MANAUS – O vice-governador do Amazonas, Carlos Almeida Filho (PTB), comunicou nesta segunda-feira (18) sua exoneração da Casa Civil ao governador Wilson Lima (PSC) em uma longa carta, cujo teor foi confirmado por ele ao ESTADO POLÍTICO.
No texto, Almeida faz um resgate de sua trajetória. Ele sugere indiretamente que sofreu pressões ao atuar em postos além da vice-governadoria. Sobre sua jornada na Secretaria de Saúde (Susam) e na Casa Civil, evoca a mitologia grega e diz que não se navega por águas tormentosas sem enfrentar monstros marinhos.
“Em Política não é diferente, e personagens tão ou mais perigosos se encontram em todos os lugares, às vezes, até mesmo dentro nosso próprio barco. Meu papel, enquanto homem público, preocupado em fixar mais um tijolo na construção de um Amazonas melhor, foi sempre de blindar meu Estado contra esses Espectros (seres fantasmagóricos da mitologia), alertando-lhe, sempre, dos caminhos a serem seguidos, para não tombar nos rochedos”, afirma.
Almeida diz que, a despeito de seu esforço, “não estou com a mão no timão, e já exauri minhas forças remando forte no sentido oposto de muitos nessa Galé (tipo de barco usado no Mediterrâneo na Antiguidade)”.
Ao comunicar sua exoneração, Almeida afirmou que não seguirá “pelos atuais rumos” e que vai trabalhar somente com o que compete à vice-governadoria.
Wilson e Carlos são alvo de processo conturbado de Impeachment na Assembleia Legislativa do Estado (ALE-AM), que foi suspenso liminarmente por desembargador do Tribunal de Justiça do Amazonas (TJ-AM), que deve apreciar de forma coletiva a ação que resultou na suspensão.
Confira a carta na íntegra:
Senhor Governador,
Nesta última quinta-feira voltei para casa mais cedo que o usual, alquebrado e desiludido. A Psiquê diz que em momentos de extrema tensão o passar do tempo é mais arrastado e o aguçamento dos sentidos permite saborear com muito mais intensidade cada sentimento. Foi assim que pude ver, na inocência dos meus dois filhos bebês, a angústia que me encontrava, pois meus ideais de pai e de homem público se confundem. Apertou meu coração ver o sorriso do meu filho e não corresponder por estar dragado por preocupações. Que futuro eu construiria para eles? E me tomei taciturno por longos dias.
Tal qual nos insights em momentos de trauma, todo meu histórico me passou pelos olhos, contudo, sob a lente cinza dos momentos atuais. Que futuro construiria para mim? E me é obrigado a pensar assim.
Tenho perfeita consciência da minha personalidade, aguerrida sim, porém sempre conciliadora – algo que é atestado por inúmeros que comigo conviveram ao longo dos anos -, o que decorre de toda uma vida de desafios. Permito-me um breve histórico.
Sou filho de engenheiros, de uma mãe aguerrida, hoje advogada, e de um pai conhecidamente duro e probo, ambos amorosos e ciosos do maior dever que tiveram com seus três filhos: a incrustação de educação e valores. O exemplo sempre me era cobrado, por ser o primogênito. Portanto, numa vida sem luxos e de grandes dificuldades, meus estudos, quase que integrais, em escolas públicas deveriam refletir a mesma perseverança de meu pai: o penúltimo filho, numa família de nove irmãos, que se educou só e sustentou uma família inteira em tempos difíceis. Como a ele, nada me veio fácil, somente através de muito estudo galguei espaço nas duas faculdades que cursei simultaneamente. Somente através de muito trabalho, pude ajudar no sustento de minha família. Somente com muito esforço pude lograr aprovação em certames públicos, dentre os quais o da minha amada Defensoria.
Decerto as histórias maravilhosas que meu pai contava todos os dias tenham forjado minha visão mais idealista do mundo, um desejo constante de mudar o que encontrava de errado. As citações de Sidarta Gautama, Carlos Castañeda, Benítez, Frank Herbert, dentre muitos ecoam em meus pensamentos como sinalização para se evitar os mundos distópicos de Orwel ou Huxley. Daí minha paixão pelo exercício de meu ofício enquanto Defensor, o que se vê claro nas escolhas profissionais que me levaram a tantos e públicos embates na busca incessante pelo direito das populações. Contudo, ao perceber que os mais básicos direitos fundamentais exigiam implantação de políticas públicas mais profundas, me creditei ao processo eleitoral, sustentando, dentre várias, a pauta da Moradia, uma das mais graves omissões no Estado do Amazonas.
Após um processo eleitoral que nos foi muito duro, chegamos a um Estado em frangalhos, que exigia um sério processo de reconstrução. E foi justamente o que me propus, ao seu lado, a fazer. Com toda a dedicação e espírito público, empreguei toda a energia que pude na pasta da Saúde, contudo as convulsões internas de março de 2019 fizeram com que o Senhor me chamasse à Casa Civil, onde o trabalho de reconstrução deveria ser feito, aliado à articulação política. Ao que me dediquei, com perseverança e lealdade durante todo o ano de 2019, o que permitiu a construção de um ambiente de austeridade, a autorizar para este ano de 2020, o início de ações estruturantes, como exemplo, Moradia, no caso Monte Horebe.
Contudo, não se singra por águas tormentosas sem que se tenha de enfrentar Cila e Caribdes. Em Política não é diferente, e personagens tão ou mais perigosos se encontram em todos os lugares, às vezes, até mesmo dentro nosso próprio barco. Meu papel, enquanto homem público, preocupado em fixar mais um tijolo na construção de um Amazonas melhor, foi sempre de blindar meu Estado contra esses Espectros, alertando-lhe, sempre, dos caminhos a serem seguidos, para não tombar nos rochedos.
Todavia, a despeito de todo meu esforço, não estou com a mão no timão, e já exauri minhas forças remando forte no sentido oposto de muitos nessa Galé. Portanto, Senhor Governador, agradecendo-lhe toda a confiança que me foi depositada, afirmo-lhe não seguir pelos atuais rumos, ao passo que lhe comunico minha exoneração da Casa Civil, retirando-me para o ofício inerente à vice governadoria.
Manaus, 18 de maio de 2020.
Carlos Alberto Souza de Almeida Filho
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