MANAUS – Alvo de críticas de bolsonaristas nas redes sociais, a pesquisa sobre o uso da cloroquina para o tratamento da Covid-19 realizada na capital amazonense sofreu nesta semana o terceiro questionamento institucional. O Ministério Público do Amazonas (MP-AM) abriu um Procedimento Investigatório Criminal (PIC) para investigar o estudo.
O promotor Edinaldo Aquino Medeiros, da 10ª Promotoria de Justiça Criminal, assina a portaria que abre o PIC, publicada no último dia 18 e disponibilizada na edição desta segunda-feira (22) do Diário Oficial do MP-AM. Ele deu 10 dias para que o médico e pesquisador Marcus Lacerda, coordenador do estudo, a Fundação de Medicina Tropical (FMT), a Comissão Nacional de Ética e Pesquisa (Conep), que aprovou a iniciativa, e o Hospital Delphina Aziz, onde o estudo foi conduzido, entreguem documentos e explicações referentes à pesquisa.
Edinaldo também pediu o compartilhamento de informações da Procuradoria da República do Município de Bento Gonçalves (RS), que foi outro órgão que abriu investigação sobre a CloroCovid-19, conforme mostrou reportagem do ESTADO POLÍTICO em abril. O terceiro questionamento institucional veio do Sindicato dos Médicos do Amazonas (Simeam), que, nas redes sociais, tachou a pesquisa de “obscura”.
Na portaria de abertura do PIC, o promotor Edinaldo Medeiros diz considerar “a necessidade de se apurar eventual responsabilidade penal pelas mortes decorrentes do estudo ‘CloroCovid-19’, sendo, para tanto, imperiosa a necessidade da colheita de elementos informativos aptos a consubstanciar indícios de autoria e materialidade delitiva, e futura deflagração de ação penal em desfavor dos possíveis responsáveis”.
O estudo envolveu inicialmente 81 pacientes graves de Covid-19 internados no Delphina Aziz. Onze deles, a maioria idosa, como é o perfil de pacientes críticos em todo o mundo, morreram.
Mais de 70 pesquisadores participaram do estudo. Além da FMT, integraram o grupo cientistas membros da Universidade do Estado do Amazonas (UEA), da Fiocruz Amazônia e da Universidade de São Paulo (USP).
Os resultados iniciais da pesquisa mostraram que o uso de uma dose alta de cloroquina em pacientes graves de Covid-19 eleva o risco de morte. A informação provocou revolta de entusiastas do medicamento, que responsabilizaram os pesquisadores pelos 11 óbitos.
Cientistas envolvidos no estudo receberam ameaças de morte nas redes sociais e, para desqualificar o achado científico, tiveram suas preferências políticas expostas no Twitter pelo deputado federal Eduardo Bolsonaro, filho do presidente da República, Jair Bolsonaro, que capitaneou uma campanha pública pelo uso da cloroquina no tratamento da Covid-19. Eduardo também responsabilizou os médicos pelas mortes de pacientes.
Na época, a Sociedade Brasileira de Medicina Tropical (SBMT) ressaltou que o número de pacientes que morreram durante o estudo está dentro da média mundial. Diversas outras instituições manifestaram repúdio aos ataques e defenderam os pesquisadores.
O site procurou o cientista Marcus Vinícius para comentar o PIC aberto nesta semana pelo MP-AM, mas não teve sucesso até o fechamento desta matéria.
À época da divulgação dos resultados preliminares seguido dos ataques nas redes sociais, ele publicou uma nota fazendo uma série de esclarecimentos sobre o estudo, entre eles que todos os pacientes e/ou familiares foram orientados sobre o objetivo da pesquisa e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, tendo uma cópia arquivada no centro e a outra entregue ao paciente, com assinaturas originais.
Um comitê independente de monitoramento e segurança composto por especialistas médicos nacionais e estrangeiros no campo monitoraram remotamente os resultados diariamente.
Segundo Lacerda, assim que foram observadas as primeiras mortes de pacientes em uso de qualquer dose de cloroquina, próxima da média mundial, o comitê solicitou prontamente a análise dos dados.
“Naquela época, havia uma tendência para mais efeitos colaterais em pacientes que usavam a dose mais alta”, informa o cientista.
“A dose alta foi imediatamente suspensa e todos os participantes começaram a usar a dose mais baixa em 6 de abril”, destacou Lacerda, ressaltando que a Conepe foi comunicada oficialmente e que, para maior transparência e visibilidade internacional da descoberta, os resultados foram divulgados no site do MedRxiv.
“A intenção era alertar outros pesquisadores em todo o mundo sobre a toxicidade de uma dose alta, que, embora teoricamente pareça mais eficaz, estava causando mais danos do que benefícios”, registrou.
A primeira conclusão do estudo foi que pacientes gravemente enfermos com Covid-19 não deveriam mais usar a dose recomendada no consenso chinês, que até então não era suportado por evidências científicas, uma vez que nenhum estudo realizou adequadamente a avaliação de segurança, como eletrocardiograma diário, como aconteceu em Manaus “sob orientação de cardiologistas experientes e renomados”, ressalta.
“Altas doses parecem ser seguras para pacientes com câncer, mas não em pacientes graves com COVID-19, especialmente os idosos. Uma possível explicação levantada no artigo é a ocorrência de miocardite, ou seja, a inflamação do músculo cardíaco”, observou Lacerda na carta.
Também à época dos ataques nas redes sociais, em abril, o diretor-presidente da FMT, Marcus Vinicius de Farias Guerra, repudiou publicações que deturparam os resultados preliminares da pesquisa.
Na nota, ele ressalta que este, como todo estudo de saúde, foi aprovado pela Conep. “É pejorativo o uso do termo ‘cobaias’. Todos os participantes de ensaios clínicos assinam termos de responsabilidade e estão cientes dos riscos”, observou.
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