “(…) o uso de verba orçamentária, destinada a outros fins igualmente relevantes no combate ao SARS-CoV-2 no interior do Estado (aquisição de equipamentos, contratação direta de profissionais de saúde, aquisição de EPIs, insumos, equipamentos hospitalares, etc), para a aquisição de vacinas – mesmo tendo reconhecido o cumprimento e execução do PNI pela União, causando a desassistência material de 61 (sessenta e um) municípios do interior para a aquisição de vacinas para apenas 8 (oito) destes municípios relacionados no pedido das autoras – inclusive o de Manaus, capital do Estado, que sequer é beneficiário da verba destinada ao interior” (ID 103263518, Págs. 4/5, fls. 6/7 dos autos digitais).
No caso, com a licença de ótica distinta, ao determinar “(…) que o ESTADO DO AMAZONAS, em 10 (dez) dias, utilize o montante total de R$150.000.000,00 (cento e cinquenta milhões), já aprisionado dos Municípios (FTI), para que realize a aquisição urgente, prioritária e essencial de vacinas” (ID 457808887 – Autos de origem: ACPCiv n. 1001975-43.2021.4.01.3200), sem que fosse identificado na espécie, com a segurança que o caso requer, a existência de vício formal, omissão ou desvio de finalidade na implementação das políticas voltadas para o enfrentamento da pandemia da COVID-19, o MM. Juízo Federal de origem acabou, permissa venia, interferindo no exercício da competência administrativa atinente à gestão do quadro de grave crise sanitária vivenciado no Estado do Amazonas.
Ainda nessa quadra, concernente a atuação do Estado do Amazonas na gestão da política pública de imunização, impende salientar o asseverado, na inicial, no sentido, em síntese, de que “(…) a definição da compra só pode competir à administração pública, porque cabe apenas ao administrador definir a conveniência e oportunidade, as formas de tratativas para a compra, as condições de distribuição e armazenamento, a forma de custeio e o valor que pode ser usado nessa operação, dentre outros aspectos intrínsecos à atividade administrativa” (ID 103263518, Pág. 12, fl. 14 dos autos digitais).
Faz-se necessário mencionar, ainda, que é de se reconhecer, data venia, a existência de ofensa à ordem pública, na perspectiva da ordem administrativa, na hipótese em que o Poder Judiciário interfere nos critérios de conveniência e oportunidade do ato administrativo e das políticas públicas, substituindo-se ao administrador público.
A propósito, merece realce o precedente jurisprudencial do egrégio Superior Tribunal de Justiça cuja ementa vai a seguir transcrita e que, concessa venia, vislumbro como aplicável ao caso presente:
AGRAVO INTERNO NA SUSPENSÃO DE LIMINAR E DE SENTENÇA. GRAVE LESÃO À ORDEM E À ECONOMIA PÚBLICAS. DECISÃO LIMINAR. AMPLIAÇÃO DO ROL DE BENEFICIÁRIOS NÃO PREVISTOS EM MEDIDA PROVISÓRIA. CARÁTER SATISFATIVO DA MEDIDA. INGERÊNCIA INDEVIDA NA ADMINISTRAÇÃO. INTERESSE PÚBLICO MANIFESTO. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO.
1. A suspensão de segurança é medida excepcional de contracautela cuja finalidade é evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança ou à economia públicas.
2. Comprovada a grave lesão à ordem e à economia públicas provocada por decisão liminar que interfere na gestão, na organização e no custeio de políticas públicas, invadindo a competência do Poder Executivo, é manifesto o interesse público em suspendê-la.
3. Agravo interno desprovido. (AgInt na SLS 2.714/SE, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, CORTE ESPECIAL, julgado em 05/08/2020, DJe 13/08/2020 – realcei)
Não se apresenta, assim, com a licença de posicionamento diverso, como juridicamente admissível ao Poder Judiciário que, como regra geral, ao exercitar o controle jurisdicional das políticas públicas, possa interferir, decisivamente, na sua formulação, execução e/ou gestão, quando inexistentes seguros elementos de convicção aptos a configurar a ilegalidade ou inconstitucionalidade na atuação do Poder Executivo.
Por isso, não havendo suficientes e seguros elementos de convicção que demonstrem, com segurança, a ilegalidade ou a inconstitucionalidade do(s) ato(s) administrativo(s) impugnado(s), prevalece, nessa hipótese, a presunção de legitimidade que se opera em relação aos atos praticados pelo administrador, sobretudo em cenário de pandemia, de modo a se respeitar, na espécie, em última análise, o espaço de discricionariedade da Administração Pública.
Por outro lado, verifica-se, também, na espécie, permissa venia, o risco de grave lesão à saúde pública, na medida em que, pedindo-se novamente licença a ótica distinta, na forma do que indicado na petição inicial, a decisão impugnada “(…) ordena a compra direta de vacinas, por meio do uso de verba orçamentária destinada a outros fins, dentro da própria área de saúde pública e com vistas à adoção de outras medidas de enfrentamento da crise sanitária causada pelo SARS-CoV-2, (…)” (ID 103263518, Págs. 10/11, fls. 12/13 dos autos digitais), cumprindo salientar, ainda, nessa esteira, o asseverado pelo requerente, no sentido em resumo de que “(…) o uso integral desse montante para aquisição de vacinas frustrará as outras finalidades previstas, como aquisição de medicamentos (não vacinais), contratação de profissionais de saúde, aquisição de EPIs, insumos, equipamentos hospitalares e etc. pelos fundos municipais de saúde, que deixarão de receber o repasse fundo a fundo previsto na lei” (ID 103263518, Pág. 15, fl. 17 dos autos digitais – grifei).
Impende salientar, além disso, em juízo mínimo de delibação a respeito da matéria de fundo, que, a teor do sustentado pelo Estado do Amazonas, “(…) a definição das vacinas integrantes do plano nacional, e sua aquisição, são de competência da União, a qual, por meio do Plano Nacional de Imunização, e especificamente no Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação Contra a Covid-19, deve definir, adquirir e transferir aos estados as doses das vacinas necessárias para a campanha de vacinação” (ID 103263518, Pág. 12, fl. 14 dos autos digitais), merecendo realce, ainda, na mesma quadra, o asseverado, no sentido, em resumo, de que “(…) a judicialização da questão da aquisição das vacinas, por meio das ADPF n° 754 e 785, não implica no dever de os Estados e municípios adquirirem diretamente os imunizantes no caso de omissão da ANVISA em autorizar o uso, mas sim conferem a prerrogativa, e não a obrigação, para que os entes públicos, no caso de descumprimento do PNI ou se a cobertura do pano for insuficiente, executarem políticas públicas de aquisição de vacinas na medida das definições governamentais respectivas. (ID 103263518, Pág. 12, fl. 14 dos autos digitais).
Finalmente, encontra-se presente, no caso, data venia, o periculum in mora, uma vez que, a teor do asseverado na inicial, “(…) o já referido despacho informativo do Fundo Estadual de Saúde, até 31 de março deveria ocorrer o repasse de mais R$ 20.000.000,00 (vinte milhões de reais) aos fundos municipais de saúde do interior para as ações locais de saúde, repasse este que estaria prejudicado pela manutenção da decisão, sendo certo que deve haver imediata apreciação do pedido com vistas a não frustrar o recebimento, por todos os 61 municípios do interior do Amazonas, de valores extremamente importantes para as ações de saúde necessárias” (ID 103263518, Pág. 18, fl. 20 dos autos digitais – sublinhei).
Diante disso, defiro o postulado pelo Estado do Amazonas, na forma requerida na inicial.
Comunique-se ao MM. Juízo Federal de origem, ora requerido, encaminhando-lhe cópia desta decisão.
Não havendo interposição de recurso, arquivem-se os autos.
Intimem-se, com observância das formalidades e cautelas legais e de praxe inerentes ao procedimento seguido por este processo.
Brasília, na data em que assinado eletronicamente.
I’TALO FIORAVANTI SABO MENDES
Desembargador Federal
Presidente