Da Agência Brasil |
Em meio à expectativa da subida no volume das águas do Rio Negro, pescadores, donos de flutuantes e feirantes de Manaus, afetados pela seca no Amazonas, ainda manifestam receio com a retomada das atividades. O volume do rio, que enfrenta a pior seca em 121 anos, vem subindo lentamente e registrou nessa terça-feira (21) a cota de 13,20 metros. Os trabalhadores torcem para que, com a chegada das chuvas, possam retornar gradativamente à sua rotina.
Boletim do Serviço Geológico do Brasil (CPRM) divulgado ontem mostra que o Rio Negro apresentou subidas em Tapuruquara e Barcelos e que, em Manaus, o rio voltou a subir, inicialmente 2 centímetros (cm) e no registro mais recente 9 cm, “contudo os níveis ainda são considerados muito baixos para o período.”
Pescador há cerca de 20 anos e vendedor de pescado na beira do Rio Negro, próximo ao Porto de Manaus, Marcos César Antônio relatou à Agência Brasil que durante o mês de outubro houve queda no volume de peixes no rio, o que resultou em pequeno aumento de preços e diminuição das vendas. O motivo: os barcos de médio porte já não conseguiam sair para pescar, deixando a tarefa para as pequenas embarcações.
“Teve um aumento no preço, mas não foi muito”, afirmou. A situação está difícil por causa da falta de peixe devido ao fato de o motor ficar encalhado no rio. Espero que essa situação melhore em breve”, afirmou Antônio.
Ele manifestou preocupação com o fato de o início do período de cheias do rio coincidir com o início do defeso para algumas espécies da região. No período de 15 de novembro a 15 de março, a pesca de matrinxã, surubim, pirapitinga, sardinha, pacu, caparari, aruanã e mapará fica proibida por causa da reprodução.
“O rio volta devagarzinho, mas agora vem a proibição e vai ficar pior. Com o defeso, a situação vai piorar, como é que vai trazer o peixe”?, indagou.
Em razão da situação de emergência devido à seca, o governo federal pagará um auxílio extraordinário de R$ 2.640 para pescadores artesanais beneficiários do seguro-defeso cadastrados nos municípios da Região Norte. O pescador terá direito, mesmo que seja titular de outros benefícios assistenciais, previdenciários ou de qualquer natureza. O auxílio será pago em parcela única. A estimativa é de que sejam atendidos pescadores profissionais artesanais de 94 municípios da região.
Mais otimista, o pescador João Bosco da Silva, 57 anos, disse que a queda nas vendas será compensada, mais adiante, com a retomada das atividades em ritmo “normal”. À Agência Brasil, o pescador disse viver com a “vida do peixe.
“A gente vive a vida com o peixe. Ninguém nunca se baseia no fato de que ele vai aumentar, vai crescer. A gente já sabe que um dia ele vai dar dinheiro. E uma hora vai baratear. Para nós, é normal, para quem é peixeiro é normal. Ninguém ignora esse preço. O importante é ter algum peixinho”, afirmou.
A situação de seca também preocupa quem trabalha nas feiras vendendo produtos consumidos pelos amazonenses, como farinha, banana, pescados, entre outros. Trabalhador de um box no Mercado Municipal Adolpho Lisboa, que atende turistas e a população local, o feirante Wanderson Dias da Silva, 28 anos, lembrou que a seca já causa impacto nas plantações de mandioca, utilizada para a produção de farinha.
Segundo ele, o cenário já indica alta dos preços do produto, muito consumido na Região Norte.
“Eu acredito que a farinha vai ter aumento a partir de janeiro. Tem um plantio todo dia, e o pessoal, a maioria que trabalhou na roça, teve muita perda porque depende da água, não depende só da terra. Então, tudo isso agregou e quando vier agora a nova safra, vai ter alteração”, estimou.
Para minimizar esse impacto, Silva contou que alguns feirantes ainda não repassaram o aumento porque ainda trabalham com estoques guardados logo após o início do período de seca severa.
“Na cheia passada, é quase o estoque nosso, aí a gente tem pallet [usado para armazenar farinha] guardado. Estamos trabalhando hoje com, mais ou menos, quase 16 pallets. Acabaram os 16, acabou tudo”, disse Silva, acrescentando que essa iniciativa vem retardando, no caso dele, o repasse no preço do aumento da farinha.
“Nós estamos trabalhando com o nosso estoque. O preço desse estoque, a gente não pode se basear no que você vê em outros mercados. Outros locais têm preço agregado mais caro. Por quê? Porque o nosso é guardado, é estoque. A farinha é guardada, então tende a ter preço mais baixo. Outros têm que agregar tudo em cima disso, senão vão só trocar dinheiro”.
A expectativa com a retomada das atividades também pode ser observada no Lago do Aleixo, localizado na divisa entre os bairros Colônia Antônio Aleixo e Comunidade Bela Vista, em Manaus. Com a seca, quem visita o lago, que fica há cerca de 15 minutos de barco do encontro das águas dos rios Negro e Solimões, considerado o cartão postal mais famoso da cidade, encontra agora um cenário de lama com plantas rasteiras onde, antes, havia abundância de água.
A comerciante Jocilda Marques, 46 anos, conhecida como dona Jô, disse que a seca fez com que o movimento de pessoas que procuram o lago como opção de lazer diminuiu drasticamente. Dona de um pequeno comércio na descida para o lago há pouco mais de um ano e meio, ela comentou que, agora, pouquíssimas pessoas aparecem nos fins de semana.
“Quando [o lago] está cheio é bem melhor, né? Até na semana vem gente. Vem na segunda-feira, na terça, na quarta, não vem muito, mas vem na semana. Agora, caiu muito, uns poucos no sábado e domingo”, lamentou.
Quem também espera pelo retorno da cheia no lago e no Rio Negro é o pescador Jean Carlos Thiago, 52 anos. Enquanto trança a sua rede, Thiago diz que desde antes de outubro a pesca no lago já estava difícil e que quem quer pescar tem que se deslocar para o início do igarapé que abastece o lago.
“Está difícil de sair, está começando a encher de novo, eu acho que há 20 dias começou a encher, não sei se parou que eu não fui lá para a beira do rio, mas acho que está parado agora”, contou Thiago. Ele relatou ainda que as pessoas têm que andar até a beira do leito seco do rio para conseguir pescar. “A moçada desce aqui até chegar lá na beira do rio para ficar pescando lá de linha, de tarrafa. Quando está cheio, a gente pesca nos igapós. Enquanto não fica cheio, a gente vai arrumando a rede para quando chegar a época de novo”, disse Thiago. Ele espera que até o fim de dezembro o rio retorne ao seu leito normal.
No lago, diversos flutuantes, um tipo de embarcação utilizada como bar e moradia, estão encalhados aguardando a chegada das cheias. O dono de flutuante Tomé Maurício da Silva, 70 anos, o seu Tomé, é um deles. Enquanto a cheia não vem, seu Tomé disse que está sobrevivendo do Benefício de Prestação Continuada (BPC), que recebe do governo federal, e de uma criação de galinhas.
Há cerca de dois meses começou a deslocar seu flutuante, onde trabalha há dez anos, geralmente posicionado na beira do lago, para as áreas onde ainda havia um pouco de água. Com a seca total, a embarcação, que além de oferecer bebidas e comidas, serve também de moradia, está encalhada.