MANAUS – Ao descrever o esquema criminoso de extração e venda ilegal de madeira investigado na operação Arquimedes, o superintendente da Polícia Federal no Amazonas, Alexandre Silva Saraiva, comparou os investigados à “nuvem de gafanhotos” que estava destruindo a floresta no sul do Amazonas.
“O que acontece hoje na Floresta Amazônica é a repetição do que aconteceu com a Mata Atlântica, e pior, nestes municípios a extração da madeira não se traduz em melhoria da condição de vida das pessoas, muito pelo contrário. São municípios com os piores IDH do Brasil. Ninguém está desmatando no sul do Amazonas para plantar soja, para colocar gado ali, é como uma nuvem de gafanhotos, que chega ali,extrai tudo que pode e vai embora. É uma organização criminosa especializada nisso”, disse Saraiva, ao apresentar junto com o procurado da República, Leonardo Galiano, na terça-feira (25), denúncias contra 22 investigados.
Durante a coletiva, o superintendente da Polícia Federal no Amazonas disse que o crime cometido pelo grupo é tão grave quanto qualquer outro praticado contra a União.
“Essa é uma organização criminosa, e não se trata apenas de crime ambiental. Pode parecer, à princípio, apenas crime ambiental, mas nós estamos falando de patrimônio público. Aquelas madeiras que foram retiradas, foram retiradas de uma área da União. Então, aquilo pertence ao Estado Brasileiro, não faz diferença furtar o Banco Central do Brasil ou retirar aquela madeira de uma terra da União, que tem um valor enorme no mercado internacional. A atividade de extração de madeira é importante, gera emprego, mas aquele que explora de forma legal, dentro dos limites previstos pela legislação, acaba ficando impossibilitado de competir com os madeireiros ilegais, que não respeitam nada, não recolhem impostos, não pagam direitos trabalhistas”, comentou Saraiva.
Segundo o Ministério Público Federal (MPF) no Amazonas, a prática de diversos atos de corrupção, fraudes e irregularidades ambientais na Amazônia foi descoberta a partir da operação Arquimedes. As investigações realizadas em conjunto com a Polícia Federal (PF) indicaram a existência de verdadeiro balcão de negócios criminosos em torno da concessão e fiscalização de planos de manejo florestal no estado, com a participação de servidores públicos do Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam), madeireiros, empresários e engenheiros florestais, entre outros.
As denúncias – ao todo são dez – acusam os réus, conforme suas participações individuais no esquema, pela prática dos crimes de corrupção ativa e passiva, falsidade ideológica e falsificação de laudo ambiental em processo de licenciamento. As penas para os crimes de corrupção variam de 2 a 12 anos de prisão e, em razão de terem sido cometidos em diversas situações, o MPF pediu a aplicação somada para cada situação criminosa praticada pelos réus.
A partir das investigações realizadas para a deflagração da segunda fase da operação Arquimedes, em abril deste ano, identificou-se a existência de cinco núcleos com tarefas e atividades diferenciadas, mas voltadas ao mesmo propósito de viabilizar as fraudes em planos de manejo florestal e na documentação de transporte da madeira extraída irregularmente de terras públicas federais, incluindo unidades de conservação, assentamentos de reforma agrária e terras indígenas.
Nas acusações apresentadas à Justiça, o MPF sustenta que o grupo dos servidores públicos processados por corrupção – entre eles o então diretor jurídico Fábio Rodrigues Marques e o ex-gerente de controle florestal do Ipaam, Antenor de Melo Neto – impulsionava processos administrativos de empresários e madeireiros participantes do esquema e autorizavam, mediante pagamento de propina e sem qualquer análise e critério legal, pedidos de Planos de Manejo Florestal Sustentável (PMFS) e de exploração florestal criminosa.
Escutas telefônicas autorizadas pela Justiça durante a fase de investigação mostraram que, em algumas situações, os analistas e técnicos do Ipaam denunciados pelo MPF à Justiça criavam dificuldades e exerciam as atividades com lentidão proposital para, em um segundo momento, solicitar propina. Todos eles foram presos durante a fase ostensiva da Operação Arquimedes II, em maio deste ano.
De acordo com as denúncias, o grupo dos detentores de plano de manejo repassava, de forma ilegal, créditos virtuais a madeireiras localizadas no sul do Amazonas, fornecendo o “insumo” para as fraudes que resultaram em danos enormes à floresta amazônica. Por sua vez, o grupo dos madeireiros, já de posse dos créditos indevidos, emitia Documentos de Origem Florestal (DOFs) ideologicamente falsos para acobertar o transporte e a comercialização de madeira sem origem legal.
As ações penais do MPF ressaltam ainda que o grupo de investigados relacionados exercia funções diversas, interagindo, praticando ou facilitando a prática criminosa dos demais atores da multifacetada organização criminosa. Já o grupo formado por engenheiros florestais utilizava de seu conhecimento técnico e proximidade com o Ipaam para elaborar e aprovar os planos de manejo e outros documentos fraudulentos. Em várias situações, dizem as denúncias, esses profissionais atuaram como intermediadores e operadores técnicos e/ou financeiros entre o setor empresarial e o setor público, mediante negociações, ajustes e pagamentos de propinas.
O MPF denunciou também, em uma das ações, o ex-superintendente do Ibama no Amazonas José Leland Juvêncio Barroso, pelos crimes de organização criminosa e ‘lavagem de madeira’. Ele é acusado não só por ignorar o alerta de possível irregularidade em enorme carga de madeira abrigada em dois portos de Manaus como também por tentar interferir ilegalmente em favor da liberação dessas cargas irregulares, apreendidas durante a primeira fase da Operação Arquimedes, em dezembro de 2017. Durante a segunda fase da operação, em abril deste ano, Leland Barroso foi preso em flagrante por posse ilegal de arma de fogo.
Na denúncia, o MPF sustenta que o ex-superintendente do Ibama mantinha verdadeira “parceria criminosa” com o ex-superintendente do Ibama no Acre, Carlos Gadelha, preso na Operação Ojuara, e processado por diversos crimes também ligados a fraudes em documentos de fiscalizações ambientais no Amazonas, e atos de corrupção. A partir de diálogos identificados por meio de interceptações telefônicas e telemáticas, o órgão afirma ter constatado forte ligação de Leland Barroso com membro da classe política do Amazonas, com o qual tratava sobre a liberação de madeireiras irregulares no interior do estado e chegou a pedir apoio político para continuar no cargo após ser exonerado, no início deste ano.