MANAUS – Por maioria de votos, os desembargadores do Tribunal de Justiça do Amazonas (TJ-AM) referendaram a decisão cautelar que suspendeu a eficácia de artigos do Regimento Interno da Assembleia Legislativa do Estado (ALE-AM) em Ação Direta de Constitucionalidade (Adin) e que acabou por suspender o andamento do processo de impeachment do governador, Wilson Lima (PSC), e do vice, Carlos Almeida (PRTB).
A discussão da cautelar (provisória), concedida monocraticamente pelo desembargador Wellington Araújo, durou cerca de duas horas e iniciou a pauta de julgamentos desta terça-feira (26) do TJ-AM.
Diz a decisão confirmada pela maioria dos desembargadores:
Ante o exposto, DEFIRO a medida cautelar, ad referendum do Tribunal Pleno, para suspender a eficácia dos arts. 21, inciso XI, 51, inciso I, alínea “e”, 170, inciso II, 176, 177, 178 e 179 da Resolução Legislativa n° 469/2010 (Regimento Interno da Assembleia Legislativa do Estado do Amazonas – RIALEAM), bem como para suspender os eventuais processos administrativos e/ou judiciais por crime de responsabilidade que tenham como base os referidos dispositivos do Regimento Interno.
Confira aqui o voto do relator na íntegra.
A sessão virtual teve a sustentação oral do advogado Diego D’Ávila, representando o autor da Adin, o deputado estadual Doutor Gomes (PSC). E do procurador Robert Wagner, da ALE-AM.
O julgamento
Inicialmente, o desembargador Airton Gentil declarou-se suspeito pelo fato de um sobrinho seu integrar o escritório de advocacia que faz a defesa da Adin de Doutor Gomes, embora o parente não atue diretamente no processo.
Em sua fala, o advogado Diego Ávila ressaltou que a ALE-AM acabou por reconhecer a inconstitucionalidade dos artigos questionados na Adin e que até já providenciou uma alteração no regimento para suprimir tais trechos.
O ESTADO POLÍTICO mostrou, em reportagem publicada nesta terça-feira, que um Projeto de Resolução Legislativa (PRL) de autoria do presidente da ALE-AM, deputado Josué Neto (PRTB), com esse teor está tramitando na Casa desde a semana passada.
O procurador Robert Wagner reconheceu a inconstitucionalidade dos artigos e fez um pedido de esclarecimento quanto ao alcance da cautelar, se ela suspenderia o impeachment ou não, uma vez que, segundo ele, os artigos inconstitucionais não foram usados durante o procedimento de recebimento das denúncias por crime de responsabilidade.
O desembargador Délcio Santos levantou uma preliminar quanto à competência do TJ-AM para julgar a Adin e a cautelar. A maioria no entanto decidiu pela competência da Corte.
Em mais de uma ocasião, o desembargador Flávio Pascarelli fez o alerta de que, mesmo com o Pleno confirmando a decisão do relator, a decisão seria inócua para suspender o impeachment, já que tais artigos do regimento não teriam sido usados no recebimento das denúncias do impeachment.
Na votação da cautelar em si, o desembargador João Simões abriu a divergência para que não fosse incluída na decisão a suspensão dos eventuais processos administrativos, judiciais e de crime de responsabilidade em curso atualmente, como pedia o autor da Adin. O voto dele, no entanto, teve a adesão apenas dos desembargadores Jomar Fernandes e Délcio Santos.
Citando jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF), Délcio defendeu que não cabe na Adin outro efeito que não decidir a constitucionalidade ou não do trecho que está sendo questionado. Qualquer outra medida, ainda que cabível, deverá ser pleiteada em um recurso próprio.
Ao votar, o desembargador Domingos Chalub discordou de Délcio. Ele afirmou que conceder a cautelar sem a suspensão dos processos em curso, entre eles o impeachment, seria uma “vitória de pirro”, sem eficácia prática.
O procurador da ALE-AM ainda tentou fazer um esclarecimento no final do julgamento quanto à decisão que foi tomada, mas foi alertado pelo presidente do TJ-AM, desembargador Yedo Simões, que deverá fazer isso por meio de recursos.
Agora, o próximo passo é a votação do chamado “mérito” da Adin, que não tem data para acontecer.
O questionamento
A Adin de autoria do deputado Gomes foi apresentada no dia 8. Os artigos questionados tratam dos processuais do impeachment na ALE-AM.
Para o deputado, o Regimento Interno da ALE-AM contém dispositivos diferentes dos do rito estabelecido pela lei federal 1.079/1950 (a Lei do Impeachment), legislação essa que tem a prerrogativa de definir como deve ocorrer um processo de impeachment, e quem é passível de tal julgamento.
No pedido, Gomes elenca pontos em que o regimento difere da legislação federal. Um deles é a possibilidade de investigar por crime de responsabilidade o vice-governador. O que não existe na lei 1.079/1950.
Gomes defende que o processamento dos pedidos de impeachment deve ser realizado por um tribunal misto formado por desembargadores e deputados, conforme prevê o artigo 78 da Lei do Impeachment.
Na avaliação de Gomes, ao dar andamento ao processo, a ALE-AM estará violando competências.
No dia 13, o desembargador Wellington José de Araújo, do Tribunal de Justiça do Amazonas (TJ-AM), relator da Adin, acatou monocraticamente um pedido cautelar da ação sobre a suspensão da eficácia dos artigos e consequentemente do andamento de processos que tramitam com base nos trechos questionados.
O Pleno do TJ-AM iria analisar a cautelar no último dia 19, mas o julgamento foi adiado a pedido do relator. Na ocasião, ele disse que, por problemas técnicos, não conseguiu disponibilizar o voto para os demais magistrados no prazo regimental de 24 horas e só o conseguiu às 14h do dia 18.
Na decisão cautelar, o magistrado ressaltou que a norma interna da ALE-AM “passou a ser autônoma dentro do ordenamento jurídico estadual, e, além disso, discordaria do modelo procedimental descrito na Lei nº 1.079/1950, inclusive por prever o impeachment do Vice-Governador, resultando em uma anômala norma autorizativa da cassação de chapa pela via política – o que abalaria a separação dos Poderes (art. 2.º da CF)”.
“Portanto, cabível a suspensão de eficácia da norma infralegal que não se ateve ao modelo de processamento por crime de responsabilidade traçado pela Constituição Federal e pela específica Lei n.º 1.079/1950”, concluiu o desembargador.
A alteração
No Projeto de Resolução Legislativa 18/2020, apresentado por Josué na última quarta-feira (20), o deputado pretende revogar os trechos do Regimento Interno da Assembleia que tratam dos crimes de responsabilidade, que são os que podem culminar no afastamento.
A justificativa é adequar o regimento à Súmula Vinculante 46 do Supremo Tribunal Federal (STF), que estabeleceu o seguinte: “A definição dos crimes de responsabilidade e o estabelecimento das respectivas normas de processo e julgamento são de competência legislativa privativa da União”.
Dessa forma, a regra estadual estaria invadindo a competência da legislação federal (lei 1.079/1950, a Lei do Impeachment). Esse é um dos argumentos da Adin que acabou suspendendo liminarmente o andamento do processo iniciado na ALE-AM.
O próprio Josué, no texto que acompanha o projeto, lembra que os pontos que ele pretende revogar com o PRL foram questionados em uma Adin.
As denúncias e o recebimento delas
As denúncias contra Wilson e Carlos pedindo o impeachment de ambos foram apresentadas, separadamente, pelo Sindicato dos Médicos do Amazonas (Simeam) no fim de abril.
Josué Neto anunciou ter decidido dar início ao processo de impeachment da sessão do dia 30 de abril. Ele também unificou as denúncias em um só processo.
Parlamentares da base governista questionaram a competência de Josué receber as denúncias contra o titular do governo e do vice, uma vez que com um eventual afastamento dos dois ele herdaria a cadeira de governador. Logo, haveria conflito explícito de interesse.
As denúncias do Simeam pedem o afastamento de Wilson e Carlos por supostas prática dos crimes de responsabilidade e improbidade administrativa envolvendo o mau uso dos recursos públicos na área da saúde do Amazonas.
Em mais de 600 páginas, os médicos reúnem uma série de informações envolvendo a falta de leitos de UTI (Unidade de Terapia Intensiva) e de equipamentos de proteção individual dos profissionais da saúde, e o uso de recursos do Estado em ações que eles consideram que não são prioridade no momento, uma vez que há uma epidemia viral em curso.