MANAUS – A primeira-dama de Manaus, Elisabeth Valeiko do Carmo Ribeiro, ingressou no último dia 18 de dezembro com um habeas corpus no Tribunal de Justiça do Amazonas (TJ-AM) pedindo que seja anulada uma decisão que autorizou a quebra dos seus sigilos bancário, fiscal e bursátil (referente à transações na bolsa de valores).
O pedido foi feito no mesmo dia em que o Ministério Público Estadual do Amazonas (MP-AM) realizou operação (“Boca Raton”), que teve entre os alvos a primeira-dama, sua filha, Paola Valeiko, e seu genro, Igor Gomes. O MP-AM investiga possíveis crimes relacionados à evolução patrimonial da filha e do genro de Elisabeth, e eventual participação desta nas ilegalidades.
No pedido para impedir que seus sigilos bancário, fiscal e bursátil sejam quebrados, Elisabeth é representada pelo escritório de advocacia Bottini&Tamasauskas, de São Paulo. No habeas corpus, os advogados reclamam que a quebra do sigilo foi concedida desrespeitando o artigo 282, §3º do Código de Processo Penal.
Na interpretação da defesa de Elisabeth, seguindo o que determina o referido artigo, antes de tomar a decisão, a Justiça deveria ter intimado a primeira-dama a se manifestar sobre o caso.
“Art. 282. As medidas cautelares previstas neste Título deverão ser aplicadas observando-se a: § 3º Ressalvados os casos de urgência ou de perigo de ineficácia da medida, o juiz, ao receber o pedido de medida cautelar, determinará a intimação da parte contrária, para se manifestar no prazo de 5 (cinco) dias […]”, destacam os advogados no habeas corpus.
Time para a quebra do sigilo
O pedido de quebra de sigilo foi apresentado pelo MP-AM no dia 24 de setembro de 2020. E a decisão judicial foi proferida em 9 de novembro de 2020. Os investigadores pediram para acessar a movimentação financeira de Elisabeth entre janeiro de 2016 a agosto de 2020.
Para os advogados, ao determinar a quebra do sigilo depois de um mês e meio do pedido ministerial, a Justiça não pode sustentar também a justificativa de que havia urgência suficiente para não intimar Elisabeth.
Os advogados alegam ainda que depois de um ano de investigação, o MP-AM não conseguiu definir nenhum crime cometido por Paola e Igor, muito menos pela primeira-dama. A investigação iniciou dia 26 de novembro de 2019. O caso está sob segredo de Justiça.
Entre os indícios de possível envolvimento da primeira-dama em práticas ilegais, o MP-AM sustenta que Elisabeth possui procuração para representar a filha (Paola) em instituições financeiras e para tratar de negócios de interesse de Igor, seu genro.
Os advogados de Elisabeth confirmam a existência das procurações, no entanto, ressaltam que a cliente nunca fez uso das mesmas. E que não passa de ilação utilizar a existência de tais documentos para ligar a primeira-dama a possíveis atos ilegais cometidos por Paola e Igor.
“Contudo, não indica qualquer ato concreto que a PACIENTE teria praticado valendo-se das referidas procurações, de modo que a suposição de seu envolvimento em eventuais condutas praticadas por terceiros converte-se em verdadeira ilação desprovida de elementos mínimos de corroboração”, escrevem os advogados no habeas corpus apresentado no dia 18 de dezembro.
Carro e apartamento
O MP-AM inclui nos indícios que trouxeram Elisabeth para o centro das investigações a aquisição de bens que supostamente seriam incompatíveis com seus rendimentos enquanto membro do secretariado do marido, prefeito Arthur Neto (PSDB).
Quando pediu a quebra do sigilo da primeira-dama, o MP-AM informou que Elisabeth assumiu a presidência do Fundo Manaus Solidária em maio de 2017, adquirindo, após essa data, veículo avaliado em cerca de R$ 176 mil reais e um apartamento avaliado em R$ 218 mil reais.
Os advogados de Elisabeth dizem que ela poderia explicar a aquisição desses bens sem que fosse necessário quebrar seu sigilo bancário, fiscal de bursátil.
“Por último, já expusemos que a decretação da quebra de seu sigilo bancário, fiscal e bursátil não é o único meio capaz de averiguar se as movimentações financeiras da PACIENTE são compatíveis com seus rendimentos, para o que seria suficiente que ela fosse intimada comparecer perante o Ministério Público para prestar esclarecimentos em relação à compra do carro e do apartamento em questão”, escrevem os advogados no habeas corpus.
“A decretação de quebra de sigilo de dados não se presta a complementar medidas decretadas em favor de terceiros. O sigilo de dados e a intimidade são direitos personalíssimos, de envergadura constitucional, cuja relativização demanda a existência de elementos concretos em desfavor do alvo da medida, e não de terceiros. Além disso, tampouco há como se falar em suposta coautoria por parte da PACIENTE, uma vez que se desconhece, até hoje, quais teriam sido os crimes praticados, objetos da investigação do PIC”, completa a defesa de Elisabeth.
Questionada pela reportagem sobre o assunto, a Prefeitura de Manaus respondeu que não foi alvo da operação, e que está à disposição das autoridades para qualquer esclarecimento necessário.
Elisabeth foi exonerada do cargo sete dias antes da operação “Boca Raton”, no dia 11 de dezembro. Um dia antes, vistoria serviços da prefeitura e dava ordens a secretários (veja a galeria abaixo).
A primeira-dama tinha grande poder na gestão do marido, com aval para vistoriar obras e dar ordens a secretarias. O vice-prefeito de Manaus, Marcos Rotta (DEM), já disse em entrevista à imprensa que é Elisabeth quem “dá as cartas” na Prefeitura de Manaus.
Rotta rompeu com Arthur Neto em 2018.
Um dos pontos investigados na operação do MP-AM, no dia 18 de dezembro, é a compra por parte dos alvos de imóveis em Boca Raton, cidade na costa sudeste da Flórida (EUA), conhecida pelos campos de golfe, os parques e as praias.
Lavagem de dinheiro, peculato, tráfico de influência e corrupção ativa e passiva
Em nota à imprensa divulgada no dia 18 de dezembro, o MP-AM informou que o material apreendido na operação “Boca Raton” vai reforçar as investigações do procedimento investigatório criminal, aberto em 2019, “que tem o objetivo de desbaratar uma possível organização criminosa que atua em Manaus praticando crimes de lavagem de dinheiro, peculato, tráfico de influência, corrupção ativa e passiva”.
Segundo o MP-AM, foram cumpridos 20 mandados de busca e apreensão e 11 mandados de buscas pessoais. Os alvos foram pessoas físicas e jurídicas em diversos pontos da cidade.
De acordo com o MP-AM, a investigação já reúne relatórios de Inteligência Financeira, oriundos de órgãos de controle, como o Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), além de outras provas materiais, colhidas durante a tramitação do processo investigatório pertinente.
Foto: Mário Oliveira – SEMCOM