Em meio à polêmica do contingenciamento de recursos para as universidades e institutos técnicos federais, o ministro da Educação, Abraham Weintraub, defendeu no Senado o foco do MEC na primeira infância como estratégia para vencer a desigualdade social. Esse caminho, conforme disse o próprio ministro, é uma recomendação do economista americano James Heckman, vencedor do Prêmio Nobel em 2000.
— A gente só está 18 anos atrasado neste debate — ironizou Weintraub em audiência na Comissão de Educação, Cultura e Esporte (CE) no dia 7.
Segundo o titular do MEC, o que o Heckman diz é que “o retorno social” é muito maior quando feito na educação infantil.
Em 2014, o governo anunciou que dedicaria atenção especial às crianças de até 3 anos, faixa etária reservada para o atendimento em creches, e de 4 e 5 anos, público das pré-escolas. No mesmo ano, o Plano Nacional de Educação (PNE), criado pela Lei 13.005/2014, estabeleceu diretrizes, metas e estratégias para a política educacional no período de 2014 a 2024, inclusive quanto a investimentos. Desde então, o número de matrículas na educação infantil cresceu 11,1%, atingindo 8,7 milhões de alunos.
O crescimento, porém, não foi suficiente. A primeira meta do PNE era universalizar, até 2016, a educação na pré-escola para as crianças de 4 a 5 anos. Três anos após o fim do prazo, o atendimento escolar é de 91,7% — índice alto, mas que não representa a universalização.
Para as crianças de até 3 anos, a meta do PNE era atender no mínimo 50% até o final da vigência do plano, em 2024. Dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) de 2018 mostram que as matrículas em creche cresceram 23,8% entre 2014 e 2018, mas apenas 32,7% das crianças estão sendo atendidas. Ainda falta matricular cerca de 2 milhões para se alcançar a meta.
Uma das medidas para reestruturar a educação nesse segmento é o Programa Nacional de Reestruturação e Aquisição de Equipamentos para a Rede Escolar Pública de Educação Infantil (Proinfância), que tem como um de seus eixos a construção de creches e pré-escolas. Relatório de avaliação elaborado pelo Ministério da Transparência e Controladoria-Geral da União (Rav 80/2018), mostrou que de 8.824 obras previstas, apenas 39% (3.482) foram concluídas. Dessas, só 17% (1.478) estão em funcionamento.
O relatório da CGU ajudou a fundamentar no Senado um ciclo de debates sobre as obras de creches inacabadas, promovido pela Comissão de Transparência, Governança, Fiscalização e Controle e Defesa do Consumidor (CTFC).
— O Proinfância nasceu bem-intencionado, mas degringolou completamente. Até hoje já foram gastos R$ 6 bilhões, e menos da metade das creches anunciadas foi concluída. Cada projeto que deixa de acontecer representa um drama familiar — lamentou o presidente da comissão, senador Rodrigo Cunha (PSDB-AL).
Um dos especialistas ouvidos pela comissão, o diretor de Auditoria de Políticas Sociais e Segurança Pública da CGU, José Paulo Barbiere, mostrou que, se todas as creches e pré-escolas pactuadas tivessem sido concluídas e estivessem em funcionamento, o país teria ganho mais de 1,8 milhão de novas vagas — quantidade próxima à necessária para completar a meta do PNE. No entanto, como só 1.478 unidades funcionam, menos de 600 mil novas vagas foram abertas.
— Apenas um terço da potencial oferta de vagas se materializou. O programa não demonstrou a que veio. Ele só gerou problemas e deficiências, que agora precisam ser solucionadas nas próximas gestões — afirmou Barbieri.
De acordo com a pesquisa “Obras Paralisadas do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC)”, da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (Cbic), 969 das creches inacabadas estão com a obra paralisada há pelo menos quatro anos. A principal dificuldade é a execução. As prefeituras não têm condições financeiras de bancar a infraestrutura necessária e acabam paralisando a obra faltando 1% ou 2% para ser concluída.
— A fiscalização tem de existir. O Estado tem de ser mais ágil nas aplicações dos recursos e na atenção para que as obras fiquem bem feitas — cobrou Luiz Afonso Delgado Assad, membro da Comissão de Infraestrutura da Cbic.
Na tentativa de ajudar estados e municípios a finalizar suas escolas, o Ministério da Educação estendeu até 25 de setembro o prazo para que gestores solicitem a retomada das construções. Para Rodrigo Cunha, o Senado também precisa buscar soluções para o problema:
— O importante é jogarmos luz sobre esse gargalo inadmissível na educação infantil brasileira e aperfeiçoarmos os dados para cobrarmos do governo a retomada dessas obras.
Falta de recursos
As obras inacabadas são apenas um dos obstáculos à ampliação da educação infantil no Brasil. Outro grande empecilho é a falta de dinheiro, que se agrava com as restrições orçamentárias por causa da prolongada crise fiscal.
O programa Brasil Carinhoso (Lei 12.722/2012), que consiste na transferência automática de recursos financeiros para custear despesas com manutenção e desenvolvimento da educação infantil, não teve orçamento para 2019. Em 2018 a verba já havia sido de R$ 6,5 milhões — o equivalente a apenas 1% do orçamento de 2014, que foi de R$ 642 milhões.
Para reverter a escassez de recursos, tramita no Senado o PLS 339/2017, que define percentuais mínimos para o Brasil Carinhoso. Municípios que cumprirem a meta da educação terão repasse mínimo de 50% do valor anual por matrícula definido pelo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb). Já os que não cumprirem a meta receberão pelo menos 25% do valor.
A proposta, do senador Romário (Pode-RJ), está em análise na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE).
Os senadores também analisam a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 65/2019, para tornar o Fundeb permanente, já que a vigência do fundo termina em 2020. O Fundeb tem programados R$ 156,4 bilhões para custear 40 milhões de estudantes em 2019. De iniciativa do senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), a PEC está na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ). A intenção é inserir o Fundeb na Constituição como política de Estado e vinculá-lo às metas do PNE.
No início de abril, foi aprovado o PLS 466/2018, do senador José Serra (PSDB-SP), que altera a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, para instituir programa de auxílio financeiro a famílias de baixa renda que não conseguirem matricular crianças até 5 anos em estabelecimentos de educação infantil. A proposta seguiu para a Câmara dos Deputados.
Prefeitos e o governador do DF ficariam autorizados a criar o auxílio-creche, dependendo dos recursos disponíveis, e dirigi-lo aos beneficiários do Bolsa Família com crianças nessa faixa etária onde não houvesse vagas na rede pública ou conveniada.
— Criança fora de creche, criança com escola deficiente e de família pobre, será pobre. Isso cria o chamado círculo, em que a pobreza gera pobreza — explicou o senador em pronunciamento no Plenário, adotando argumento semelhante à tese do prêmio Nobel.
A dificuldade no encaminhamento de soluções para a educação pode ser medida pelo grau de dissenso durante o debate desse projeto de Serra.
— O que esse projeto faz é permitir ou acrescentar aos gastos com educação o uso de vouchers[vales] apresentados mediante recibo. Deus sabe lá de que forma será feito o acompanhamento, a fiscalização e o controle desses gastos, dessas matrículas ou em que lugares estarão matriculados e tudo o mais que a gente sabe que pode haver de desvio em relação a recursos públicos — alertou o ex-ministro da pasta e senador Cid Gomes (PDT-CE).
Também contrário à ideia, o senador Plínio Valério (PSDB-AM) deu na Comissão de Educação parecer contrário a uma proposta parecida com a do senador José Serra.
O PLS 172/2018, do ex-senador Wilder Morais (PP/GO), permite que recursos do Fundeb sejam usados para o pagamento de despesas com educação de crianças de até três anos em creches privadas.