MANAUS – O Ministério Público Federal (MPF) no Amazonas denunciou o advogado Josenir Teixeira, titular do Escritório Josenir Teixeira Advocacia, sediado em São Paulo, pelo crime de lavagem de dinheiro. Além de ser acusado de prestar consultoria para viabilizar o esquema de desvios de recursos públicos da área da saúde revelados pela Operação Maus Caminhos, o advogado também é processado por dissimular o recebimento de R$ 750 mil referentes a pagamentos feitos pelo médico Mouhamad Mustafa. Além de Teixeira, o médico e um motorista que intermediava as remessas de dinheiro também são alvos de ação penal apresentada pelo MPF à Justiça Federal.
Segundo o MPF, como especialista em terceiro setor e profundo conhecedor de organizações sociais ligadas à área da saúde, Josenir Teixeira integrava, ao lado de Lino Chíxaro, o núcleo jurídico da organização criminosa. Os dois advogados, alvos da quarta fase da investigação, intitulada Operação Cashback, tinham como principal função aconselhar o principal articulador do grupo, o médico Mouhamad Moustafa, a estabelecer o Instituto Novos Caminhos (INC) como organização social no Amazonas para possibilitar o desvio de recursos públicos federais. Chíxaro foi denunciado em outra ação penal.
No documento de acusação apresentado à Justiça, o MPF ressalta que Josenir Teixeira era remunerado de duas formas: uma aparentemente legal, respaldada em contrato de assessoria jurídica, e outra claramente ilegal, que resultou na prática do crime de lavagem de dinheiro, objeto da denúncia. O advogado mantinha três contratos com o INC celebrados sem qualquer processo de licitação. Além dos valores recebidos por meio dos contratos, as investigações mostraram que o advogado recebia, sem previsão contratual, por meio de entregas em espécie intermediada por um motorista de Mouhamad e sem emissão de nota fiscal, R$ 50 mil mensais.
A análise de dados obtidos por meio de quebras de sigilo fiscal e bancário autorizadas pela Justiça revelou que, ao longo dos anos de 2015 e 2016, o proprietário da empresa Salvare, Mouhamad Moustafa, realizou diversas transferências para a conta-corrente de Adilson Netto da Silva, empregado da empresa em São Paulo, para que este sacasse R$ 50 mil mensalmente e entregasse, pessoalmente e em espécie, a Josenir Teixeira. Ao todo, essa conduta foi repetida pelo menos 15 vezes, totalizando R$ 750 mil recebidos pelo advogado de forma oculta.
A ação tramita na Justiça Federal do Amazonas sob o número 9644-38.2019.4.01.3200. A pena para o crime de lavagem de dinheiro varia de três a dez anos de prisão e multa. Como os réus cometeram o mesmo crime 15 vezes, a pena pode ser aumentada em até dois terços.
Consultoria para o crime – Na denúncia, o MPF apresenta à Justiça duas conversas entre os denunciados e outros réus da operação, as quais são determinantes para mostrar que Josenir integrava a organização criminosa. Na primeira, Josenir confirma que instruiu Mouhamad a usar contratos de consultoria para desviar recursos. Posteriormente, demonstra plena ciência do que se passava na organização criminosa e o seu papel de consultor para o crime.
Em um dos diálogos citados, Mouhamad explica que a regra do negócio criminoso era o superfaturamento ou inexistência da prestação de serviços por parte dos fornecedores do INC para que houvesse lucro suficiente para enriquecimento próprio e para o pagamento de propina a agentes públicos, denominada pelo médico de “custo político”. Em resposta, Josenir adverte: “Mas é que o errado, Mouhamad, tem que ser bem-feito”.
Em outro trecho das conversas transcritas na ação penal, o MPF evidencia que o trabalho do núcleo jurídico não era somente aconselhar legalmente os seus assessorados, mas também orientar a melhor forma de atrapalhar a investigação por parte dos órgãos de fiscalização e controle, o que, segundo a denúncia, “pode-se resumir em uma consultoria criminosa”. Os diálogos foram gravados por uma pessoa presente no mesmo ambiente e entregues ao MPF em colaboração premiada.
“Telhado de vidro”
Na conversa, Josenir Teixeira e Lino Chíxaro discutem uma forma de intervir na fiscalização realizada pela Controladoria-Geral da União (CGU) nos contratos do INC. “[…] porque uma coisa que me preocupa e me preocupou quando eu vi o início da fiscalização etc… é o seguinte: o nosso telhado, ele tem um pouco de vidro misturado às telhas. A gente têm procedimentos, é… feitos lá no início que não foram totalmente adequados, nós temos falhas internas, nós temos falhas de procedimentos, nós temos falhas que não podem ser corrigidas porque a cronologia não volta […]”, afirma o advogado.
A fragilidade da documentação e da legalidade das ações relacionadas aos contratos do instituto é mencionada pelos dois advogados como motivo de preocupação em diversos trechos. Josenir Teixeira chega a afirmar que, se fosse questionado sobre as inconsistências nas contas dos contratos com o poder público, não conseguiria dar uma resposta aceitável “porque a explicação convincente não existe”, por isso, era necessário “fazer com que essas pessoas que estejam analisando esses documentos não analisem com olhos tão fugazes e tão atentos”.
Operação Maus Caminhos
Em 2016, a Operação Maus Caminhos desarticulou um grupo que desviava recursos públicos por meio de contratos firmados com o governo do estado para a gestão de três unidades de saúde em Manaus, Rio Preto da Eva e Tabatinga, feita pelo INC, instituição qualificada como organização social.
As investigações que deram origem à operação demonstraram que, dos quase R$ 900 milhões repassados, entre 2014 e 2015, pelo Fundo Nacional de Saúde (FNS) ao Fundo Estadual de Saúde (FES), mais de R$ 250 milhões teriam sido destinados ao INC. A apuração indicou o desvio de recursos públicos, além de pagamentos a fornecedores sem contraprestação ou por serviços e produtos superfaturados, movimentação de grande volume de recursos via saques em espécie e lavagem de dinheiro pelos líderes da organização criminosa.
As operações Custo Político, Estado de Emergência, Cashback e Vertex, desdobramentos da Operação Maus Caminhos, mostraram, ainda, o envolvimento de agentes públicos, políticos da alta cúpula do Executivo estadual, entre eles o ex-governador José Melo, e pessoas ligadas a agentes públicos em um esquema de propina criado para acobertar e colaborar com os desvios feitos pelo grupo que geria as unidades de saúde, liderado pelo médico Mouhamad Moustafa.