MANAUS – A Justiça Federal suspendeu os efeitos de decreto editado em maio deste ano, pelo governo federal, que transferiu o poder de concessão de florestas públicas do Ministério do Meio Ambiente (MMA) para o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa).
A sentença da 1ª Vara Cível Seção da Judiciária do Pará foi assinada, nesta quarta-feira (8), pelo juiz federal Henrique Jorge Dantas da Cruz.
O magistrado tomou a decisão ao apreciar ação popular, de autoria dos advogados Hugo Leonardo Pádua Mercês e Luís de Camões Lima Boaventura, que é procurador da República.
Em parecer, o Ministério Público Federal (MPF) manifestou-se pela procedência do pedido, por entender que o deslocamento do poder concedente de concessão florestal para o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento é incompatível com a natureza e com as competências dessa Pasta, “que carece de capacidade institucional para o desempenho da função que lhe foi atribuída por decreto.”
A sentença ressalta que, na prática, o Poder Executivo edita medida provisória e o Congresso Nacional a converte em lei, daí porque a competência e a estrutura básica de cada ministério devem ser previstas na legislação aprovada pelo Poder Legislativo, e não em decreto. Segundo a decisão, esse foi sempre o procedimento adotado por todos os presidentes da República, inclusive pelo atual, a partir de 1988. Mas esse procedimento não foi observado na edição do Decreto nº 10.347/2020, relacionado ao Ministério do Meio Ambiente.
“É evidente que cada Presidente da República eleito tem suas prioridades e, por isso, confere, dentro do que o Direito permite, a roupagem vitoriosa nas urnas à Administração Pública. Ferir-se-ia a alternância de Poder e a própria soberania popular obrigar o novo Chefe da Administração Pública manter a estrutura criada pelo seu antecessor. Entretanto, o que não é possível é fazer mudanças que dependam de lei”, escreve o juiz.
A sentença destaca que a preferência pelo Ministério do Meio Ambiente, apesar de ser necessário que a gestão das florestas públicas seja feita de forma articulada com o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, “é exatamente para que esse último não avance sem ruído, sem estrépito, de modo vagaroso na gestão das florestas públicas, e pouco a pouco escanteie o Ministério do Meio Ambiente”.
Patrimônio comum
Henrique Dantas da Cruz acrescenta ainda que “o meio ambiente é patrimônio comum de toda humanidade, de forma que, para garantir sua integral proteção, especialmente para as futuras gerações, todas as condutas do Poder Público devem ser direcionadas no sentido da integral proteção desse direito fundamental de terceira geração, principalmente porque a capacidade dos indivíduos de desestabilizar – recursos naturais têm sido extintos; danos irreversíveis ou extremamente agressivos à natureza tornaram-se mais frequentes; disfunções climáticas são uma realidade científica – o equilíbrio do conjunto de recursos naturais que lhes fornece a própria existência em nome do crescimento econômico sem a devida preocupação ecológica tem gerado legítimas preocupações”.
O magistrado reforça ainda que “atribuir a gestão de florestas públicas ao Ministério do Meio Ambiente foi uma decisão política do Poder Legislativo, que contou, inclusive, com a sanção do Poder Executivo. Sobra então para o Poder Executivo ‘estabelecer as condições em que a lei deve ser executada e prover à melhor maneira de tornar efetivas as suas determinações’, e não a alterar unilateralmente.”
O outro lado
A Advocacia-Geral da União (AGU) argumentou no processo que definição da estrutura dos ministérios é atribuição do Executivo e que uma decisão contrária seria “verdadeira e indevida interferência do Poder Judiciário”.
Impedir a transferência, sustentou a AGU, traria prejuízo aos objetivos do SFB, que seriam “gestão de florestas públicas para produção sustentável, entre os quais erradicação da grilagem em terras públicas, redução do desmatamento ilegal e fomento econômico em bases sustentáveis a partir de concessão florestal, mediante procedimento licitatório”.
“Assim, sob a ótica da dimensão positiva da divisão de poderes, a qual se refere à correlação entre as atribuições conferidas aos órgãos ou entidades de determinado Poder, destinadas ao estrito desempenho das atividades a que foram incumbidos, não se afigura legítimo que o Poder Judiciário, destituído dos conhecimentos técnico-científico e administrativos pertinentes à temática em apreço, se imiscua no cerne da celeuma judicial, a realocação do Serviço Florestal Brasileiro na estrutura administrativa do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, bem como o desempenho da função de Poder Concedente pela referida Pasta Ministerial, inclusive, pela legitimidade da reengenharia administrativa a cargo do Chefe do Poder Executivo que não trouxe impactos orçamentários”, escreveu a AGU.