MANAUS – Marcelo Ramos se diz hoje mais responsável que o jovem comunista filiado ao PCdoB, de um passado não muito distante, quando não pensava duas vezes antes de disparar contra um oponente.
Em entrevista ao ESTADO POLÍTICO, o deputado federal mantém cautela ao comentar as suspeitas que rondam a gestão da saúde no Governo do Amazonas, mas nem por isso poupa críticas ao governador Wilson Lima.
Com grande visibilidade em seu primeiro mandato na Câmara dos Deputados, ele diz que não será candidato a prefeito e que apoiará Alfredo Nascimento, caso o ex-senador decida se lançar na disputa.
Cotado para suceder Rodrigo Maia na presidência da Câmara, Ramos diz estar à vontade em Brasília e que esse mandato é uma espécie de redenção por sua descida ao “inferno” na eleição suplementar de 2017, quando formou chapa com Eduardo Braga (MDB).
Na entrevista, ele fala sobre o andamento da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) da 2ª instância e faz uma avaliação da mudança de postura do presidente Jair Bolsonaro nas últimas semanas. O deputado também fala como está sua relação com ex-aliados.
Para assistir trechos da entrevista, acesse as redes sociais do ESTADO POLÍTICO, ou clique aqui.
Abaixo a entrevista:
Deputado, eu queria começar com as questões locais. Queria saber como o senhor vê, qual a questão central da crise na saúde do Amazonas. Qual a principal coisa deve ser observada nesse momento?
Primeiro a gente tem que reconhecer que há um histórico de crise na Saúde do Estado do Amazonas, por alguns problemas em minha opinião. Primeiro por uma hiperconcentração da média e da alta complexidade na cidade de Manaus. Você não tem hospitais de média e alta complexidade nas cidades polo, então toda a demanda de média e alta tem que ser transferida para Manaus. A segunda questão é uma que pouca gente fala, mas que ela é fundamental, talvez ela seja mais relevante nessa crise, que é o fato de que a prefeitura de Manaus tem cobertura de atenção básica de saúde apenas em 34% da população [nota: o número divulgado mais recentemente aponta pouco mais de 50%]. O que acontece quando você não tem cobertura de atenção básica? Quando você não tem cobertura de atenção básica, que é responsabilidade da prefeitura, o hipertenso não recebe o medicamento regular dele de uso contínuo, acaba infartando e vai para média e alta complexidade. O diabético não recebe o medicamento dele, não tem a visita do agente comunitário de saúde ou do médico da família regular e ele acaba virando doente renal crônico. Se você for nas unidades hospitalares no Estado do Amazonas e tirar a Covid, a grande maioria dos leitos está ocupada por doentes crônicos agudizados, por conta dessa fragilidade da rede de atenção básica de responsabilidade da prefeitura de Manaus, e óbvio que você agrega isso a um grave problema de gestão, porque não falta dinheiro na saúde do Amazonas. Sou da época, que eu era deputado estadual, em que 24,98% do orçamento chegou a ser gasto com saúde. Hoje deve ser gasto aproximadamente 19%. Nós estamos falando de 2 bilhões de reais, então não dá para dizer que falta dinheiro. Nós temos um grave problema de gestão na saúde pública do Estado do Amazonas. Então, eu agregaria os três fatores: hiper concentração de média e alta complexidade em Manaus, fragilidade da rede de atenção básica da prefeitura e problemas de gestão, que geram como consequência corrupção, desvio de conduta, porque onde a gestão é ruim a porta está aberta para corrupção.
Acho que um fator que corrobora a sua avaliação é a situação dos índices do interior, da Covid. A mortalidade é menor…
Muito menor. Para você ter uma ideia, a média de cobertura no interior do Estado do Amazonas é de 95%. Nós temos mais de 20 municípios que têm 100% de cobertura da atenção básica e de estratégia de saúde da família. Quando você tem visita domiciliar, controle de doentes crônicos, quando você detecta mais rápido a Covid, você acaba diminuindo os danos e a mortalidade. Então, essa comparação que você faz com o interior é perfeita. E não é razoável que Manaus, que tem o maior orçamento, a maior renda per capita, o maior IDH, tenha 34% de cobertura da atenção básica da saúde, enquanto municípios muito pobres do interior do Amazonas tenham mais de 95%. Isso não é razoável, tem alguma coisa errada e precisa ser corrigida.
E quanto às suspeitas de irregularidades na gestão do governo que estão vindo à tona com a operação da PF, com a CPI da Saúde, como o senhor vê essas questões?
Eu tomo muito cuidado hoje para não fazer julgamentos como eu fazia no passado. Se você perguntasse para o Marcelo do passado, eu sairia a esculachar todo mundo aqui. Mas acho que a maturidade vai nos ensinando a ter mais responsabilidade. Nós tivemos um problema sério no Brasil inteiro, tanto que não é um caso isolado de Manaus. Nas grandes pandemias, qual é a alternativa? É uma coordenação nacional. Vou pegar a Aids (para exemplificar): nenhum estado consegue comprar medicamentos para Aids. A União e o Ministério da Saúde que compra todo medicamento para Aids e distribui conforme a demanda dos estados. Quando iniciou a pandemia da Covid, o que se esperava é que o Ministério da Saúde concentrasse essa compra, pelo menos nos insumos mais essenciais, máscara, álcool gel, respiradores, oxímetros, EPIs. Se eles tivessem concentrado isso, nós teríamos menos problemas. Como não houve essa concentração e estava difícil essa compra no mercado, você abriu margem para sobrepreço e, quando tem sobrepreço, abre margem para corrupção. Eu espero a conclusão dos trabalhos da Polícia Federal, porque eu acho que o trabalho da Polícia Federal, ele é descontaminado de interesses políticos. A Assembleia (Legislativa do Amazonas) já vivia numa crise com o Governo do Estado, então não dá para dizer que ali não tem uma contaminação política, efetivamente tem. Eu espero a conclusão dos trabalhos da Polícia Federal, com a certeza de que, se houve algum desvio de conduta no período de Covid, um período de tanto sofrimento para o povo do Amazonas, as penas têm que ser duríssimas.
O senhor citou a questão do embate entre a Assembleia e o governo. Eu lembro que vocês marcharam juntos, o senhor, o governador Wilson Lima, o presidente ALE (deputado Josué Neto) na época foi seu vice na campanha pela prefeitura (em 2016). O senhor fez um apelo, um texto nas redes sociais pedindo uma pacificação, um diálogo. Isso tem duas semanas. De lá para cá, mudou alguma coisa? O senhor permanece com essa postura?
Eu permaneço fazendo um apelo. Eu estou escrevendo um texto para publicar novamente dizendo o seguinte: que o Amazonas não pode se entregar, porque o que a gente está vivendo é muito triste. Nós vivemos uma pandemia completamente sem coordenação, pelo contrário, nós vivemos uma pandemia em que os agentes públicos, as autoridades de quem se esperava unidade, busca de consenso, trabalho sinérgico para encontrar soluções, na verdade resolveram brigar no meio e brigar não pela pandemia, mas brigar pela disputa de poder no meio da pandemia. Era o presidente da Assembleia contra o governador, era o Tribunal de Contas brigando de um lado, o Ministério Público brigando de outro. Então, tinha conflito quando o que a população precisava era de unidade, de união. E, no pós pandemia, parece que vai arrefecendo a crise maior do coronavírus aqui no Estado do Amazonas, mais uma vez a gente precisa de unidade, precisa de unidade para criar um ambiente sadio para que a atividade comercial, a atividade industrial retome, porque, se diminuir os efeitos sanitários da pandemia, os econômicos e os sociais ainda são gravíssimos. Então, nós estamos afundando nosso Estado por interesses políticos que a população não tem nada a ver com isso. A população não quer saber da briga do governador com o presidente da Assembleia, não quer saber o porquê disso, não quer saber porque o Tribunal de Contas questiona o governador, não quer saber porque o Ministério Público se mete numa ação que não deveria se meter porque a investigação era federal, a população não quer saber disso. A população sofre as consequências disso sem ser agente desses conflitos. Então, eu acho que a nossa classe política – e o fato de eu estar distante, de eu não estar pensando em disputar eleição me permite isso – precisa de um pouco mais de juízo, de um pouco mais de responsabilidade. As disputas políticas são naturais, mas elas não podem ter como vítima a população. Eu fiz um apelo, e renovo esse apelo por diálogo. Quando eu falo apelo por diálogo, não quer dizer parar CPI, não quer dizer parar processo impeachment, quer dizer cuidar dessas coisas com a responsabilidade de quem se coloca acima de tudo para cuidar das pessoas, do povo do Estado do Amazonas, que é quem paga o salário de todos nós.
O senhor já foi deputado estadual. O senhor acredita que o trabalho da CPI, pelo o que o senhor tem acompanhado, e a instalação desse processo de impeachment, eles estão seguindo o trâmite correto da legislação?
Olha, eu vou me levar pelas decisões do Tribunal (de Justiça do Amazonas). O tribunal tem questionado algumas medidas tomadas durante a CPI. Mas as coisas estão funcionando. Bem ou mal, as decisões do tribunal são respeitadas, quando é para parar para, quando é para retomar retoma. Então, eu não vejo nada fora da normalidade institucional. Em relação ao processo de impeachment, o que eu diria é que é algo de inusitado nos processos de impeachment, que é o fato de que todos os pedidos são contra o governador e o vice. Você não tem nenhum pedido só contra o governador. E você não tem na história da República brasileira nenhum processo de impeachment, nem nos estados, nem nos municípios, nem na União, contra o prefeito e o vice, o governador e o vice ou o presidente e o vice. Você sempre tem o processo de impeachment contra o titular do poder, o suplente, que é o vice, se assumir e aí cometer algum desvio de conduta aí responderá um novo processo de impeachment. Agora isso aí é inusitado e óbvio que, por ser inusitado, parece muito mais um desejo de uma mudança na titularidade do poder do Governo do Estado do que mesmo uma preocupação com a legalidade das coisas e com a correção dos processos no governo. Eu acho que quem quer ser governador tem que disputar eleição para governador e ganhar.
Apesar de inusitado, o senhor acha que ele é cabível? É legal?
Os dois (governador e vice) juntos no mesmo processo (de impeachment), eu como professor de Direito Constitucional, digo que é absolutamente inusitado e eu não consigo encontrar legalidade nisso, no fato de ser um processo só de investigação contra os dois, porque no Brasil não tem impeachment por incompetência, o Brasil não tem recall, o Brasil só tem impeachment por crime de responsabilidade. Crime de responsabilidade é conduta penal, conduta penal tem que ser individualizada, ainda que nós cometemos um crime juntos ou o mesmo crime, você teria que investigar qual a minha participação e qual a tua participação. Então, o fato de transformar isso tudo num processo só, individualizar condutas, efetivamente é inusitado e eu acho que, na melhor das hipóteses, deveria separar os processos.
Há um apelo muito grande em torno da questão do gás aqui no Amazonas. Teve a questão do projeto de lei do gás que foi vetado e tem outro componente que é a saída da Petrobras aqui do Amazonas. Como o senhor avalia essas questões?
Eu acho que primeiro a gente tem que separar as coisas. A saída da Petrobras do Amazonas não tem nada a ver com o monopólio da distribuição de gás da Cigás, nada a ver. A Petrobras tomou uma decisão estratégica enquanto empresa de sair de vários estados e de vender várias bacias de exploração, não foi só no Amazonas, se fosse só no Amazonas você poderia dizer ‘ah, é por conta da Cigás’. Não. Ela decidiu vender várias bacias. O que nós precisamos estar atentos é que essa venda, ela não promova descontinuidade, que ela não abandone uma plataforma de exploração para depois vender, porque daí você corre o risco de não vender ou mesmo de não ter continuidade nos empregos e na geração da riqueza que está lá. Então é vender durante o processo de produção, acho que esse é um cuidado. O segundo cuidado é não confundir exploração com distribuição. Nós temos, e é verdade, porque o Brasil escolheu esse modelo, o modelo de monopólio de distribuição por empresas públicas – que na verdade a empresa pública é a Cigás e o controle acionário dela com direito a voto é público, mas as maiores ações no que diz respeito ao ganho de capital é de uma empresa privada. A Câmara Federal está discutindo novo marco regulatório do gás e o que eu tenho ponderado é que talvez seja mais prudente esperar o novo marco regulatório para tomar uma decisão em relação à mudança do gás aqui, porque a Câmara Federal legisla sobre normas gerais e os estados através das Assembleias sobre normas específicas. Nós podemos correr o risco de ter uma alteração nas normas gerais que torne incompatível com a norma específica aplicada. Como a Câmara, nos próximos dias, deve votar a Lei do Gás, eu acho que é mais prudente (a ALE-AM) esperar a votação da Lei Nacional do Gás e já preparar um regulamento para abertura do mercado de distribuição de gás com base no novo marco regulatório.
O senhor sabe quando deve ir à votação?
Eu tive uma conversa com o presidente Rodrigo Maia e com o relator dessa matéria, que é um deputado do meu partido, deputado Édio Lopes, pedindo que a gente consiga botar tão logo passe (a pandemia), porque nós decidimos votar tudo o que diz respeito à pandemia, faltam poucas matérias relacionadas à pandemia. Então, a sugestão é que tão logo passe essas matérias (relacionadas à pandemia) – eu acho que até julho a gente termina a votação de todas as matérias – a gente entre nas outras matérias que estão na fila e a Lei do Gás é uma das prioridades.
O senhor citou anteriormente que não pretende disputar eleição para a prefeitura. O senhor já foi candidato. Como o senhor vê o seu partido, que preside municipalmente. Já há conversas? Uma linha a seguir?
O ex-deputado, o ex-senador, ex-ministro Alfredo Nascimento iniciou o ano com atividade muito intensa de pré-campanha. Veio a pandemia e ele precisou se recolher para o isolamento social com responsabilidade para a saúde dele e também com a vida das pessoas do Estado. Vou esperar o posicionamento do Alfredo, que é o presidente estadual do meu partido. É óbvio que se ele for candidato a prefeito, de alguma forma participarei da campanha dele, que foi uma pessoa sempre correta comigo, sempre leal comigo e eu não tenho direito de um gesto de deslealdade com ele. Se ele não for candidato, muito provavelmente (que) eu fique fora da eleição no primeiro turno e aí no segundo turno eu ajudar quem eu enxergue que possa contribuir mais para o futuro da cidade de Manaus. Mas, o que me angustia mais em relação a esse debate da prefeitura é que eu lembro que, em julho do ano passado, eu já tinha um plano de governo construindo soluções dialogada com as pessoas, e hoje você tem, acho que, quase 15 candidatos e ninguém diz nada sobre os problemas da cidade. Isso é angustiante, nós estamos em Julho ninguém diz uma palavra.
A pandemia não contribui para isso?
Tudo bem, mas você pode fazer reuniões remotas. Se você quer ser prefeito, você tinha que está trabalhando com acadêmicos, com gestores desde o final do ano para preparar solução dos problemas da cidade. Certo ou errado, eu perdi a eleição, mas eu apresentei soluções para cada um dos problemas da cidade e me angustia muito você ter 15 candidatos e não ter ninguém dizendo que vai fazer com o caos no sistema de transporte coletivo e trânsito em Manaus, você ter 15 candidatos e você não ter ninguém dizendo o que vai fazer pra ampliar essa pequena cobertura da rede de atenção básica de saúde na cidade de Manaus e de estratégia de saúde da família, você ter 15 candidatos e ninguém falando como é que vai aumentar a cobertura da estrutura de saneamento básico na cidade de Manaus, que agora nós vivemos uma pandemia em que uma das causas da gravidade da pandemia, que certamente o tempo e as pesquisas vão demonstrar isso, foi a falta de saneamento básico, gente que não tem esgoto sanitário em casa, que não tem água tratada para lavar as mãos, gente que não tem um mínimo de ambiente sanitário sadio para se preservar de pandemias como essa. E parece que esses problemas não existem na cidade porque os candidatos que se colocam até aqui são simplesmente candidatos das suas vaidades. Sou candidato porque eu sou candidato, eu não estou atrás de um candidato. Eu estou atrás de alguém que reflita sobre os problemas da cidade de Manaus e aponte soluções para ele. Até agora ninguém fez isso.
Além do ex-senador Alfredo, tem outro nome dentro do PL?
Não, porque eu não tenho disposição para ser candidato. Era absolutamente natural que eu fosse candidato. Na eleição passada passei para o segundo turno, tive quase 500 mil votos no segundo turno. Era natural que eu disputasse novamente a eleição, mas eu vivo um momento, assim, primeiro muito feliz de muita realização pessoal da minha vida pública. Acredito que estou servindo ao Brasil, servindo ao Amazonas, sou responsável por grandes pautas do País. Fui responsável pela Reforma da Previdência, sou responsável pelo projeto de lei de regularização fundiária que vai ser fundamental pra garantir título de terra para milhares de pequenos produtores rurais e agricultores familiares aqui do Amazonas. Sou responsável pela PEC da 2ª instância, que vai oferecer o Poder Judiciário mais célere para o povo brasileiro e não é justo com Brasil, com Amazonas, que eu abandone tudo isso por conta do desejo de uma aventura eleitoral. O outro nome que poderia ser é a deputada Joana D’arc, que é deputada do nosso partido, mas também não vejo disposição dela para isso. Então, não sendo Alfredo, eu acho que o PL vai acabar indo para uma composição.
Já que o senhor citou aí a questão da PEC da 2ª instância, ela estava prevista para ir à votação em março na comissão, mas aí veio a pandemia e mudou toda a situação. Tem um novo prazo para que isso avance dentro da comissão?
Nós estabelecemos um calendário quando eu assumi a comissão, de encerrar as audiências públicas no dia 26 de março, foi a última quarta-feira de março, e na semana seguinte, que era última semana de março, ler o relatório e colocar para discussão e votação. Veio a pandemia, suspendeu as atividades, mas ainda assim nós cumprimos o cronograma até o dia 26 de março, nós fizemos todas as audiências públicas. No dia 15 de abril, o deputado Fábio Trad, que é o relator, me encaminhou o relatório, eu fiz as anotações que eu considerava necessário, ele concordou com elas, alterou o relatório e o relatório está pronto desde o dia 15 de abril. Agora, há uma sinalização do presidente Rodrigo Maia de querer votar em agosto e nós refizemos o calendário com o objetivo de na primeira semana de agosto, na primeira quarta-feira de agosto, fazer a leitura do relatório e os debates, que é o processo regimental natural, para fazer a votação ainda na primeira quinzena de agosto. Esse é o meu objetivo dentro da comissão e aí a PEC vai para o Plenário e no Plenário já não sou eu quem cuida da pauta.
Mas o senhor vê um ambiente favorável para que ela passe no Plenário?
Antes do recesso, o ambiente já era muito favorável. Quando nós decidimos, ‘nós’ eu digo a que nós chamamos a ordem, o projeto da 2ª instância, porque ele é um projeto que não era movido por sentimentos de Justiça, ele era um projeto movido por sentimento de vingança, era quem queria prender o Lula – ‘não, tem que mudar a lei para prender o Lula’. Engraçado é que quem queria que mudasse a lei para prender o Lula agora não quer que mude a lei para não prender o Flávio Bolsonaro. Então, para você ver, isso é demonstração cabal de que um bom caminho para você fazer uma lei ruim é você fazer uma lei para prejudicar ou para ajudar alguém. Uma das características da lei é que ela precisa ser impessoal, você não pode olhar para alguém ‘eu vou fazer uma lei para te ajudar, eu vou fazer uma lei para te prejudicar’. Então, nós chamamos o debate à ordem, passamos a tratar a PEC da 2ª instância como objetivo de Justiça e não de vingança.
Quanto à questão da regularização fundiária, teve uma polêmica com artistas…
Bastante (risos).
Teve um certo embate. O senhor respondeu. O senhor conseguiu pacificar isso?
É muito difícil você pacificar com quem trata temas sem ler e com preconceito. Então, quem age movido por preconceito não tem racionalidade para o debate e boa parte daqueles agentes ali estava movida por preconceitos e não tinham lido a lei. Tanto que perguntei se leram a lei e disseram que não leram, Caetano Veloso disse que não leu, a Anitta disse que não leu, o Bruno Gagliasso disse que não leu. Então, eles emitiram opinião sobre algo que eles não leram, contaminados por movimentos ambientalistas, que merecem respeito, mas alguns deles fundamentalistas. Mas, no seio da sociedade, no seio do movimento ambiental moderado – nós tivemos uma audiência com o vice-presidente Mourão porque o governo, por outro lado, também tinha uma atitude intransigente, o governo queria ampliar os módulos fiscais de 6 para 15, queria mudar o marco temporal de 2008 para 2014, queria fazer o absurdo de dar preferência para o invasor nos processos licitatórios de terras ocupadas após 2011, que é quando a lei que proíbe qualquer ocupação de terras públicas.
Então, nós já conseguimos pacificar com esse setor do governo. Estamos distensionando com o setor ambientalista, demonstrando a eles que o projeto de lei, ao contrário, ele vai ser um instrumento de combate à grilagem, de reflorestamento, porque para ter a terra titulada você precisa recompor a vegetação nativa porque você tem que cumprir a reserva legal, que no Amazonas é 80%, para ter acesso ao título de terra e vai acima de tudo… é uma covardia você pegar um cidadão que hoje mora lá no Apuí, no sul Amazonas, que foi tirado de Santa Catarina e a família dele levada para o Apuí com a promessa de terra, com a promessa de assistência técnica de título, de estrada vicinal que pudesse produzir e ocupar a Amazônia e chamar esse cidadão de grileiro. Esse cidadão não é grileiro.
Deputado, o senhor mencionou aí dois projetos importantes, de relevância muito grande para todo o País. O senhor está no seu primeiro mandato, tem ocupado espaços de expressão. A que o senhor atribui isso?
Eu na política já vivi o céu e inferno. Eu já fui aquele cara que brilhava os olhos de esperança das pessoas em 2016 e fui aquele cara em 2017, por conta do meu partido não ter me dado legenda e ter ido para uma composição do senador Eduardo Braga, que representava decepção de todas as pessoas. De lá para cá, eu procurei aprender com meus acertos, com meus erros, com as minhas vitórias e com as minhas derrotas. Quando decidi ser candidato a deputado federal, procurei estudar o funcionamento da Câmara dos Deputados, fui pra Brasília antes de tomar posse, criei relação com quem eram os players fundamentais, principais líderes da Câmara, e isso ajudou muito, e obviamente que tem um “quê” de prestígio do meu partido, meu partido me prestigiou muito.
O senhor é vice-líder?
Sou o primeiro vice-líder. E tem o “quê” da mão de Deus também, que quis me dar a chance de reescrever minha história, talvez esse seja até o fator mais importante, um “quê” de vontade de Deus, de me dar a chance de reescrever minha história, de mostrar que eu sou um cara que posso servir o povo do Amazonas e o povo do Brasil.
Ainda falando sobre essa questão, o seu nome circula como possível sucessor do atual presidente, Rodrigo Maia…
O que é bem inusitado também no primeiro ano de mandato e sendo deputado do Amazonas.
Exatamente. Mas, o que há de chance real que o senhor consegue ver? É do seu interesse isso?
Claro que é do meu interesse, porque o presidente da Câmara é o terceiro na hierarquia do País: presidente, vice-presidente e presidente da Câmara. Eu tenho certeza que seria motivo de muito orgulho para o povo do Amazonas e tenho certeza também que as demonstrações que eu dei de capacidade de diálogo com todos os setores da Câmara, de construção, de consenso de uma matéria tão difícil como era a Reforma da Previdência, me dão uma tranquilidade que eu seria capaz de guiar os destinos do órgão parlamentar maior do nosso País. Em relação à possibilidade real, nós estamos muito distantes ainda. Sou daqueles que entende que a Câmera agora está dividida em três pedaços. Um pedaço é o centrão, que se chama, do qual meu partido faz parte, mas eu tenho uma posição mais independente com Bolsonaro agora, que representa um terço da Câmara, aproximadamente 200 deputados. Você tem os deputados e os partidos vinculados ao presidente Rodrigo Maia, o que dá ali 150 deputados. E você tem oposição, que tem um pouco mais de 130. Portanto, quem vai ganhar a eleição vai ser quem se juntar aqui. A oposição jamais juntar-se-á com o candidato do Bolsonaro. Então, a tendência é que o nome indicado pelo presidente Rodrigo Maia seja o próximo presidente da Câmara, é a leitura que eu faço. Eu tenho a proximidade grande com ele (Rodrigo Maia). Tenho certeza que sou um dos nomes que ele cogita, mas acho que a gente tem que esperar um pouco mais, e ser muito prudente.
E como seria um presidente da Câmara Marcelo Ramos em um governo Bolsonaro? A relação entre os poderes, o diálogo, como ia ser?
Eu acho que seria o Marcelo Ramos como foi na Reforma da Previdência. Eu lembro da primeira entrevista que eu dei quando eu fui anunciado como presidente da comissão, e aí alguém perguntou minha opinião sobre o governo Bolsonaro e eu disse: ‘olha, todo mundo sabe que eu não tenho tenho simpatia pelo governo Bolsonaro’. Aí uma repórter me pegou na palavra e disse: ‘então o senhor tem antipatia pelo governo Bolsonaro?’. E falei: ‘eu poderia até dizer que tenho, mas, o mais importante é que é minha responsabilidade com o Brasil, ela é maior do que qualquer diferença que eu tenha com governo Bolsonaro’. Ninguém entregou ao governo Bolsonaro algo tão relevante, tão importante como eu na presidência da Comissão da Reforma da Previdência. Então, eu seria alguém intransigente com os valores democráticos, de independência e harmonia entre os poderes. Não seria opositor do presidente, porque isso não é papel de presidente da Câmara, o papel de presidente da Câmara é o papel de mediador, e certamente ajudaria em todas as pautas que fossem importantes para o País.
E como o senhor vê o presidente Bolsonaro nos últimos 15 dias? Ele mudou de postura, não é?
É que o nível fome indica o quanto a comida é boa na sua boca, não? (risos) Se você está com pouca fome, você diz que não gosta de farinha, tem uns que não gostam de peixe, tem uns que não gostam de feijão. Deixa a fome apertar que você gosta de tudo. Então quando presidente estava de ‘bucho cheio’, ele não gostava de centrão, aí o bucho foi esvaziando, esvaziando e agora ele está comendo o centrão, e com gosto. O presidente se fragilizou muito nos últimos tempos. Eu acho que essa prisão do Queiroz, o risco de envolvimento do filho dele, e os sinais para isso existem, a atitude, em minha opinião, muito firme do Supremo Tribunal Federal de reprimir uma tentativa de ruptura institucional e, mais do que isso, os militares não terem dado eco às tentativas de arroubos autoritários dele, deixou ele muito isolado. E, nesse momento, ele baixou a temperatura, começou a compor politicamente. Acho que isso é melhor para o Brasil, principalmente no momento de pós crise. É muito importante que o investidor internacional olhe para o país e veja tranquilidade institucional. Instabilidade institucional é fator que afugenta investidor.
Deputado, o senhor tem uma vida partidária… está no quarto partido?
Terceiro.
Começou lá no PCdoB. Eu queria fazer um retrospecto disso, mas olhando para o presente. Como é sua relação hoje com as lideranças do PCdoB aqui no Amazonas?
Aqui no Amazonas, ela é distante. Eu tenho respeito pelo PCdoB. Se a eleição de 2017, em que eu fui vice do Eduardo, ela teve algum significado, foi que ela acabou retomando o respeito recíproco que eu tive com o PCdoB onde eu militei por 16 anos. Eu não nego minha trajetória. Muitos dos meus valores humanísticos, eles são frutos daquele período de militância no PCdoB. Mas a minha relação com os principais dirigentes do partido aqui é distante, já com os deputados federais é a melhor possível. O Orlando (Silva) é meu amigo, foi da UNE comigo, foi do Ministério do Esporte comigo. A Perpétua (Almeida), Renildo (Calheiros), Márcio Jerry. Os deputados do PCdoB são muito próximos de mim, Jandira Fregale, Alice Portugal, são todos próximos.
E com o PSB?
A minha relação com o deputado Serafim voltou a ser muito próxima. Serafim, nós temos uma relação mais do que política, temos uma relação pessoal também. O Serafim é meu padrinho de casamento. A minha saída (do PSB) foi um pouco tensa ali, mas o respeito entre nós ele nunca deixou de existir. E hoje o Serafim voltou a ser uma pessoa que eu ligo, pergunto uma opinião dele, ele liga para mim, pergunta uma opinião, nós conversamos muito. Então hoje eu tenho uma proximidade fraterna com o deputado Serafim Corrêa, e fico muito feliz por isso, porque é alguém que tem a minha admiração, o meu respeito.
Eu contei quatro partidos porque eu lembrei da Rede. O senhor ainda mantém diálogo com o pessoal daqui do Amazonas? E com a senadora Marina? O senhor disse certa vez que tinha uma identidade de luta muito parecida com a dela.
Com pessoal daqui eu não tenho muito porque acabou havendo em determina momento um atrito meu com o ex-deputado Luiz Castro. Mas, o Tácius, que é daqui do Amazonas e é hoje um dos principais assessores da Marina, ele esteve comigo no meu apartamento em Brasília essa semana, conversamos bastante. Eu já fiz uma visita para a Marina em Brasília, tenho muito respeito, muita admiração, muito carinho por ela, divirjo dela de algumas opiniões que ela tem na política, mas reconheço os valores que movem a Marina. Muitos dos valores que movem a Marina, eles são uma boa influência para política. Têm um “quê” de purismo, mas eu acho que o purismo da Marina, temperado com o pragmatismo de alguns, é o ponto de equilíbrio que a gente precisa encontrar. A política não pode ser nem só purismo, senão não se faz nada, você vive de pregar princípios e de não mudar a vida das pessoas, e nem pode ser só pragmatismo, senão você abandona seus princípios, perde noção de limite e acaba cometendo desvio de conduta. Mas, a minha relação com a Marina é muito boa, muito próxima.
Outra relação que eu queria saber como que é, ele não foi seu correligionário, mas vocês disputaram juntos, e hoje são colegas da bancada do Amazonas (no Congresso), que é o senador Eduardo Braga. O senhor acabou de citar que o projeto político dele não representa o seu, como é que é isso?
Eu fui vice do senador Eduardo Braga por uma questão conjuntural numa eleição suplementar que eu não tinha legenda para concorrer, que eu não podia ficar de fora, e que eu enxerguei ele naquele momento como capaz de construir aquela transição naquele momento, e que eu podia dar minha parcela de contribuição. O senador Eduardo Braga foi absolutamente correto comigo durante a campanha inteira e eu com ele, mas do final da campanha em diante nós não tivemos mais a identidade política. Eu tenho respeito por ele, reconheço a liderança que ele exerce no Senado, principalmente hoje que ele é líder do MDB, que é o maior partido do Senado, mas não temos hoje um diálogo político, uma construção política conjunta.
E a sua relação, hoje, com o governador Wilson Lima?
É boa, é fraterna. Eu torço para que o Wilson dê certo. O Wilson, na eleição de 2016, quando eu precisei por conta de alianças, trocar ele da vice para colocar o Josué Neto, ele teve uma atitude muito leal comigo, porque ele continuou na campanha inteira, como se nada tivesse acontecido, caminhou comigo todos os dias. É muito fácil, agora, eu não o apoiei para o governo, fiz campanha em outra chapa, fiz vídeos dizendo que achava que ele não estava preparado para o cargo…
O senhor acha que acertou?
Eu acho que muitas das dificuldades que ele vive hoje é fruto dessa falta de experiência. É óbvio. Você nunca geriu nada, nunca geriu uma empresa, nunca geriu um órgão público e, de repente, você sai de um programa de TV, onde você tem solução para tudo porque você não tem responsabilidade de executar sua solução, e de repente você senta numa cadeira para cuidar da vida de quatro milhões de pessoas e gerir o orçamento 16 bilhões de reais, é óbvio que não tem ninguém que esteja preparado para isso de um momento para o outro. Então, acho que o governador Wilson vive as agruras desta dificuldade de inexperiência e eu torço para que dê certo. Não vai vir de mim uma trama contra o Wilson. Pelo contrário, no que eu posso ajudar no exercício da minha atividade parlamentar, eu ajudo. Toda vez que ele me pede alguma colaboração, pede da bancada, precisa de alguma articulação na Câmara dos Deputados, eu sempre procuro contribuir porque dar certo ou dar errado tem a ver com a vida das pessoas.Quem torce para o governador ser um desastre, torce para o povo sofrer até acabar o mandato do governador ou até ele ser cassado. Eu, no que depender de mim, não quero que o povo do Amazonas sofra nem um dia, então a minha postura vai ser de ajudar. Ajudo o Wilson como ajudaria quem quer que fosse o governador e torço verdadeiramente para que ele supere essa crise e as coisas deem certo. Se houver qualquer desvio de conduta no governo dele, que quem for o responsável seja punido.
Eu queria fechar com essa análise de personagens com o deputado Josué Neto. Como o senhor vê essa guinada dele bolsonarista? Parece que não era muito o perfil dele antes.
E nem é. É óbvio que isso é uma tática eleitoral momentânea.
O senhor acha que ele perde com isso depois?
Não sou eu, não cabe a mim julgar, eu acho que quem tem julgar é o povo do Amazonas, na hora que ele for disputar a eleição. Também não tenho nenhuma reclamação em relação ao Josué. Ele foi um companheiro leal durante toda a campanha, o tempo todo ao meu lado, mesmo nos momentos mais difíceis esteve ao meu lado, não tivemos nenhum problema durante a eleição, temos uma boa relação pessoal, é isso. Torço por ele também. Agora, mais do que torcer por ele e torcer pelo Wilson, eu torço que eles coloquem o desejo de servir ao Amazonas acima das vaidades e disputas políticas deles.
Foto: Assessoria de Comunicação/Marcelo Ramos
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