MANAUS – “Não somos compactuadores de ocupações”. A frase é do vice-governador do Amazonas, Carlos Almeida Filho (PRTB), e foi dita durante a entrevista coletiva da última sexta-feira (28), quando foi anunciada a desocupação da invasão Monte Horebe, na Zona Norte de Manaus. Carlos Almeida será o coordenador da ação, que envolve vários órgãos da estrutura do Estado, da Segurança ao Social.
O governo afirma não ter um número exato de famílias que residem no Monte Horebe. Informações da área de Segurança apontam que a população é muito “flutuante”, o que indica um processo especulativo, disse Almeida.
Levantamento preliminar dos órgãos dá conta de que entre 500 e 1 mil famílias morem na localidade.
Justamente essa imprecisão faz o governo não ter um cálculo exato de quanto vai gastar para relocar as famílias, segundo o vice-governador. No entanto, ele disse que o governo tem orçamento suficiente para bancar os gastos, por meio do Fundo de Promoção Social (FPS).
A operação de reintegração prevista para acontecer nesta segunda-feira (2) foi planejada por meses e acordada na Justiça com a Defensoria Pública do Amazonas (DPE-AM).
O defensor-geral Rafael Barbosa garantiu que “nenhuma família vai ficar sem o direito à moradia adequada”. “Isso está escrito, está sacramentado, inclusive há uma homologação judicial nesse acordo”, disse.
Uma triagem será feita e a abordagem será individualizada, ou seja, não há um local específico para onde vão todas as famílias.
A ação, segundo Carlos Almeida, vai ser um marco do governo na política de moradia do Estado. Por outro lado, o governo diz que com essa ação não quer estimular outras ocupações passando a falsa impressão de que vai compactuar com futuras invasões e, ao reintegrar a posse, conceder novas moradias aos invasores.
Regularização não é cogitada
Em janeiro de 2019, o governo informou que estava intensificando o processo de regularização fundiária no Estado e em duas ocasiões citou o Monte Horebe como uma das áreas que a assessoria jurídica da então Secretaria de Política Fundiária (hoje Secretaria de Estado das Cidades e Territórios) faria a análise de documentos “para saber de quem é o domínio da área para devidos fins de regularização”.
No entanto, o vice-governador ressaltou na coletiva de sexta-feira que, apesar de mais de 70% da cidade de Manaus ser fruto de ocupações irregulares, as invasões recentes “não são objetos de regularização”.
São exemplos de bairros que “vingaram” de invasões o Educandos e até o Parque das Laranjeiras, uma área de classe média alta, o que, para Carlos Almeida, revela que o problema atinge todos os níveis sociais.
Mas, diferentemente desses bairros consolidados, as ocupações recentes são áreas que não foram urbanizadas. O vice-governador diz que à luz da legislação atual não é mais possível regularizar essas áreas.
“Não há condições urbanísticas e sanitárias nenhuma de consolidação da ocupação da área. Mais ainda: lá está a Reserva [Adolpho] Ducke e é uma obrigação nossa, enquanto Estado do Amazonas, manter a preservação daquela área”, disse.
Embora isso não tenha sido tratado na coletiva, parte da área ocupada pertence a uma construtora e outra parte pertence ao próprio governo, conforme informações do Ministério Público do Amazonas (MP-AM).
Carlos Almeida explicou que o trecho invadido que começará a ser desocupado na segunda-feira não será divulgado com antecedência por questões de segurança da operação.
Segurança
Outra motivação apresentada para a operação no Monte Horebe foram os índices de criminalidade lá. A invasão é uma área com registros recorrentes de violência e influência do tráfico de drogas. Recuperar aquela área é vital para enfrentar os problemas da violência no Viver Melhor e na Zona Norte, disse ele.
‘Sem repetir erros’
Defensor público de carreira, o vice-governador afirmou que o Estado não pode incorrer em “erros do passado ”. Ele se referia à ação de reintegração da invasão Cidade das Luzes, na Zona Oeste, origem de boa parte das pessoas residentes hoje no Monte Horebe.
Almeida defende publicamente que ações como essa de reintegração e também para desarticular o crime devem respeitar os moradores que nada têm a ver com os bandidos e dar alternativas de moradia adequada para eles.
Ele faz essa defesa pública desde a época em que estava à frente da Defensoria Especializada em Atendimentos de Interesses Coletivos da DPE-AM, quando atuou contra a retirada da Cidade das Luz da forma como aconteceu, entre novembro e dezembro de 2015: truculenta e sem apoio social aos desvalidos.
À época, Almeida já declarava que não era a favor de invasões, mas ressaltava também que não aceitava a criminalização dos moradores.
Sobre a desocupação da Cidade das Luzes, o então defensor disse em uma audiência sobre o tema que considerava a ação nas Luzes injusta, irregular, preconceituosa, que não ouviu o contraditório e ocorreu de maneira açodada, porque se tratava de uma situação complexa que não deveria ser analisada às pressas.
“O que nós não podemos é repetir os erros do passado, fazendo o desalojamento, ou o despejo de população pura e simples. A população não é o problema”, disse o vice-governador na coletiva de sexta-feira.
“Nós estamos implementando uma política de moradia e essa política de moradia exige a resolução de um problema que ninguém nunca enfrentou, que é jogar para debaixo do tapete a situação das ocupações irregulares e nós estamos encarando ela de frente. O grande erro que aconteceu nas operações de estado anteriores, e que eu sempre combati como defensor [eu estou vice-governador], é estar abandonando as famílias à própria sorte. E isso não acontece nesse caso. Então, nesse caso, nós estamos fazendo um alinhamento de uma atuação que é, sim, social com uma ação que é de segurança pública que é necessária para a nossa cidade”, declarou.
Na tarde de sexta-feira, Carlos Almeida disse esperar que a operação ocorra de forma tranquila e sem conflitos.
Na manhã seguinte, moradores recusaram a ajuda do governo para retirar seus bens do local antes da desapropriação. Houve até protestos.
Todos os olhos estão voltados para o que vai acontecer nesta segunda-feira.
Confira abaixo o pronunciamento do vice-governador feito antes dos questionamentos dos jornalistas:
Boa tarde, gente.
Nós estamos aqui nesta sexta-feira, 28 de fevereiro, dando comunicação de um procedimento de estado a respeito de uma ação que é integrada, de segurança pública, social e urbanística.
Há uma preocupação muito antiga no Estado do Amazonas a respeito de política de moradia e segurança pública e essa foi uma questão que sempre pautou as manifestações públicas e políticas ao longo desse ano. Dentre as várias outras razões, a ausência de uma política pública de moradia tem gerado e eclodido na nossa cidade de Manaus e em alguns municípios do interior ocupações irregulares.
A eclosão de ocupações irregulares causa diversos transtornos, dentre os quais para a própria população que lá o reside, dentre as quais para demandas de natureza ambiental e de segurança pública.
Dentre as operações que o Governo do Estado do Amazonas vem realizando desde o início do mandato do governador Wilson Lima, está uma atuação para a repressão à criminalidade, e dentre essas operações se tem identificado em alguns locais redutos de atuações criminais que tem sido apontado como necessidade de resolução.
Uma dessas localidades é justamente a ocupação irregular Monte Horebe, que fica no entorno do residencial Viver Melhor etapa 1 e 2, que fica na Zona Norte de Manaus.
Já no Gabinete de Crise instaurado semanas atrás já tinha sido apontada pela Segurança Pública a necessidade de se atuar de forma contundente em áreas onde a criminalidade tem atuado.
Agora, já recentemente, inclusive foi noticiado ontem, coronel, a existência de mais um cadáver de uma pessoa lá na mesma localidade, apontando a necessidade de medidas urgentes de segurança pública.
Mas nós não podemos nos esquecer de uma questão extremamente importante que o governador tem comunicado em cada momento: esse é um governo do social e com preocupação nitidamente social. Nós temos feito o avanço e consertado aquilo que outros governos não fizeram ao longo desses anos. Nós temos reparando isso ao longo de todos esses meses e isso não tem sido diferente na saúde pública e em especial na segurança.
Os nossos números mostram de forma contundente que a criminalidade tem sido combatida com a forma adequada. Mas nós não nos esquecemos, obviamente, da população e a nossa preocupação primária é com a população.
Lá no Monte Horebe nós temos uma necessidade de atuação da Segurança Pública, mas a preocupação primária é, em especial, com as famílias que lá residem.
A partir desse momento, nós estamos anunciamos que nós estamos retirando a criminalidade de cima dessas famílias.
E a atuação que nós estamos aqui comunicando, feita em composição com a Defensoria Pública, que se encontra aqui ao lado, é uma atuação antes de tudo social. Mas não esquecendo o nosso caráter, sim, de segurança pública na área, a preocupação urbanística e a preocupação ambiental – porque nós não nos esquecemos que a Reserva Ducke se encontra ali ao lado.
Nós estamos atendendo com todo o cuidado aos imperativos do manual de remoções e reintegrações coletivas da extinta ouvidoria agrária nacional, que exige planejamento e comunicação adequada.
E o que nós estamos aqui dizendo é que as operações para remoção coletiva, observando os padrões básicos da legislação, se iniciarão nesta segunda-feira.
E essa operação vai ser uma operação acompanhada tanto da Defensoria Pública, quanto da Ordem dos Advogados do Brasil, que esteve hoje em reunião do GGI (Gabinete de Gestão Integrada), quanto acompanhada pelo Ministério Público e, em especial, pela nossa equipe de social toda.
Essa operação tem a finalidade de se fazer a remoção da área, mas com a preocupação com as famílias que de lá serão retiradas. E fazer a ocupação necessária para que o aparato de segurança possa atuar não só na Zona Norte de Manaus, como em especial dentro do próprio residencial Viver Melhor, que vem carecendo de atuação contundente de segurança pública já faz anos, e isso se inicia nesse exato momento.
O objetivo da nossa comunicação nesse momento, com 48 horas de antecedência da operação, é não se fazer uma operação atabalhoada como se vem fazendo no Estado do Amazonas com os últimos históricos dos últimos anos.
Nós não queremos iniciar operações de choque com a população de forma desnecessária e a preocupação que nós temos enquanto governo é fazer com que as famílias que hoje são vítimas sejam na verdade amparadas.
Essa é a comunicação que nós temos que dar nesse primeiro momento.
Foto: Mário Oliveira – SEMCOM
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