MANAUS – Por determinação da juíza federal Ana Paula Serizawa, titular da 4ª Vara da Justiça Federal do Amazonas, e sob a escolta ostensiva de um agente de segurança armado, jornalista do jornal A Crítica foi obrigada, nesta quinta-feira (8), a apagar um áudio do seu celular. A mídia foi produzida durante a audiência de interrogatório do ex-governador José Melo, em uma das ações oriundas da operação Maus Caminhos.
O episódio ocorreu quando o depoimento já havia encerrado. Ao passar pela porta do auditório, deixando o local, a repórter foi abordada pelo agente de segurança, que lhe comunicou que a gravação não era permitida, insistindo para que a jornalista apagasse o arquivo. Ante a negativa, o agente, que atua armado, insistiu que a profissional entregasse o aparelho celular a ele.
De posse do celular da jornalista, o agente levou-o até a juíza, comunicando-lhe o ocorrido. Na ocasião, a juíza chamou a atenção de advogados e do representante do Ministério Público Federal (MPF) para que acompanhassem a jornalista apagando a gravação. O que aconteceu, com o agente de segurança ao lado da repórter.
Mais tarde, no saguão do prédio da Justiça Federal, enquanto aguardava com outros jornalistas a saída do réu, de advogados e do membro do MPF para eventuais entrevistas, a repórter foi novamente abordada pelo agente de segurança. Desta vez, ele estava acompanhado de uma profissional do setor de comunicação do órgão. Sem a devida identificação e explicação de motivos, os dois pediram que a repórter fornecesse seu nome. Segundo eles, seria um pedido da juíza.
“É proibido”
Há um aviso na sala de audiência da Justiça Federal do Amazonas comunicando que não é permitido fazer filmagens ou gravações no local. Mesmo sem nenhuma justificativa clara para a proibição, a determinação é obedecida, e até então nunca tinha sido questionada pela imprensa. Na tarde desta quinta-feira, diante do ocorrido, o site pediu, por e-mail, que a assessoria de comunicação informasse qual legislação embasa essa determinação.
Na resposta, que o site publicará na íntegra no final do texto, a assessoria informou que além do dever constitucional de garantir publicidade a este tipo de audiência, um juiz também pode tomar medidas para que o ato não seja tumultuado. Dando a entender que gravar o áudio do interrogatório, por exemplo, pode se enquadrar ao caso.
“O Juiz tem o poder geral de cautela para determinar a forma como os atos serão realizados, inclusive restringindo a participação pública, se isso puder causar tumulto ao ato. Tais poderes decorrem da própria Constituição Federal, artigo 93, IX, e do Código de Processo Penal, artigos 792 e 794”, diz trecho da nota.
Em três anos de cobertura da denominada operação Maus Caminhos, não se tem notícia de que a imprensa tenha divulgado alguma imagem ou áudio captados de uma audiência com testemunhas ou réu. Ou que tenha tumultuado de qualquer outra forma a realização das oitivas ali conduzidas.
A assessoria também defendeu na nota que a vedação a registros em áudios e vídeos não prejudica a cobertura da imprensa, uma vez que o conteúdo poderia ser acessado após o encerramento da audiência.
“Isso não implica em nenhuma forma de embaraço à atividade da imprensa, uma vez que todos os depoimentos e interrogatórios ficam disponíveis às partes e à imprensa após o encerramento do ato”, escreveu a assessoria.
O site questionou também se há previsão legal que garanta ao agente de segurança o direito de exigir que um jornalista lhe entregue o celular. A nota limitou-se a ressaltar que a presença do referido agente atende a determinação do magistrado que preside a audiência e que o uso de arma é autorizado em legislação própria.
Constrangimento
Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado do Amazonas (SJPAM) e a Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ) repudiaram a decisão da magistrada em uma nota conjunta (nota publicada no final da matéria).
Para as entidades, a conduta da magistrada foi arbitrária e feriu princípios constitucionais. Além de constituir constrangimento à jornalista e demais membros da imprensa.
A nota da Justiça Federal
Senhor Repórter,
De ordem da Juíza Federal da 4ª vara da Seção Judiciária do Amazonas temos a informar, em atenção à solicitação enviada ao e-mail desta Seção de Comunicação Social, o que segue:
O Juiz é o presidente dos atos processuais, inclusive, as audiências, e tem o dever de zelar pela publicidade dos atos, com vistas a atender o interesse público na informação, de um lado, e na preservação da imagem, intimidade e privacidade das partes, por outro lado.
O Juiz tem o poder geral de cautela para determinar a forma como os atos serão realizados, inclusive restringindo a participação pública, se isso puder causar tumulto ao ato. Tais poderes decorrem da própria Constituição Federal, artigo 93, IX, e do Código de Processo Penal, artigos 792 e 794.
No caso concreto, ressalte-se que se franqueou livremente acesso às audiências para a imprensa, com a limitação de não poder gravar em vídeo nem áudio os depoimentos, limitação não só imposta à imprensa, mas a todos os participantes, inclusive Advogados e Ministério Público. Isso não implica em nenhuma forma de embaraço à atividade da imprensa, uma vez que todos os depoimentos e interrogatórios ficam disponíveis às partes e à imprensa APÓS O ENCERRAMENTO DO ATO. Inclusive tais determinações são de conhecimento público, dados os inúmeros pedidos de acesso a autos e obtenção de cópias de depoimentos que os vários profissionais da imprensa dirigem à 4ª vara e têm sido atendidos ao longo da Operação Maus Caminhos pela 4ª Vara.
Ressalte-se que a repórter LARISSA reconheceu que agiu em desacordo com a autorização deste juízo, autorizou expressamente que se apagassem as mídias gravadas e pediu desculpas a todos os presentes, na presença da Magistrada, do Ministério Público, de advogados e serventuários da Justiça.
Cabe registrar que os Agentes de Segurança da Justiça Federal são responsáveis por fazer cumprir as determinações do Magistrado em audiência e portam as armas permitidas de acordo com a legislação (Portaria PRESI 6033804 – TRF1, Portaria PRESI 600245 – TRF1, Portaria JFAM nº 171/2013).
Por fim, o juízo da 4ª Vara lamenta a atitude da referida repórter, que não só desobedeceu à determinação judicial, como não agiu com a boa-fé e transparência que se esperam desse tipo de profissional, porém acredita que tenha sido um fato isolado, confiando que não voltará a se repetir.
Nota do Sindicato dos Jornalistas do Amazonas e Fenaj:
NOTA DE REPÚDIO
O Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado do Amazonas – SJPAM – e a Federação Nacional dos Jornalistas – FENAJ – entidades representativas dos jornalistas amazonenses e brasileiros, respectivamente, vêm a público repudiar a postura da juíza Ana Paula, da 4a. Vara da Justiça Federal no Amazonas, que, de forma arbitrária, autorizou um segurança reter o celular da jornalista Larissa Cavalcante, da Editoria de Política do jornal A Crítica, apagando o registro das gravações de áudio captadas após depoimento, nesta quinta-feira (08), do ex-governador do Amazonas, José Melo, um dos suspeitos no desvio de recursos públicos, em audiência de instrução do processo da Operação “Maus Caminhos”, nas dependências da sede da Justiça Federal, em Manaus, capital do Estado.
O ato fere princípios constitucionais que asseguram aos jornalistas o livre exercício na atividade profissional, bem como se constituiu em momento de constrangimento à profissional e demais colegas da profissão.
O SJPAM e FENAJ, que assinam a presente Nota Pública, solidarizam-se com a jornalista Larissa Cavalcante, colocando à disposição da profissional a assessoria jurídica das entidades no Amazonas.
Manaus, (Am) 08 de Agosto de 2019.
Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado do Amazonas – SJPAM
Federação Nacional dos Jornalistas – FENAJ
O livre exercício da atividade profissional dos jornalistas, com amparo na CF, não pode estar à mercê do entendimento e subjetividade de setores da magistratura brasileira.
Parabéns, jornalista Lúcio Pinheiro pela iniciativa em solicitar informações à Justiça Federal, logo após o fato ocorrido. Avalio como atitude fundamental que atua na defesa do jornalismo e dos jornalistas em nosso estado.