MANAUS – A cidade de Manaus não corre mais o risco de um desabastecimento de caixões para enterrar os mortos em meio à pandemia do novo coronavírus (Covid-19) nos próximos dias. Entre quarta (29) e esta quinta-feira (30), dois barcos vindos de Santarém (PA) desembarcaram na capital amazonense trazendo urnas funerárias para suprir o estoque. Até a próxima terça-feira (5), outros barcos, vindos de Porto Velho (RO), devem trazer cerca de 900 urnas para Manaus.
Mas, com projeção da prefeitura de que haja 4,2 mil sepultamentos na cidade em maio, as funerárias da capital operam no limite. É o que explicou ao ESTADO POLÍTICO o presidente da Associação Brasileira de Empresas e Diretores do Setor Funerário (Abredif), Lourival Panhozzi. O número médio de enterros por dia passou de 30 antes da pandemia para 140 na segunda quinzena de abril, ou seja, quase quintuplicou.
Em entrevista ao site, Lourival disse que as empresas buscaram apoio logístico do governo federal para trazer mais urnas para Manaus, mas desistiram após receberem respostas evasivas. Ele criticou a postura do governo Bolsonaro diante da crise sanitária global.
As críticas
Citando declaração do presidente Jair Bolsonaro, que na quarta-feira disse “e daí?” quando questionado sobre o fato do Brasil ter ultrapassado a China no número de mortos pela Covid-19, Lourival explicou porque desistiram de pedir socorro à União.
“Os motivos (para o governo não ajudar com a logística) não são nem motivos, mas consegui entender porque não fomos atendidos. Quando a pessoa fala ‘e daí?’, eu vou fazer o quê, né? E daí para todo mundo que tá morrendo aí? Aí eu vou falar o quê? Eu vou achar que ele (Jair Bolsonaro) vai me ajudar com urna? Claro que não vai”, afirmou.
“As urnas não é nem para eles doarem. A urna é nossa, nós estamos comprando, mas não conseguimos apoio para trazer. Não conseguimos e também já desisti dessa situação, uma vez que a gente não tá trabalhando em sintonia com eles (o governo federal). Eles estão trabalhando baseados em algumas crenças que não são as nossas”, disse.
Lourival disse que procurou a Secretaria de Assuntos Estratégicos do Gabinete da Presidência da República, que tem um grupo de trabalho voltado especificamente para tratar das ações de enfrentamento à pandemia. A resposta que a associação teve da pasta, conforme Lourival, é de que o governo federal já estava ajudando Manaus, que já tinha mandado 58 respiradores para a cidade.
“Eu falei: escuta, uma coisa não tem nada a ver com a outra, não tô pedindo respirador. E outra, se tivessem mandado então mil respiradores talvez não precisassem mandar urnas, né? Cinquenta e oito respiradores não atendem a necessidade de quem vive em Manaus hoje. Aí, disseram que mandaram também oito médicos. Mas, quando você manda oito médicos, na verdade você manda dois. Isso porque esses oito vão trabalhar numa escala de 12 por 36 horas. Então, vão trabalhar dois agora, dois à noite, amanhã dois folgam… dois médicos resolvem o problema de Manaus hoje?”, disparou.
Reserva técnica
A intenção, disse o representante do setor, era manter um estoque de segurança para, no momento mais crítico, não faltarem as urnas funerárias. O prefeito de Manaus, Arthur Neto, tem alertado desde meados de abril para o risco de um colapso funerário na cidade. O Município, com o serviço público gratuito SOS Funeral, cobre 50% da demanda e as empresas respondem pela outra metade.
Segundo Lourival, o estoque de urnas do Município, porém, não conseguirá absorver todo o atendimento e dependerá da atividade privada complementar, cujo estoque até então era crítico. “É por isso que nós queremos elevar essa reserva técnica, para ter uma margem de segurança maior”, disse.
“Queríamos ter um reforço maior para poder ter uma tranquilidade maior para trabalhar. Temos medo, sim, que esses número de 140 (enterros por dia) dobre e, se isso acontecer, vai ser um novo problema certamente. Mas, estamos buscando alternativas, buscando meios alternativos de não privar as pessoas, as famílias de Manaus de terem um mínimo de dignidade para sepultar seus entes queridos”, afirmou.
“Nós estamos trabalhando hoje quase que no limite, mas ainda temos condições de atender e queríamos, sim, reforçar isso, mesmo que não fosse usar. Queríamos essa tranquilidade. Quando você faz seguro você, não faz pensando em morrer. Você faz seguro para ter uma tranquilidade, então é por isso que nós estávamos pedindo. Não fomos atendidos. Depois que eu vi os últimos orçamentos do governo, consegui entender o zelo, embora não concorde”, completou.
Lourival defendeu que em um momento como este as respostas dos agentes públicos devem ser imediatas. “Se eu estiver me afogando e peço para você esticar a mão, você não pode me falar que vai esticar a mão só mais tarde, porque mais tarde eu já estou afogado”, comparou. “Então, o governo deu uma resposta evasiva diz que está analisando, mas analisar não pode, tem que ser agora, gente, não dá para analisar tem que reagir, enfim”, completou.
‘Importação’
A necessidade de trazer caixões de outros estados para Manaus é porque o Amazonas não é um polo produtor. A maioria da produção está concentrada no Sudeste.
“Para uma urna chegar aí em Manaus é um desafio logístico. Tem urna indo do Espírito Santo para aí. Elas saem de lá por estrada até Belém (PA). De Belém pegam uma balsa, não sei se é três ou quatro dias, ou vão até Santarém (PA), tem uns três ou quatro dias para chegar. E essa balsa depende de disponibilidade de espaço, depende de correnteza. Há vários fatores que vão determinar se serão três ou quatro dias só de balsa. Os amazonenses conhecem essas dificuldades melhor do que eu. Essa situação é preocupante”, detalhou.