MANAUS – Exatamente duas semanas depois de comandar uma coletiva de imprensa na qual foi apresentado como coordenador da operação de reintegração de posse do Monte Horebe, na Zona Norte de Manaus, o vice-governador Carlos Almeida foi à invasão, nesta sexta-feira (13), quando ela já estava desocupada. Almeida não esteve no local ao longo do processo de desocupação.
O balanço da operação no Monte Horebe foi publicado pelo vice-governador em um vídeo no seu canal no YouTube, que totaliza 32 minutos, gravado na área desocupada. Nos primeiros 20 minutos, em uma só tomada, Almeida discorre sobre o processo de desocupação, ressaltando que foi uma ação sem precedentes, com a atuação da equipe social do governo.
O vice-governador começa mostrando que a área invadida fica exatamente entre o Viver Melhor e a Reserva Adolpho Ducke, “responsável pelo equilíbrio ambiental de toda a cidade de Manaus”.
A ocupação, ressaltou Almeida, surgiu por causa de “procedimentos desastrosos” realizados pelo poder público ao logo dos últimos anos, em referência à reintegração da Cidade das Luzes, na Zona Oeste, que aconteceu em 2015 e foi duramente criticada por ele, à época defensor público à frente da unidade responsável pela defesa dos interesses coletivos.
Como diferença entre as duas operações de desocupação, Almeida apontou que no caso da Cidade das Luzes o poder público só levou em consideração o direito fundamental de propriedade, enquanto que no Monte Horebe além disso considerou o princípio da dignidade humana, para ele o mais importante.
“Nós temos que deixar registrado e documentado que o que aconteceu aqui na cidade de Manaus, mediante a atuação do Governo do Estado do Amazonas, com a participação de diversos órgãos públicos, a primeira atuação social para tratamento de política pública de moradia, onde as forças policiais atuaram com o devido cuidado para que as equipes do social pudessem fazer o seu trabalho de forma adequada”.
“O que isso significou? Que em uma atuação planejada ao longo de 10 meses, a equipe do social, a Defensoria Pública e as equipes de segurança pública conseguiram planejar uma atuação que tirou todas as famílias que viviam nessa área, sem condição urbanística nenhuma, sem condição de segurança nenhuma, sem condição sanitária nenhuma e, o pior de tudo, expostas a atuação de criminosos, que queriam transformar essa área aqui em um estado paralelo”.
“O estado nasceu para uma finalidade precípua, garantir segurança pública. Era obrigação do Estado do Amazonas tomar uma medida para que pudéssemos resgatar a segurança pública para toda a cidade e para que pudéssemos resgatar essas famílias que se encontravam aqui porque não tinham para onde ir, sujeitas a condições atrozes e ruins. Nós temos exemplo de pessoas deficientes que foram encontradas aqui; um senhor de idade que estava com um acesso ainda, por conta de um procedimento cirúrgico; diversas famílias que não tinham onde seus filhos estudarem. E todas essas pessoas estavam abandonadas pelo poder público”.
“Eu preciso fazer um registro: esse é um governo de mudanças. E mudança se faz de forma planejada, não se faz estralando o dedo de forma propagandista. Essa não é a nossa a nossa marca. E o que nós realizamos aqui, fizemos um alinhamento entre políticas sociais de segurança e políticas sociais de moradia”.
Participam deste primeiro momento do vídeo, comentando a operação, o deputado de situação Saulo Viana; o comandante da Polícia Militar, Ayrton Norte; o subsecretário executivo de Segurança, Anézio Paiva; e a secretária de Justiça, Caroline Braz.
O restante do vídeo mostra Almeida discursando, primeiro, para policiais militares sobre o trabalhado desenvolvido por eles e, depois, para os servidores da área social do governo.
“Jamais uma operação como essa foi realizada antes. Cada um de vocês pode voltar para casa com orgulho, sabendo que o trabalho de repressão, que é a necessidade que o estado precisa fazer no combate ao crime organizado, aconteceu, mas sem causar vítimas colaterais. A população, que era o objeto de nossa atenção, foi atendida”, disse aos militares.
“A atuação que sempre houve no Brasil foi da polícia com o pé na porta das pessoas e essa marca nós tínhamos que mudar”, disse aos servidores civis. “Nada disso seria possível se não houvesse o entendimento, a compreensão e a força de vontade de cada uma das pessoas que fizeram parte desse processo, por isso eu dedico a vocês o sucesso da operação”, finalizou.
Assista ao vídeo na íntegra:
Duas semanas de operação
A operação de desocupação no Monte Horebe iniciou no dia 2 deste mês.
Cerca de 1,4 mil casebres sem moradores foram demolidos, segundo informes do governo.
A retirada de mais de duas mil famílias do local foi acordada entre o Estado, por meio da Superintendência de Habitação (Suhab), e a Defensoria Pública (DPE-AM), que representava os moradores.
Ao todo, 2.204 famílias assinaram o termo do acordo, homologado pela Justiça, para deixar o local, com a garantia de ter uma solução de moradia definitiva pelo governo. Enquanto essa solução não chegar, como parte do acordo, cada família receberá R$ 600 mensais de aluguel social.
De quem é a terra
O ESTADO POLÍTICO mostrou que ao menos duas construtoras reivindicam na Justiça o direito sobre parte das terras que estavam ocupadas. O governador Wilson Lima, no entanto, afirmou posteriormente que a área pertence ao Estado e à União e que quem alegar ser proprietário vai ter que mostrar documentação para provar.
Imprensa
Embora o governo afirme que não houve força policial ostensiva durante o processo de desocupação, o jornal Folha de São Paulo, que diz ter furado o bloqueio imposto à imprensa, registrou que a polícia usou gás de pimenta para dispersar um grupo de moradores.
A atuação da imprensa foi limitada na cobertura da desocupação, segundo o governo, por motivos de segurança. As equipes dos veículos foram mantidas em locais definidos pela Secretaria de Estado de Segurança (SSP-AM), e o deslocamento para a área dos casebres sempre foi sob a supervisão e permissão da polícia.
Ministério Público
O Ministério Público Estadual (MP-AM) manteve-se distante das decisões que resultaram na desocupação. Relatório do promotor de Justiça Antonio José Mancilha registra isso.
Após a repercussão da ação do governo, o promotor foi ao local, representando o órgão, na companhia de deputados de oposição. No relatório, Mancilha registrou relatos de moradores sobre violações de direitos, assim como uma crítica à ausência do MP-AM no caso até aquele momento.
“Por oportuno, observei que, a priori, o Ministério Público deixou de participar do acordo judicial firmado entre a SUHAB, a DPE/AM e o Estado do Amazonas, porque, em manifestação pretérita, acreditou tratar-se de ação de direito individual e de natureza meramente patrimonial, o que, presentemente, a meu sentir, não resta evidenciado, uma vez que a reintegração afeta o contingente de número considerável de pessoas, em situação de vulnerabilidade social, econômica e jurídica, em flagrante violação a direitos fundamentais, de natureza coletiva, difusa e individuais indisponíveis e homogêneos”, escreveu o promotor em um trecho do relatório.
Leia o relatório do promotor aqui.
Em nota ao ESTADO POLÍTICO, no dia 12, o MP-AM limitou-se a informar que o relatório não é conclusivo, e que o órgão se manifestará sobre os atos do governo na desocupação do Monte Horebe em juízo.
Abaixo, a nota:
O Ministério Público informa que o relatório citado em matéria jornalística sobre a invasão denominada Monte Horebe faz parte do acompanhamento ordinário que vem sendo feito por várias promotorias, em particular, as de Meio Ambiente e Direitos Humanos. Dessa forma, esclarece que o conteúdo do referido documento não é conclusivo, servindo de base para o trabalho das promotorias especializadas e ciência da Procuradora-Geral de Justiça. E, considerando que a questão está judicializada, qualquer questionamento sobre o cumprimento da decisão judicial que determinou a desocupação da área deve ser feito perante o juízo. O Ministério Público informa, também, que continuará fiscalizando o cumprimento da lei e a defesa dos direitos coletivos e difusos da sociedade.
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